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Nº 1785 - Ano 38
13.8.2012

opiniao

Políticas de RH e ponto eletrônico:
a UFMG na vanguarda do atraso

Arthur Schlunder Valle*

“É então, no campo da gestão de pessoas, que advêm as maiores fontes de conflitos, contradições e equívocos administrativos, dos quais as instituições federais de ensino são, a um só tempo, rés, cúmplices e vítimas. Rés, em função de que não dão lugar ao sujeito que tão essencialmente as compõe e que representa a parte vital de sua estrutura organizacional, paradoxalmente ouvindo a sua voz, mas expropriando o seu saber; cúmplice em função de sua íntima relação com a ciência que lá se produz, mas cujos saberes não se refletem em suas práticas administrativas que, na maioria das vezes, o negam; vítima, ao sofrer coletivamente das contradições entre os seus vários discursos e do sofrimento da anomia crônica de seus membros, aqueles mesmos que, enquanto missão, se propõem a formar, informar, atender e desenvolver amplamente.” (Fernando Antônio Hello, 2009).

O parágrafo acima, adaptado de tese de doutorado do autor, espelha bem a política de recursos humanos da UFMG para o segmento técnico e administrativo em educação. As nossas práticas de RH são ainda marcadas pelo cartorialismo, processualismo, improviso, negação dos servidores como sujeitos indispensáveis do processo de ensino, pesquisa, extensão e administração universitárias.

A “anomia crônica” traduzida pela mais absoluta ausência de normas, regras, parâmetros e, por conseguinte, de políticas de gestão de pessoas faz com que se percam de vista os aspectos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da administração pública. Assim, o tratamento pessoal, a opinião “do chefe”, os acordos não explicitados, o “cala a boca” dão margem a posturas clientelistas, tendenciosas, anacrônicas e lesivas ao interesse público. Nesse contexto, as demandas dos servidores são tratadas como estorvo, um “caso” a ser resolvido, um “problema a mais” para se dirimir, diante de tantos outros mais sérios.

As políticas de dimensionamento da força de trabalho, capacitação e qualificação, gestão e avaliação de desempenho, saúde e segurança e outras não são tratadas como prioridade institucional por várias razões, mas principalmente porque explicitariam conflitos, tensões, problemas, ingerências de várias ordens, que, por isso, deveriam ser mantidos numa zona nebulosa de falsas soluções para questões reais.

A implantação de uma política de dimensionamento desnudaria as contratações em caráter precário, a terceirização desmedida, a ausência de critérios de contratação e alocação de trabalhadores; a capacitação e qualificação agregariam massa crítica para o debate, o que não convém a este modelo; a gestão e avaliação de desempenho jogariam luz sobre as práticas autoritárias de gestão e a precariedade de infraestrutura; uma política clara e ampla de atenção e de prevenção da saúde mostraria uma categoria já adoecida ou em processo de adoecimento, por todas as razões indicadas anteriormente. Finalmente, porque implantar tais políticas seria reconhecer a nossa categoria como indispensável para a UFMG e, de quebra, fortaleceria uma carreira que não se quer e não se deseja. Assim, o objetivo da “política” passa a ser controle e fiscalização, para que tais coisas não se mostrem em sua realidade.

Essa é uma das razões – mas não a única – para que se fale agora em controle eletrônico de ponto, feita de forma artificial, arbitrária e coercitiva. No entanto, mais do que a forma, o que interessa é o conteúdo da proposta da administração central, que toma o secundário, desfocado e descontextualizado como principal, com a clara intenção de desviar o olhar da categoria de coisas mais urgentes e graves. As empresas e o próprio governo estão cada vez mais interessados no conteúdo do trabalho de seus funcionários, no que fazem, na qualidade do que produzem e, cada vez menos, na forma como o fazem. O foco, então, desloca-se para os resultados do processo de trabalho, às vezes até eliminando o controle sobre o próprio trabalhador, visto que ele cria óbices às vezes intransponíveis para o trabalho qualificado, consciente e orientado para resultados.

A argumentação em torno da “legalidade” do procedimento é também uma abdicação da autonomia universitária e funciona mais como espécie de “escudo” para não discutir. Uma medida tomada pelo governo FHC – que tanto retrocesso trouxe para as Universidades – é “ressuscitada” 16 anos depois como o grande instrumento de gestão de pessoas. Acatar o posicionamento de um “fórum” de diretores como suficiente para tal decisão é esvaziar os órgãos colegiados da UFMG, principalmente o Conselho Universitário. É também desconhecer os demais atores que compõem a Universidade. Há algum conceito ou entendimento de “comunidade universitária” no contexto dessa decisão?

A UFMG quer saber o que os servidores fazem, em quais condições o trabalho é feito, qual a qualidade da supervisão dos processos de trabalho em seu interior, quais ações de capacitação e qualificação são prioritárias, qual o corpo de servidores necessário para executar as suas atividades, enfim, quais políticas de recursos humanos implantar. O caminho é simples. Primeiro, buscar entender o plano de carreira dos servidores e implantar os seus programas. Segundo, tomar como “guia” as orientações da Conferência Nacional de Recursos Humanos. E terceiro: fazer tudo isso com os servidores e não para os servidores.

Desenvolver estratégias organizacionais de modernização de sua administração, de qualificação de suas gerências (responsáveis, em grande parte, por decisões equivocadas e extemporâneas), de desenvolvimento profissional, humano e cidadão, que conduzam ao reconhecimento institucional de que uma Universidade de ponta estará na dependência de todos que a compõem é tarefa inadiável da UFMG. Há competências institucionais entre os trabalhadores em educação da própria Universidade. Resta saber se há vontade política para tanto ou se, por outro lado, o que se pretende é perpetuar políticas alienantes e alienadas.

*Servidor técnico administrativo em educação e mestrando em Educação na Faculdade de Educação da UFMG