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Nº 1772 - Ano 38
23.4.2012

Entrevista

Conectados e “desbussolados”

João Kleber de Mattos

O que poderia ser um espaço original de expressão acaba se transformando em ambiente de reprodução de padrões estéticos em vigor. É o que pensa a professora Nádia Laguárdia, do Departamento de Psicologia da Fafich, sobre o uso que os jovens fazem das redes sociais. “O que vemos é uma lógica que não oferece muito espaço para a criatividade, mas que valoriza a veiculação de imagens e pensamentos padronizados”, analisa a professora nesta entrevista ao BOLETIM. Mestre e doutora em Educação pela UFMG, Nádia pesquisa os laços sociais que os adolescentes estabelecem via internet e as consequências dessas interações.

Como a senhora analisa a tensão entre os universos público e privado observada em blogs e sites de relacionamento?

A linha entre público e privado é muito tênue. Observo a presença muito forte da fotografia como elo entre as pessoas e me deparo com certa padronização das imagens dos adolescentes, que obedece a uma lógica de mercado. Todos querem estar na mídia, consumir muito, alcançar um determinado “corpo ideal”, sinônimos de sucesso e felicidade na nossa cultura. A internet favorece a exposição pública. As meninas parecem perseguir o sonho de se tornarem famosas. Elas se deixam flagrar em fotos muito produzidas, em poses de modelos, às vezes bastante sensuais, muito artificiais, dentro de um padrão muito semelhante. Nessa perspectiva, tal espaço público de expressão e comunicação, que poderia favorecer manifestações individuais e criativas, acaba seguindo uma lógica comum, com poucas variações, anulando as particularidades.

Essa exposição certamente interfere no modo como o adolescente lida com a sexualidade...

Acredito que haja uma erotização precoce, que não se resume apenas à exibição do corpo. O que era íntimo hoje é exposto em perfis de redes sociais. Antigamente não se levava uma pessoa desconhecida para o seu banheiro ou quarto. Hoje as meninas fotografam no banheiro, na cama, muitas vezes de roupa íntima. Esse tipo de ambiente, antes frequentado apenas por pessoas de quem se era muito íntimo, virou espaço público. Possivelmente, elas nem sabem o que estão fazendo, transmitem uma linguagem erótica que nem dominam muito bem.

Estudo de sua autoria mostra que o universo virtual se constitui em espaço da “escrita para outros adolescentes”. Como isso altera a vida “real” das novas gerações?

Fiz uma pesquisa com usuários de redes sociais, questionando-os sobre possíveis diferenças entre a relação virtual e o contato na vida real. A maioria deles respondeu que o contato na vida real é mais próximo, íntimo e verdadeiro. Por outro lado, assumem que passam mais tempo em relacionamentos virtuais do que presenciais. Argumentam que a internet facilita a ocultação de identidade, mas, ao mesmo tempo, admitem que são mais verdadeiros na internet, falam abertamente sobre sexo e sentimentos. Nesse sentido, a internet facilita uma “desresponsabilização” do sujeito pelo que diz. As pessoas se sentem no direito de dizer qualquer coisa na internet, “protegidas” pela tela do computador. Os jovens devem ser educados no sentido de se responsabilizarem pelas suas escolhas e pelo seu dizer. Nesse sentido, a cultura da ocultação propiciada pela internet pode afetar a vida fora desse ambiente.

A minha pesquisa no doutorado com blogs de adolescentes me mostrou diferentes tipos de escritas. Muitos blogs eram bastante semelhantes, com muitas imagens e poucas palavras. Mas encontrei também blogs interessantes, originais, com textos muito ricos. Alguns foram escritos durante muitos anos e por meio deles foi possível acompanhar seus autores em toda a fase da adolescência.

Como as dimensões de tempo e espaço no mundo virtual influenciam o compartilhamento de conteúdos pelos adolescentes?

A velocidade é muito importante no mundo contemporâneo. Acumulamos tarefas e informações e não podemos perder tempo. Tem a ver com a lógica capitalista, segundo a qual “tempo é dinheiro”. Alguns filósofos dizem que isso implica certa perda reflexiva. O indivíduo está sempre atrasado, cansado por não conseguir fazer tudo. Hoje, você chega em casa e vai logo abrindo sua caixa de emails. Sem dúvida, os adolescentes têm mais possibilidades de trocar conteúdos através da internet. Os adolescentes podem publicar textos, ser reconhecidos e valorizados por suas publicações, encontrar parceiros para compartilhar interesses comuns, formar bandas, criar músicas e projetos artísticos. Por outro lado, esse ambiente produz milhões de informações falsas, sem sentido, banalidades, verdadeiros monólogos coletivos, em que cada um se autoriza pelo que diz, sem qualquer critério de validade.

As pessoas estão perdidas...

O que se observa é que os grandes ideais, valores e significados sociais que um dia nortearam a vida das pessoas desapareceram. Alguns autores dizem que o homem hoje está “desbussolado”. As instituições tradicionais, como igrejas e escolas, perderam seu poder e sua capacidade de mediarem o saber e a informação. Todo mundo consegue a informação que quer no Google. Na atualidade, os jovens têm mais dificuldades em construir sua identidade em função da queda dos grandes ideais sociais e da multiplicidade de referências. Isso apresenta duas facetas: de um lado, sugere maior liberdade de opções; por outro, gera angústia, dificuldade em fazer escolhas. A internet tanto pode servir ao apagamento das diferenças individuais, padronizando discursos, imagens e significados, quanto pode servir às manifestações singulares e criativas, favorecendo a reflexão crítica e o laço social. Infelizmente, minha pesquisa nas redes sociais com adolescentes apontou para o predomínio da primeira situação.