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Nº 1438 - Ano 30 - 13.5.2004

 

 

Criminalidade e segurança cidadã

Robson Sávio Reis Souza*

segurança pública, promessa de prioridade dos governos eleitos em 2002, continua dando sinais evidentes de descontrole. O aumento de delitos violentos e a insistente ação do crime organizado contra forças públicas clamam por políticas eficazes e realistas.

Para responder ao recrudescimento do crime organizado, presenciamos uma série de medidas reativas, tanto em nível nacional quanto nos estados. A violência e a truculência dos policiais continuam evidentes nas ações desproporcionais das nossas polícias. Em sua quase totalidade, essas medidas enfatizam o aumento do poder punitivo do Estado, simplificando, sem resolver, e, ao mesmo tempo, restringindo as noções de direitos e de cidadania. As visões meramente reativas preocupam-se apenas com a manutenção da "ordem" de um Estado patrimonialista e respondem com evidente limitação à opinião pública inconformada com o crescimento vertiginoso da criminalidade. Surtem alguns resultados temporários e pon-tuais, mas que não revertem uma tendência de aumento dos crimes.

Já a implementação de políticas preventivas, visando ao incremento da inteligência e da capacidade investigativa das polícias, dos mecanismos de participação e das ações de autogestão para a resolução de conflitos em locais com altos índices de criminalidade não se constituem parte fundamental da agenda da maioria dos gestores da segurança pública. Os poucos projetos de prevenção existentes são limitados, ora pela escassez de recursos, ora pela resistência de autoridades e gestores públicos que não os consideram políticas públicas de segurança.

A segurança dos cidadãos é uma questão que inclui os direitos e garantias fundamentais e não o limite deles. Portanto, ao tratarmos da segurança cidadã, falamos na centralidade das políticas sociais e no aprimoramento institucional das agências que cuidam da defesa social. É fundamental repensar o lugar e as condições em que as forças de segurança se inserem na nossa sociedade.

Além do aumento da criminalidade, alguns indicadores têm apontado um aumento da violência institucional que é, em si mesma, um risco para a vida e a integridade dos cidadãos. Arbítrios policiais são noticiados fartamente pela mídia, e os agentes públicos, acusados de eliminarem sumariamente cidadãos indefesos. Por outro lado, a inexistência de mecanismos eficientes de controle da atividade policial, as deficiências na administração da Justiça, a ineficácia do sistema prisional e a precariedade e morosidade da atuação do Poder Judiciário tendem a reforçar a seletividade do sistema penal, pela qual os mais fracos têm altas chances de receber severos castigos, e aqueles que contam com mais recursos _ como a criminalidade organizada _ aumentam suas probabilidades de gozar da impunidade.

Num país com desigualdades sociais tão visíveis, o gasto dos parcos recursos públicos seria mais eficiente com ações de incremento da cidadania. É preciso focalizar os investimentos na prevenção à criminalidade, conjugando ações repressivas direcionadas ao crime organizado, aos traficantes e aos infratores de alto poder ofensivo e políticas públicas voltadas para a geração de emprego e renda e aprimoramento do capital social das comunidades, principalmente nos aglomerados das grandes cidades, onde os índices de vulnerabilidade social são gritantes. Na resposta à questão do controle da violência está em jogo o tipo de contrato existente entre a sociedade e o Estado. Não podemos esperar uma solução mágica para o problema. O fato é que uma visão pró-ativa e verdadeiramente universalista da segurança pública permitiria antecipar-se ao conflito com a satisfação dos direitos sociais, principalmente dos grupos mais vulneráveis. Ademais, é fundamental que as políticas de segurança explorem as capacidades institucionais e a consistência entre os níveis de governo (nacional, estadual e municipal), abandonando a ingênua idéia de que lideranças individuais em algum desses níveis, por si mesmas e por sua própria autoridade, resolverão milagrosamente os problemas. Ao contrário, é preciso fomentar as especificidades de cada nível e o reconhecimento de seus problemas e dilemas.

Em resumo, a segurança pública carece, de um lado, de políticas de aprimoramento, transparência e controle das agências do sistema de justiça criminal para extirpar dessas organizações os focos coniventes com o crime organizado, restabelecendo a credibilidade de seus agentes e possibilitando a participação da sociedade como parceira na resolução de seus dilemas. Por outro, é mister a implementação de mecanismos participativos e autogeridos de resolução de conflitos e a implantação de programas de prevenção à criminalidade, possibilitando aos cidadãos ações pacíficas e democráticas e promovendo a reconstrução de vínculos sociais gradualmente deteriorados pela exclusão social e econômica.

* Secretário-executivo do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG. Mestre em Administração Pública e especialista em Segurança Pública e em Comunicação Social






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