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Nº 1942 - Ano 42
30.05.2016

Para evitar a eutanásia

Vacina pode impedir que cães infectados transmitam leishmaniose visceral e sejam sacrificados

Ana Rita Araújo

A eutanásia de cães infectados ainda é um dos procedimentos que compõem a estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para evitar a transmissão da leishmaniose visceral canina. Vacina em desenvolvimento no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) pode preservar a vida desses animais, uma vez que os torna incapazes de transmitir o protozoário causador da doença. Coordenada por Rodolfo Cordeiro Giunchetti, médico veterinário e professor do Departamento de Morfologia, a pesquisa já tem patente depositada.

O estudo, pioneiro no mundo, utiliza proteína do próprio inseto flebótomo que transmite o protozoário, para interferir no seu ciclo biológico. Desenvolvida em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz/MG), a formulação busca causar desequilíbrio no inseto, induzindo à diminuição do número de ovos e bloqueando a infecção em seu organismo, de modo a evitar que ele leve a outros hospedeiros o parasito Leishmania chagasi.

A intenção é que, ao se alimentar do sangue de um cão que esteja imunizado por essa vacina, o flebótomo ingira – além do próprio sangue e do parasito – anticorpos contra suas próprias proteínas. "Assim, mesmo doente, o cão com leishmaniose visceral não teria importância na transmissão desse protozoário e poderia ser submetido ao tratamento, sem causar impacto para a saúde pública", prevê o pesquisador.

Prova de conceito

Por ser uma abordagem inédita, a pesquisa precisou passar pela chamada prova de conceito, constituída, nesse caso, de testes que confirmem a hipótese de que as proteínas do inseto podem bloquear a infecção pelo protozoário causador da leishmaniose visceral. A primeira etapa foi realizada em camundongos. "Tivemos a grata surpresa de perceber que os insetos alimentados no grupo de camundongos imunizados põem número de ovos significativamente menor do que quando se alimentam no grupo controle, que recebeu placebo", conta o professor.

Em etapa posterior, a equipe do professor Giunchetti realizou testes com cães. "Estamos terminando a prova de conceito", informa. Os experimentos em andamento revelaram indícios de que a infecção não se estabelece no trato digestório do inseto que se alimenta com o sangue de um animal imunizado. "Isso mimetiza o estado do animal doente que foi vacinado. Ele produz anticorpos que atacam o funcionamento dos mecanismos biológicos do inseto e inibem etapas de seu desenvolvimento e a infecção pelo protozoário no próprio inseto vetor", explica o professor. Segundo ele, após a ingestão do sangue, o parasito não se desenvolveria no inseto, sendo eliminado. "Assim, esse inseto não se torna infectante. Já temos evidências de que isso vai funcionar", enfatiza.

A ideia é utilizar a vacina, inicialmente, em animais que já estejam infectados. Mas Giunchetti também prevê sua aplicação associada com vacinas que venham a ser lançadas comercialmente e que não induzam proteção estéril, isto é, que não sejam capazes de impedir completamente a infecção de cães. "Há consenso entre os pesquisadores de que a ciência talvez precise de décadas para avançar e ser capaz de desenvolver uma vacina totalmente eficaz contra protozoários – no caso da Leishmania chagasi, que induza resposta imune no cão, para que ele não seja infectado", pondera.

Tratamento

Atualmente, não há tratamento reconhecido no país para cães infectados por Leishmania chagasi. "O Ministério da Saúde já manifestou que, caso venha a surgir tratamento para a doença em animais, não pode ser com os fármacos de uso humano. Com o uso desses fármacos, o cão, ainda que aparente melhora, fica assintomático, e mantém o parasito com uma grande chance de transmissão, ao ser picado pelo flebótomo", explica o pesquisador. Segundo ele, a droga usada para tratar as leishmanioses no ser humano são os antimoniais pentavalentes – no Brasil é comercializada com o nome de Glucantime®. No entanto, o cão excreta mais de 90% desse fármaco na primeira hora de administração, o que impede que ele atue de forma eficiente no organismo do animal.

De acordo com o pesquisador, diferentemente da forma como se manifesta nos cães, no ser humano o parasito normalmente não fica na pele, mas em órgãos viscerais, como medula óssea, baço e fígado. "A espécie que causa a leishmaniose visceral aqui no Brasil – a Leishmania chagasi ou Leishmania infantum, consideradas a mesma espécie – tem essa característica e é transmitida no chamado ciclo zoonótico. O homem é um simples hospedeiro acidental, que acaba se infectando. Desse modo, quem mantém o ciclo no ambiente urbano é o cão, e, exatamente por isso, uma das ações de controle é a eutanásia", explica o professor.

Pesquisa: Desenvolvimento tecnológico aplicado ao estudo de uma nova vacina capaz de bloquear a transmissão da leishmaniose visceral canina
Equipe: Rodolfo Cordeiro Giunchetti, Walderez Ornelas Dutra, Daniella Castanheira Bartholomeu, Ricardo Toshio Fujiwara, Nelder de Figueiredo Gontijo, Ludmila Zanandreis de Mendonça, Patrícia Silveira, Jaqueline Costa Leite, todos da UFMG, em parceria com Rodrigo Correa Oliveira, Olindo Assis Martins Filho e Denise da Silveira Lemos, da Fiocruz/MG, Alexandre Barbosa Reis e William de Castro Borges, da Ufop
Financiamento: Capes, PNPD do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular (ICB) e PPSUS, iniciativa do Ministério da Saúde, CNPq e Fapemig