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Nº 1925 - Ano 42
28.12.2015

Resoluções

Voz, vozes

Editora UFMG lança 'caderno' em que Maria Bethânia organiza os fragmentos literários com os quais canta o Brasil

Ewerton Martins Ribeiro

Desde que despontou para a cultura nacional no show-manifesto Opinião (1965), Maria Bethânia vem fazendo evoluir uma ideia de espetáculo que integre as duas classes de linguagem poética mais praticadas no país, a escrita e a cantada. Agora, 50 anos depois, a Editora UFMG lança Caderno de poesias, conjunto de livro e DVD que põe em corpo físico – e celebra – esse projeto estético da artista.

No volume, Bethânia organiza os fragmentos da literatura brasileira – prosa e poesia, além de letras de canções – que têm sido recorrentes em suas apresentações nesses tantos anos de carreira. A ideia de produzi-lo surgiu em 2009, quando a intérprete se apresentou no auditório da Reitoria como parte da programação do ciclo de conferências Sentimentos do mundo. Naquele 17 de março, Bethânia leu trechos de António Vieira, Caetano Veloso, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, em um espetáculo concebido especialmente para a ocasião. Cantou, também, mas sem o uso de instrumentos. "Às vezes eu faço shows só cantando. Às vezes eu leio. Dá para separar a literatura da música, mas eu gosto é de ser intérprete, de misturar", disse no dia.

Esse gosto levou a escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol a definir Bethânia como uma "cantora de leitura", que pronuncia textos em uma espécie de "murmúrio encantatório". No ensaio com que apresenta a obra, a professora Heloísa Starling diz algo relacionado. "Sob a forma do fragmento, seu texto tem a particularidade de deslocar a poesia do livro e a poesia cantada de seus enunciados originais, de modo a reordenar esses enunciados em novas relações e integrá-los em um novo texto, inteiriço, dotado de significação própria e reinventado em seu entendimento inicial das coisas." Starling e Bethânia idealizaram o projeto do livro em conjunto com o designer Gringo Cardia – que assina o projeto gráfico do volume impresso e a direção do vídeo que o acompanha – e com o diretor da Editora UFMG, Wander Melo Miranda.

Para as escolas

O livro foi lançado na última semana, no Rio de Janeiro. A previsão é que ele seja lançado em Belo Horizonte após a abertura do ano letivo de 2016. Nessa primeira noite de autógrafos, Bethânia fez questão de explicar à vice-reitora da UFMG, Sandra Goulart Almeida, o motivo de ter escolhido uma editora universitária para publicar a obra. Sua intenção, disse, é que o livro seja levado às escolas públicas, uma vez que foi no banco de uma delas que a artista descobriu a poesia, apaixonou-se por ela e começou a praticá-la.

De fato, na época da sua apresentação na UFMG, em 2009, Bethânia já falava sobre a importância de se levar a arte para as "casas de ensino". Com efeito, Sandra Almeida chama atenção para o entendimento da atual gestão da UFMG, que trata a cultura e a arte como motes da produção de conhecimento – e não apenas isso: "além de produzir conhecimento, também é papel da universidade divulgar produção de relevância para a sociedade. Nesse caso, estimular que as pessoas desenvolvam o gosto pela literatura", afirma.

Para além da arte, em si, o Caderno de poesias de Bethânia – que é ilustrado com obras de renomados artistas plásticos brasileiros – parece exercer uma função política: por meio das citações que colige, acaba por expor os dilemas, os limites e as potencialidades da formação social brasileira, sugerindo para o país uma possibilidade de compreensão de si mesmo que passa pelo diálogo específico entre essas duas artes, a música e a literatura. "Vivemos como se não coubesse mais o silêncio, as delicadezas. Mas ainda cabem e isso me comove", escreve a filha de Dona Canô.

Com esse jeito próprio de ver e pensar o Brasil, Bethânia fala ao leitor "principalmente sobre aquilo que, de alguma maneira, nós brasileiros colaboramos ou conspiramos para manter escondido no interior de nossa sociedade", diz Heloísa Starling. Mas "trata-se de um Brasil que, surpreendentemente, não está disposto a sucumbir", pondera. De fato, para a intérprete, a tradição parece ser mais que um passado: ela é um começo – seja para a sua arte, seja para o recado que dela se depreende.

Livro: Caderno de poesias
Organizadora: Maria Bethânia
Editora UFMG
Preço de capa: R$ 69 / 276 páginas