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Nº 1728 - Ano 37
28.02.2011

opiniao

O IPTU e a prestação de serviços AMBIENTAIS

Humberto Coelho de Carvalho*

Pagar (conformadamente?) o IPTU é preciso. Viver (bem?) não é preciso.

E o nosso IPTU anti(eco)lógico? Sua cobrança, principalmente a partir de 2010, reforça suspeitas de que urgentes providências precisam ser implantadas para melhorar a qualidade de vida na selva de pedra belo-horizontina. As premissas balizadoras do IPTU/BH poderiam ser melhor compatibilizadas com outras defendidas por diferentes setores da sociedade, como a melhoria do clima e da saúde, a diminuição da ação de gases responsáveis pelo efeito estufa e a prevenção das indesejáveis inundações.

Um bairro em expansão, tal como um ecossistema frágil, merece cuidados especiais. Os poucos remanescentes vegetais ainda existentes, a drenagem das águas pluviais, a qualidade e a circulação do ar, o nível da temperatura, a fluidez das vias de transporte e a convivência social, entre outros, estão sendo negativa e substancialmente afetados pelas atuais políticas relacionadas a esse imposto. As evidências de ser a vegetação a responsável maior pela retirada da atmosfera de gases envolvidos no aquecimento global, na captura e liberação da água dos terrenos, na regulação do ciclo dos nutrientes e no suporte de numerosas formas de vida destoam do propósito do IPTU/BH, que é estimular edificações de imóveis residenciais e de serviços, maximizando a taxação de lotes com menor área construída.

A gerência dos recursos ainda restantes pressupõe uma nova ética baseada em melhor conhecimento de nós mesmos e do mundo que nos cerca. Durante milhões de anos, evoluímos coexistindo com muitas outras espécies, num mesmo milagre comum. Agora, com nossa superpopulação e desenvolvimento desordenados, estamos destruindo os habitats naturais e reduzindo a diversidade biológica.

O (e)leitor deveria cobrar dos recém-empossados representantes públicos posturas mais afirmativas. Mudanças bruscas, de ano para ano no IPTU (em benefício de quem?), surpreendem negativamente o contribuinte. O caso de dois lotes contíguos é exemplar. Lote A (com casa ajardinada) e Lote B (com pequeno barracão e arborização cuidada). Ambos nos mesmos quarteirão, rua e bairro e com a mesma área:

•Percentual de aumento 2010/2009: Lote A= 23%; Lote B= 1165%

•Percentual de aumento 2011/2010: Lote A= 24% e Lote B= 94%

Determinados tipos de concentração imobiliária costumam gerar, em curto e médio prazos, mais problemas do que soluções. Uma mistura mais equitativa de escritórios, serviços e áreas verdes deveria ser buscada. Em vez de punir os proprietários dos poucos lotes citadinos ainda existentes, preferível seria considerá-los prestadores de serviços ambientais (com captação de gás carbônico, produção de oxigênio, regulação de temperatura e águas pluviais, suporte de formas outras de vida).

A implementação das atuais normas do IPTU/BH amplifica a tendência de elevação de temperatura e de alagamento de córregos e rios, retificados e impermeabilizados por cobertura de asfalto e concreto em seus leitos e margens. Grandes prédios de apartamentos, além de maior consumo médio de energia e água, exigem vultosos investimentos públicos. Um subproduto dessa opção são a crescente desorganização do trânsito e a eclosão de outros males sociais, muitos dos quais potencializados pela desarborização.

Os custos do empilhamento de pessoas em altos edifícios costumam não justificar os benefícios fanfarronamente apregoados. As diretrizes do IPTU deveriam contemplar melhor os ingredientes urbanísticos e ambientais da questão, harmonizando-os mais satisfatoriamente com as políticas públicas, relacionadas a setores-chaves de habitação, transporte, saúde e educação.

Por que não um modelo de bairro sustentável, centrado na utilização de tecnologias limpas (energia solar e eólica), uso de bicicletas, coleta seletiva, composteiras para dejetos vegetais, armazenamento de água pluvial (para lavagem de calçadas, quadras ou irrigação de plantas etc.)? Por que não torná-lo um produtor de umidade refrescante, contendo viveiros de mudas para verdejar e florir ambientes domésticos? A criação e manutenção de áreas verdes nos diferentes bairros, absorvendo excessos de água nos tempos de chuva e elevando o teor de umidade nas épocas de seca, dificultaria nossa inclusão no rol de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, vítimas de planejamentos malfeitos ou mal implantados.

Governantes e governados: estamos considerando devidamente as catástrofes ambientais, em parte decorrentes de nossas políticas de ocupação do solo? Reconhecemos a prestação de serviços ambientais gratuitos proporcionados por algumas áreas verdes particulares, vistas como entraves à cancerígena expansão imobiliária que nos aflige? Desconfiamos que as taxas anuais de perda vegetal em bairros como Ouro Preto, Jardim Paquetá, Castelo e Santa Terezinha estão atingindo limites inaceitáveis? Temos ideia do percentual de proprietários de baixa e média rendas que negociaram seus lotes, migrando para áreas de risco, sujeitas a deslizamentos e inundações?

Protestos, mesmo discretos como este, são sinal de alerta. São como respostas imunológicas da comunidade. Discuti-las pode ter o mérito de chamar a atenção para problemas frequentemente ignorados. Com a palavra, o (e)leitor e o IPTU.

*Professor aposentado do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG

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