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Nº 1942 - Ano 42
30.05.2016

opiniao

Escolas médicas

Edward Tonelli*

A primeira escola médica do mundo foi criada em Bagdá, Iraque, em 765. O ensino superior no Brasil teve início com a chegada da Família Real, quando D. João VI autorizou a fundação das duas primeiras escolas de medicina: a primeira, em Salvador, em 18 de fevereiro de 1808, e a segunda, no Rio de Janeiro, em 5 de novembro do mesmo ano. O ensino superior no Brasil, portanto, só teve início 257 anos após o surgimento da primeira universidade na América Espanhola, a de São Marcos, no Peru, fundada em 1551.

Atualmente, o Brasil é o segundo país no mundo em número de escolas médicas (Índia, com 381, Brasil, com 268, China, com 150, e Estados Unidos, com 141). Entre os 268 cursos médicos existentes no Brasil, 44,77% são mantidos por instituições públicas, e 55,23%, por escolas privadas. Os estados com maior número de escolas médicas são São Paulo (46), Minas Gerais, (39), Rio de Janeiro (19), Bahia (17), Rio Grande do Sul e Paraná (16).

Nos últimos anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e outras entidades médicas vêm questionando o Ministério da Educação sobre a autorização indiscriminada – até certo ponto irresponsável – para o funcionamento de cursos médicos pelo país. Até a década de 1950, havia 27 escolas médicas, em sua maioria, federais. Na década de 90, já eram 105. No período de janeiro de 2000 a fevereiro de 2016, ou seja, nos últimos 15 anos, foram abertas 163 escolas de medicina, sobretudo privadas, muitas delas sem as mínimas condições estipuladas pelo MEC.

Contudo, continua a autorização de novos cursos privados – no âmbito do Programa Mais Médicos – sem as mínimas condições de funcionamento. Estão sendo instituídos 36 novos cursos, em vários estados, e outros 22 cursos em cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com população superior a 50 mil habitantes e com relação médico/1.000 habitantes inferior a 2,7. O CFM já alertou a Justiça Federal sobre a abertura desses cursos privados. Ocorre que o governo federal já anunciou, em abril do ano passado, que pretende criar, até dezembro de 2017, 11.447 vagas para medicina.

A qualidade de muitos cursos é sofrível. A última avaliação trienal dos cursos médicos feita pelo MEC, em 2013, contemplou 154 formações – 27 (17,5%) foram reprovadas e estão sob intervenção. Novas diretrizes curriculares para cursos médicos já estão em vigor. Eles serão examinados pela Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem-Inep), no segundo, quarto e sexto anos (Portaria 168, MEC, 01/04/16). A primeira avaliação, em agosto deste ano, será direcionada a alunos do segundo ano, que entraram na universidade em 2015. As avaliações do segundo e quarto anos terão caráter formativo, indicando pontos fortes e deficiências. No sexto ano do curso, a prova seguirá os moldes do Revalida – Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos no exterior –, e os estudantes deverão atingir uma nota mínima para que possam se formar. Os resultados da avaliação serão utilizados por cursos e instituições de ensino superior, para subsidiar processos de seleção de residência médica, e por organismos públicos, para fins de avaliação da formação médica.

Segundo Mario Scheffer, coordenador da pesquisa Demografia médica (publicada em novembro de 2015 pela Faculdade de Medicina da USP e pelos conselhos Federal de Medicina e de Medicina do Estado de São Paulo), trabalham no Brasil 432.870 médicos, taxa de 2,1 médicos por 1.000 habitantes, bem próxima da dos Estados Unidos (2,5), da do Canadá (2,4) e acima da verificada no Chile (1,6) e na China (1,5). Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais têm taxa médico/1.000 habitantes superior à média nacional.

Em decorrência da acentuada diversidade socioeconômica brasileira e da falta de uma política adequada, prevalece a má distribuição de médicos nas regiões do país: Norte (1,09), Nordeste (1,30), Centro-Oeste (2,20), Sudeste (2,75) e Sul (2,18). Em algumas capitais, como Vitória, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, as taxas médico/1.000 habitantes são elevadas.

O MEC pretende atingir a relação 2,6/1.000 rapidamente, mediante a abertura de novos cursos. Contudo, o CFM, com base no excelente estudo Demografia médica, este de 2012, já projetava, para 2028, a relação 2,5/1.000, com base nas escolas médicas existentes em 2010. Portanto, era uma questão de tempo encontrar a solução para o problema.

Anualmente, cerca de 16 mil médicos são diplomados no Brasil. Nos próximos cinco anos, com as atuais 268 escolas, serão graduados 24.400. Se o governo continuar abrindo novos cursos para assegurar as anunciadas vagas até 2017, é possível que o número de médicos diplomados, anualmente, possa alcançar, em meados de 2025, a marca de 32 mil (CFM-nov/15).

O governo, apesar de estudos mostrarem o contrário, admite que o crescimento de diplomados é um fator favorável à fixação desses profissionais no interior e vem resistindo à instituição da carreira de estado para médico, no SUS, que poderia amenizar esse grave problema. É bem provável, contudo, que ocorra, em futuro próximo, fechamento de muitas escolas médicas, em decorrência do mau planejamento oficial. No momento, faltam docentes, inclusive, para alguns novos cursos nas universidades federais.

*Professor emérito e titular de Pediatria da UFMG. Ex-presidente e membro emérito da Academia Brasileira de Pediatria. Membro emérito da Academia Mineira de Medicina.