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Nº 1850 - Ano 40
03.02.2014

"A Universidade precisa acolher a diversidade"

Flávio de Almeida

Escolhidos pela comunidade acadêmica para comandar a UFMG nos próximos quatro anos, os futuros reitor, Jaime Arturo Ramírez, e vice-reitora, Sandra Goulart Almeida, fundamentarão suas ações em três princípios: o caráter público da UFMG, o respeito à gestão colegiada, democrática e ética e o respeito à diversidade. Eles elegeram uma agenda prioritária de temas que serão atacados logo no início da gestão: a reavaliação e revalorização do ensino de graduação e o fortalecimento da pós-graduação e pesquisa; a ampliação da política de assuntos estudantis; o aperfeiçoamento da gestão de recursos humanos; o uso dos campi e o respeito à autonomia universitária.

“A Universidade precisa acolher todos que demonstrem talento”, defende Jaime Arturo, nesta entrevista ao BOLETIM, numa alusão à possível mudança de perfil do alunado da UFMG com a adesão ao Sisu. Para Sandra Goulart, que se dedicará a temas como assistência estudantil, cultura e direitos humanos, a Universidade precisa construir uma norma social que lhe permita dar resposta institucional mais ágil a denúncias de trotes violentos, racismo, sexismo, homofobia e assédios moral e sexual.

Quais os desafios da nova gestão?

Jaime – Há alguns pontos que fazem parte de uma agenda prioritária. O primeiro diz respeito à própria natureza e ao papel de uma instituição de ensino superior como a UFMG, que tem de ser referência para o país em todas as suas dimensões de atuação. A graduação precisa ser reavaliada e revalorizada porque é a base tanto do futuro profissional, que vai se inserir na sociedade, quanto da própria UFMG. Essa dimensão cresceu muito nos últimos cinco anos e isso precisa ser bem analisado agora que se completa um ciclo de entrada de alunos em todos os cursos novos.

Por um lado, precisamos avaliar como a expansão se deu, o impacto que proporcionou na ponta da Instituição, incluindo a conclusão de todas as obras. Por outro, é urgente a necessidade de visitar os colegiados e discutir o projeto pedagógico de cada curso. A pós-graduação e a pesquisa, responsáveis pela formação de pessoal de alto nível associada à produção do conhecimento, também fazem parte da identidade da UFMG e precisam ser fortalecidas e ampliadas. É necessário reconhecer e apoiar os grupos e programas recém-formados para que se consolidem e, ao mesmo tempo, prover a infraestrutura física e de pessoal aos grupos e programas de excelência.

Como incorporar essa grande leva de professores que entraram na Universidade por causa da expansão?

Jaime – É outro desafio. A Universidade tem um conjunto considerável de docentes jovens que ingressaram nos últimos cinco anos – aproximadamente 800 – e precisam ser integralmente incorporados nas políticas da Instituição e contemplados nos editais que oferecemos para a comunidade interna.

E os técnicos e administrativos? Como inseri-los na gestão administrativa?

Jaime – Primeiramente, é preciso estabelecer um diálogo respeitoso de cooperação com os colegas técnicos administrativos em educação (TAEs). E é preciso ampliar as oportunidades de qualificação. Partimos do princípio de que a responsabilidade da gestão universitária cabe tanto a docentes quanto a técnicos administrativos e é urgente incorporar cada vez mais profissionais deste último segmento nessa tarefa. Por outro lado, não temos definidos os perfis para o exercício dos cargos administrativos. Isso precisa ser discutido com a comunidade de forma a se criar um entendimento de que o docente precisa estar mais voltado para a atividade para a qual foi contratado – ensino (graduação e pós), pesquisa, extensão e, ocasionalmente, uma atividade administrativa.

Como sua gestão pretende trabalhar com a questão estudantil?

Jaime – É outro desafio que enfrentaremos prioritariamente já no início da nova gestão. A nossa política de assuntos estudantis deve ir além da questão da assistência. A UFMG precisa acompanhar, de forma muito criteriosa, o perfil do aluno que está ingressando a partir do Sisu e com o gradativo incremento da Lei de Cotas. A Universidade deve acolher todos os talentos, esforço que envolverá a Pró-reitoria de Graduação e uma nova pró-reitoria, cuja criação já vem sendo estudada, a de Assuntos Estudantis. Trata-se de um projeto arrojado para acolhermos, no sentido amplo, toda a diversidade de alunos que recebemos.

Vislumbra-se uma mudança no perfil do alunado da UFMG no que tange, por exemplo, à origem dos estudantes, o que poderá, em alguma medida, tornar a Universidade mais nacional e menos mineira. Como lidar com esse novo cenário?

Jaime – Sempre vimos o Sisu com bons olhos. A forma como a Universidade fazia a sua seleção anteriormente era restritiva do ponto de vista socioeconômico. Nem todas as pessoas, mesmo com a isenção da taxa de inscrição, tinham condições de fazer as provas em Minas. Somos a Universidade Federal de Minas Gerais, habitamos Belo Horizonte e Montes Claros. É muito salutar receber uma pessoa talentosa de outro lugar do Brasil que queira estudar na UFMG. Quanto ao perfil do alunado, é uma questão que precisa ser separada em duas: do ponto de vista acadêmico, os níveis de corte do Enem de 2013 indicam que vamos receber bons alunos em todas as áreas e cursos, mas temos que observar essa questão com cautela e critério. Por outro lado, isso não quer dizer que o perfil acadêmico seja acompanhado pelo perfil socioeconômico. A Universidade precisa oferecer condições ao aluno para que aqui permaneça e desenvolva todo o potencial que mostrou ao passar no Enem.

A Universidade já executa, por meio da Fump, uma política de assistência efetiva. O que mais precisa ser feito? Sandra – Essa política precisa ser ampliada. Primeiro, porque há outras formas de inclusão que até recentemente não eram vistas como prioritárias. A internacionalização é um exemplo. Não faz muito tempo poucos recursos eram destinados para que alunos de baixa renda participassem de programas de internacionalização. O mesmo raciocínio se aplica ao aprendizado de outra língua, que vale não só para o intercâmbio como para um futuro mestrado.

De onde virão os recursos para essa expansão?

Jaime – Os recursos que a UFMG destina à assistência são recebidos exclusivamente do governo federal. No ano passado foram R$ 25 milhões, e esperamos R$ 36 milhões em 2014. A questão dos recursos nos preocupa no seguinte ponto: quando se discutiu a mudança do perfil por causa do Sisu e do Enem, o governo sinalizou com a concessão de bolsa de manutenção para os alunos que permanecessem na universidade. Posteriormente, isso passou a contemplar apenas alunos com dedicação similar ao curso de Medicina. Tudo indica que teremos uma demanda cada vez maior por bolsas de manutenção. Resta-nos uma alternativa: mostrar ao governo federal que precisaremos de uma ampliação de recursos para fazer frente a esse cenário.

A Universidade tem se deparado com questões que preocupam a comunidade, relacionadas a trotes violentos, assédios moral e sexual. Como lidar com essa questão?

Jaime – Em nossa visão, a Universidade precisa acolher todos que demonstrem talento e que tenham passado no exame de entrada, independentemente de origem, condição socioeconômica, cor, opção religiosa ou de quem o coração desta pessoa escolheu para amar. A Universidade também tem que estar à frente da sociedade em questões ligadas à convivência. Aqui sempre houve trotes, mas não podemos aceitar o inaceitável e tolerar o intolerável.

Sandra – É preciso garantir que grupos minoritários se sintam representados. Temos vários desses grupos aqui na UFMG, inclusive indígenas, e alguns deles têm se articulado nesse sentido. Com relação aos direitos humanos, a UFMG, na comparação com outras universidades do Brasil, está um pouco defasada. Até hoje não temos uma resolução de norma social, uma regra ou conduta específica que nos permita dar resposta institucional mais ágil a esse tipo de denúncia.

E como pretendem construir tal resolução? Por meio de reuniões ou de um grande seminário com esses grupos?

Sandra - Sim, o caminho é esse. Já existe um grupo conversando sobre a possibilidade de se fazer uma resolução nos moldes da que existe em outras universidades brasileiras, como a Uerj, que assumiu posição institucional de combate ao racismo, ao sexismo e aos abusos moral e sexual. É necessário conversar com esses grupos que apresentam demandas específicas e produzir uma resolução que garanta à UFMG uma legislação específica para punir casos de abuso ou coibir esse tipo de comportamento inaceitável.

Como veem o fenômeno do produtivismo, que gera encargos excessivos ao professor-pesquisador, dificultando, por exemplo, que se dedique a dimensões importantes da academia como a graduação?

Jaime – A Universidade precisa buscar o equilíbrio entre as dimensões afeitas à carreira docente. Não há problema que um docente queira se dedicar um pouco mais a uma delas. A questão é saber como a Universidade vai valorizar a atividade que ele desenvolve. Na minha opinião, precisamos valorizar mais as atividades voltadas para a graduação e para a extensão.

Mas essa diferença de status entre graduação, extensão, pesquisa e pós-graduação não é algo que transcende a universidade, ou seja, é ditada por um sistema que a obriga a dançar conforme a música?

Jaime – De certa forma, há, sim, uma pressão externa feita por algumas agências – algumas que avaliam e outras que financiam. Mas a Universidade tem autonomia para encontrar um equilíbrio. Outro problema é o pouco estímulo dado aos docentes envolvidos em tarefas administrativas. Atividades como as de coordenador de curso e chefe de departamento também merecem ser rediscutidas e revalorizadas. Não apenas do ponto de vista do reconhecimento financeiro, mas, sobretudo, em relação ao papel que representam na Instituição. Isso precisa ser levado em conta em resoluções específicas que redundarão em progressão na carreira docente.

Nos últimos anos houve grandes avanços no processo de internacionalização da UFMG por conta de esforços internos e da própria conjuntura. Como a nova gestão pretende dar continuidade e aprofundar esse processo?

Sandra – Quando falamos em internacionalização, pensamos num processo recíproco. Ainda mandamos mais alunos para o exterior do que recebemos. O número de alunos que vem para cá tem aumentado nos últimos anos, mas enfrentamos alguns problemas. Um deles é a língua – são poucos os países onde se fala português. Precisamos melhorar a acolhida ao estudante que chega à UFMG, seja por meio de cursos de português para estrangeiros ou de oferta de disciplinas em inglês. Precisamos desenvolver uma estrutura para receber melhor o aluno estrangeiro, que chega a uma cidade grande como Belo Horizonte e não tem onde morar. Outra necessidade é ampliar a diversidade de parcerias com outras partes do mundo. Temos uma larga tradição de cooperação com Europa, Estados Unidos e Canadá e começamos há algum tempo com a África. Avançamos bastante com a América Latina. Fizemos recentemente um movimento de aproximação com China e Índia. Precisamos desenvolver uma internacionalização que combine reciprocidade e solidariedade não necessariamente com países do chamado Primeiro Mundo.

O senhor já definiu a sua equipe de trabalho? Qual o seu perfil?

Jaime – Ainda estamos em processo de definição, consultando várias pessoas da comunidade universitária. Nossa intenção é montar um grupo de trabalho que contemple a Universidade em sua diversidade de áreas. E o perfil, para nós, está bem claro: vamos reunir pessoas com conhecimento em suas áreas específicas, que demonstrem disposição para se dedicar integralmente à gestão e que tenham lealdade institucional. Também pretendemos incorporar o maior número possível de técnicos e administrativos à equipe.

Há algum aspecto que gostariam que ficasse registrado, ao final do mandato, como uma marca da gestão?

Jaime – Além de reavaliar e valorizar a graduação, de ampliar o apoio à pós-graduação e pesquisa, de aperfeiçoar a gestão de recursos humanos e de alargar a política de assuntos estudantis, pretendemos enfrentar dois desafios cruciais. Um diz respeito aos campi. Com a futura chegada da Faculdade de Direito e da Escola de Arquitetura, estará concretizado no campus Pampulha o ideal universitário, lançado em 1949, quando a UFMG se federalizou. Esse ambiente público, na nossa compreensão, precisa receber uma atenção prioritária não apenas no que diz respeito à sua ocupação, mas, sobretudo, em relação ao seu uso como espaço de convivência, como espaço político de decisões, do compromisso com as gerações futuras. E o último desafio aponta para a necessidade de manter a capacidade de interlocução com a sociedade, preservando nossa autonomia e altivez em relação à missão como instituição de ensino superior. Eu e Sandra queremos manter uma relação franca, cordial e sincera com toda a comunidade. Sempre cultivamos esse princípio por onde passamos, nos cargos que ocupamos. A UFMG é uma instituição acadêmica; nossa intenção é deixá-la daqui a quatro anos em um patamar melhor do que se encontra hoje.

Sandra – Em resumo, uma universidade de excelência, mais inclusiva, diversa, solidária. Jaime – E ciente do espaço em que vivemos, do momento histórico que atravessamos no país em que habitamos. Esse é o nosso norte.