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Nº 1698 - Ano 36
7.6.2010

Os naturalistas e as plantas medicinais

Catálogo reúne informações de 101 espécies nativas registradas nos séculos 18 e 19 por figuras como Saint-Hilaire e Bernardino Gomes

Ana Rita Araújo

Assa-peixe é uma das espécies presentes no catálogo

Até o final do século 17, as florestas cobriam quase a metade do território de Minas Gerais. Na densa vegetação natural, centenas de espécies eram conhecidas e utilizadas com fins medicinais. Grande parte desse conhecimento se perdeu nos séculos seguintes, com o deslocamento e a dizimação dos povos nativos, o impacto da atividade mineradora e posteriormente das práticas agropecuárias, resultando no que os pesquisadores classificam como “intensa erosão genética e cultural”.

O resgate dessas informações tem sido o principal foco do trabalho desenvolvido pelo Banco de Dados e Amostras de Plantas Aromáticas, Medicinais e Tóxicas (Dataplamt) da UFMG. Coordenado pela professora Maria das Graças Lins Brandão, do Departamento de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia, o grupo acaba de lançar o livro Plantas úteis de Minas Gerais – na obra dos naturalistas.

Trata-se de catálogo com dados e imagens, antigas e atuais, de 101 plantas nativas, cujos usos foram registrados por naturalistas que percorreram Minas Gerais e seu entorno nos séculos 18 e 19. “A importância dessas informações reside no fato de serem primárias, ou seja, recolhidas em uma época em que a vegetação natural era densa, favorecendo a prática da fitoterapia a partir de plantas nativas”, afirma Maria das Graças Lins Brandão.

Segundo a pesquisadora, a biodiversidade do estado e o aproveitamento que dela fazia a população da época estão registrados na obra de vários naturalistas. O catálogo utiliza referências de 14 desses estudiosos, a maior parte dos quais europeus, como o francês Auguste de Saint-Hilaire, que esteve no Brasil entre 1816 e 1822, e o português Bernardino Gomes, em expedições entre 1797 e 1801, e, posteriormente, em 1817. Também são utilizadas anotações do frei Mariano da Conceição Vellozo, clérigo e botânico brasileiro responsável pelos primeiros estudos da flora do Rio de Janeiro e de grande parte das espécies presentes na Mata Atlântica. “A contribuição de todos os naturalistas para o conhecimento da flora brasileira é incalculável: centenas de plantas foram descobertas e descritas”, resume a professora.

Cadernos intocados

Desenvolvido com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), o livro do Dataplamt traz informações históricas extraídas de acervos bibliográficos e botânicos depositados em instituições nacionais e da Europa. No caso de Auguste de Saint-Hilaire, o catálogo reproduz fac-símile dos seus cadernos de campo, “que permaneceram praticamente intocados desde a sua morte, em 1853”, destaca a coordenadora da pesquisa.

Para cada planta, o catálogo traz ilustrações e fotografias, além de referências sobre resultados de estudos farmacológicos realizados recentemente. A obra faz ainda referência à biotecnologia de plantas medicinais, destacando que raras são as plantas brasileiras estudadas em profundidade e transformadas em medicamentos. “Esperamos que o trabalho contribua para manter vivo o conhecimento tradicional sobre nossas plantas, estimule sua conservação e auxilie no despertar do interesse pela ciência entre as novas gerações”, afirma Maria das Graças Lins Brandão.

O livro é parte de projeto mais amplo realizado pelo Dataplamt, que inclui a pesquisa Uma Viagem pela Estrada Real, que resultou no CD Plantas medicinais – um saber ameaçado; a publicação em língua portuguesa do livro Plantas usuais dos brasileiros, de Auguste de Saint-Hilaire; e a realização de oficinas e exposições permanentes em museus e parques do estado.