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Nº 1490 - Ano 31 - 30.6.2005

 

 

Nanociência e nanotecnologia

Alaor Silvério Chaves*

s palavras nanociência e nanotecnologia (N&N) passaram, de forma um tanto súbita, a ocupar grande espaço na mídia. Quase todos os países em cuja agenda inserem-se a ciência e a tecnologia começaram a formular vigorosos programas de N&N. Com freqüência, referem-se apenas a programas de nanotecnologia, pois, ao mencionar tecnologia, eles já incluem toda a cadeia de conhecimento que fundamenta a técnica. No público em geral, nota-se grande curiosidade em saber o que significam esses dois neologismos. Uma introdução ao tema de N&N pode começar com noções básicas de escalas de tamanho.

Nano (de nanico) é usado em ciência como prefixo de bilionésimo. Assim, um nanômetro (1 nm) significa um bilionésimo de metro (1 nm = 0,000000001 m). Um átomo tem diâmetro típico de 0,2 nm. A ciência é hoje capaz de investigar fenômenos na escala de um bilionésimo do tamanho do átomo. A nanociência e a nanotecnologia referem-se, respectivamente, à investigação de estruturas materiais na escala que vai, grosso modo, de 1 a 100 nm e à sua utilização em tecnologia. Portanto, a emergência da N&N não tem a ver com capacidade de deslindar o muito pequeno, pois o nano é hoje em dia algo relativamente grande. O conceito essencial em N&N é o de manipulação: estudar os átomos é algo distinto de manipulá-los individualmente.

Em 1981, foi inventado o chamado microscópio de tunelamento eletrônico, que tem resolução suficiente para a visualização individual dos átomos. Esse microscópio deu origem a uma família de instrumentos capazes não apenas de visualizar os átomos, mas também de manipulá-los individualmente. Em 1993, o logotipo IBM foi escrito precisamente com um conjunto de 35 átomos de xenônio. Pouco mais tarde, os japoneses escreveram o ideograma para átomo com átomos. Assim, atingimos, finalmente, a engenharia na escala do átomo e da molécula, a menor caixa de brinquedos que a natureza nos deu, pois o subátomo é instável. Paralelamente à capacidade de manipulação de estruturas na escala nanométrica (nanotecnologia), com o poder crescente dos computadores e dos métodos teóricos, tornou-se possível realizar cálculos, a partir da mecânica quântica, capazes de explicar o rico universo de fenômenos do mundo nanométrico, e até mesmo de antevê-los (nanociência).

Assim, já é possível construir novas moléculas complexas de forma não muito distinta da usada para montar um lego e, mesmo antes de fabricá-las, somos capazes de anunciar suas propriedades. Não é difícil vislumbrar o que pode sair desse conúbio. A nanotecnologia tornou-se uma revolução, que se antecipa como a maior de todas as revoluções tecnológicas. Nos preâmbulos da Nanotecnology Initiative, do governo americano, faz-se o prognóstico de que a revolução nanotecnológica ultrapassará o impacto provocado pelo desenvolvimento dos plásticos, das vacinas, da microeletrônica e das telecomunicações.

A N&N tem permitido a criação de novos materiais avançados com propriedades muito especiais. Com os chamados nanotubos de carbono será possível, em breve, produzir em escala industrial materiais cinco vezes mais leves e 20 vezes mais resistentes que o aço. Com eles, também já é possível dessalinizar a água do mar a um custo que pode tornar-se menor que o da água fornecida pela Copasa. Com materiais nanoestruturados está-se tornando possível refinar petróleo a um custo energético muito menor e, ao mesmo tempo, obter derivados de melhor qualidade. Na Nova Zelândia, gasolina e óleo diesel já são produzidos a partir do gás natural, ali abundante, usando catalisadores nanoestruturados.

A nanotecnologia também está revolucionando o diagnóstico e o tratamento de doenças. O tratamento do câncer, por exemplo, deverá passar por uma grande revolução: “drogas inteligentes” poderão ligar-se exclusivamente às células cancerosas, torná-las visíveis e também destruí-las. Assim, o tratamento torna-se muito mais efetivo e sem efeitos colaterais. Alguns medicamentos com essa índole já são corriqueiros: os novos antiácidos apenas se localizam nas regiões do estômago onde a acidez é pronunciada.

A nanociência também pode ser vista como uma nova abordagem para a investigação dos fenômenos da vida. Com efeito, as estruturas básicas que constituem os seres vivos, incluindo o DNA, estão na escala nanométrica, e a nanociência poderá desvendar de forma surpreendentemente rápida esse complexo e variado universo. Finalmente, a N&N transformará fundamentalmente a microeletrônica, os computadores e as telecomunicações. Isso, em parte, já está acontecendo: os recentes discos de memória dos computadores, já capazes de armazenar centenas de gigabytes, são dispositivos nanotecnológicos.

* Professor emérito do ICEx e pesquisador na área de nanotecnologia

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