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Nº 1881 - Ano 41
20.10.2014

opiniao

(Des)considerações genético-evolutivas

Humberto Coelho de Carvalho*

No momento, alguns otimistas querem nos fazer crer que estamos nos conduzindo para uma vida melhor. Uma fração equivalente de ­pessimistas nos veem, ao contrário, caminhando (ou correndo?) para um garantido caos. É preocupante a compulsão de muitos, cujos ancestrais há pouco corriam seminus por savanas tropicais. Foi uma decisão discutível confinarmo-nos em grandiosos caixotes de cimento e optarmos, ao nos dirigirmos de um lugar para outro, por artefatos de variados tamanhos (automóveis, ônibus, trens, barcos, navios, aviões), aos quais imprimimos velocidades que superam as de um burrico, de um dourado do São Francisco ou de uma jandaia da Serra do Cipó.

Outro condenável viés desses avanços tecnológicos é nossa maneira de resolver conflitos – em vez de esgrimirmos pequenos pedaços de madeira ou arremeçarmos seixos de reduzido peso, evoluímos para catapultar e canhoneirear objetos de maior impacto destrutivo. Recentemente, com a conivência de universidades, demos passos mais ousados. Desenvolvemos e lançamos, sem maiores escrúpulos, artefatos de tamanho um pouco maior que uma mexerica, mas capazes de desencarnar, num átimo, mais de 100 mil almas desprotegidas. O preço desse “avanço” tecnológico ainda está por ser calculado.

Tapemos olhos e ouvidos. Aqui, próximos da UFMG, assistimos (indiferentes?) à derrubada dos últimos remanescentes de, outrora, verdosos quarteirões – são ipês em floração, jaqueiras e mangueiras em fase de frutificação, além de outros espécimes da flora e fauna. Assim, la nave va... Logo mais, emergirão novos espigões com suas conhecidas parcerias. Desnecessário citá-las. Será uma reprise do que aconteceu e está acontecendo no Buritis, na Savassi, na Avenida Pedro I e em tantos outros cânceres da ex-bela e sem horizontes BH.

Em matéria publicada neste BOLETIM (edição 1874, de 1/09/2014), o professor Altamiro Bessa questiona algumas das estratégias utilizadas pelo duo Poder Público & Mercado Imobiliário na obtenção de discutíveis vantagens para uma minoria, já privilegiada em outras instâncias. A hora seria de avaliar o que se fez e o que se está fazendo para podermos, pelo menos, cultivar a satisfação do dever cumprido. Parte do nosso desasossego, diante dos centrões, talvez se explique por termos vivido, por muito tempo, em pequenos grupos, quando teríamos desenvolvido instintos apropriados para um mundo com pouca gente.

Em relação ao ensino e à aprendizagem, tanto nas disciplinas oferecidas pelas escolas de segundo grau quanto nas dos chamados ciclos básicos universitários, seria recomendável considerar-se os estudantes como pessoas com outras necessidades, além das de simples receptores de informações. Optar apenas por mais recursos materiais não é suficiente. Tão ou mais relevante seria a reformulação de objetivos e finalidades – não são gens da ignorância que fazem ignorantes. Frequentemente, é a ignorância de contingências de aprendizagens adequadas a responsável-mor pelos baixos níveis alcançados.

Seriam as opiniões sociopolíticas dos professores influenciadas pela maneira como eles veem o binômio herança x meio? Hereditaristas tenderiam a assumir atitudes mais conservadoras, e ambientalistas, outras mais liberais? A educabilidade, à semelhança da pigmentação da pele, estatura e saúde, resulta também da interação do genótipo dos educandos com fatores ambientais. Que fração da variação total da aprendizagem na escola seria devida à diversidade dos genótipos e/ou à dos ambientes? Há de se relativizar declarações de empertigados especialistas, incapazes de trazer à planície da sala de aula os segredos partilhados apenas por eles e o alto clero da ciência?

Professores, alunos e pessoal técnico-administrativo precisamos aprender a gerenciar melhor a aquisição de informações, reservando mais tempo para outras iniciativas como a realização de experimentos, discussões em grupos e participação em outras atividades: concertos, conferências, exposições, lançamento de textos, peças e filmes especiais, entre outros. Em suma, exercitar um estilo ecocêntrico e cosmológico que privilegie a síntese, a cooperação e a cumplicidade entre homens e coisas, o intuitivo, o imaginário, o poético... Que tal, se incluída aí a burocracia estatal, assumíssemos mais competentemente, nos mais diversos níveis, nossas responsabilidades cidadãs? Quem sabe reativar aquele programa de desburocratização dos anos 80 e 90 do século passado?

Os tempos são de eleições. Votemos, mesmo que nossa escollha não tenha o impacto que devesse ter. O autointeresse genético, subjacente ao conflito e à cooperação, poderia criar situações favorecedoras de uma melhor conviviabilidade? A política de quanto maior, melhor, em relação à comida e ao espaço, funcionaria razoavelmente bem no ambiente natural primitivo. Agora, porém, está criando problemas de difícil enfrentamento. Geneticamente, ainda somos seres das cavernas, apesar de vivermos cercados de tecnologias. Poderíamos, como propõe o professor João Antonio de Paula, transformar oportunidades como as atuais em momentos de reflexão, balanço e revisão crítica?

Aos comentários aqui feitos, essencialmente mais ligados às áreas dos desabafos, das provocações ou do ridendo castigat mores do que à da precisão científica, caberia a advertência: opiniões acerca da experiência humana, seja da área biológica ou da história, mesmo sujeitas a críticas metodológicas, poderiam ter efeito catalítico na abordagem de problemas sociais.

*Professor aposentado do ICB/UFMG