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Nš 1493 - Ano 31
28.07.2005



"DNA, por favor!"

Pesquisa sobre teste de paternidade para aves silvestres auxilia combate ao tráfico

Ana Maria Vieira

les já sabiam algumas palavras em francês, quando partiram do Brasil a bordo da fragata Pèlerine, com destino à França, relata Claude Lévi-Strauss, em sua obra Tristes Trópicos. Os passageiros eram nada menos que 600 papagaios e corria o ano de 1531. O fato, aparentemente pitoresco, revela bem a longevidade de uma prática que, colocada na clandestinidade, movimenta hoje bilhões no mercado mundial: o tráfico de animais silvestres.

"Em todo o mundo, há grande demanda por determinadas espécies", observa o professor Evanguedes Kalapothakis, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, que coordena pesquisa para o desenvolvimento de sistema inédito de identificação de paternidade com DNA para papagaios (Amazona aestiva) e sofrês (Icterus Jamacali), duas das aves nacionais que mais sofrem com o contrabando. O projeto foi submetido à Fapemig e terá a colaboração do Ibama. O custo da pesquisa para as duas espécies é de R$ 50 mil, já incluída a infra-estrutura existente no ICB. A previsão é de que o trabalho esteja finalizado dentro de dois anos.

Eber Faioli

Evanguedes: condições singulares para cada espécie

Estudos indicam que as duas espécies encontram-se presentes em vários ecossistemas _ em especial no cerrado e pantanal _, e são bastante comercializadas. Como no caso de outros animais silvestres, a lei brasileira libera a comercialização de papagaios e sofrês apenas quando nascidos em criadouros autorizados pelo Ibama. Contudo, como explica Kalapothakis, a alimentação, a criação e a reprodução dos animais em cativeiro encontram muitas dificuldades.

"Como forma de manter a normalidade desses processos, é preciso oferecer condições singulares para cada espécie e para cada indivíduo de cada espécie", ensina o professor. Ele acrescenta que o número reduzido da população de determinados animais, a agressão a seu habitat, o desconhecimento sobre sua dieta e seus rituais de acasalamento agravam as condições de criação e de reprodução em cativeiro.

Kalapothakis observa que tais dificuldades, associadas à demanda dos mercados interno e externo, provocam a elevação do preço de papagaios e sofrês. Um clássico problema de demanda e oferta, em que o tráfico procura obter vantagem.

Naturais e legítimos

A liberação de criadouros de animais pelo Ibama é considerada um importante recurso para proteção de espécies nativas. "A criação comercial evita que a população compre animais silvestres oriundos do tráfico", explica o chefe do Núcleo de Fauna Silvestre do Ibama em Minas Gerais, Daniel Vilela.

De acordo com Vilela, a expectativa é de que a parceria com a UFMG aperfeiçoe o sistema de controle comercial de papagaios e sofrês. "Conhecer a procedência genética dessas aves permitirá ao Ibama inibir sua captura da natureza", avalia o coordenador. O controle atual é realizado sobretudo através da colocação de anéis identificadores nas patas das aves. Esse sistema de marcação é conhecido como anilhamento, e pode ser feito por criadouros autorizados pelo Ibama.

Estudos preliminares do órgão indicam, no entanto, que a quantidade de papagaios e sofrês comercializados portando anilhas é maior do que o número de animais da mesma espécie nascidos em criadouros autorizados. Há suspeita de que a diferença tenha origem na captura de ovos e filhotes dessas aves na natureza. "Foram identificados apenas casos isolados", informa Vilela. De acordo com o coordenador, a utilização de teste de paternidade para as aves, ao inibir ações desonestas, reforçará a importância dos criadouros, cuja maioria dedica-se a atividades legais e de preservação ambiental.

Microssatélites

A técnica de paternidade (confira abaixo) procura identificar marcas no DNA conhecidas como microssatélites. Essas regiões acumulam modificações transmitidas entre gerações de indivíduos. "O filho é um híbrido, pois herda metade das modificações adquiridas pela mãe e pelo pai", diz Kalapothakis, ao explicar que, por esse motivo, para que o teste possua efetividade, é necessário trabalhar com um grande número de marcadores de DNA.

A tecnologia desenvolvida para aves é similar à utilizada para identificação de paternidade humana, que, inicialmente, usava oito marcadores. Os testes atuais, no entanto, chegam a utilizar mais de 20 microssatélites. "A melhoria da qualidade da técnica está associada a esse aumento", informa o pesquisador.

A pesquisa de identificação de marcadores de DNA para papagaios e sofrês enfrenta, porém, um grande desafio. "Aves têm número menor de microssatélites em seu genoma", revela Kalapothakis. Ele esclarece que a dificuldade já era prevista e que o objetivo da pesquisa é identificar pelo menos oito marcadores de DNA para a técnica de paternidade das duas aves.

O acordo com o Ibama estabelece que a UFMG será responsável pela realização dos testes. O custo unitário por análise de paternidade foi estimado em cerca de R$ 40. "Esse valor torna o projeto viável para o Ibama", comemora Daniel Vilela.

A técnica, passo a passo

- O DNA é purificado de uma amostra do indivíduo.

- É feita a escolha de uma região do DNA, chamada microssatélite (fase mais cara e demorada). A definição decorre da capacidade da região em acumular modificações durante o processo evolutivo.

- O microssatélite escolhido é retirado da fita de DNA, e, após ser copiado, pode ser analisado em laboratório.