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Nº 1966 - Ano 43
20.02.2017
Itamar Rigueira Jr.
Acervo da pesquisa |
Marina Horta Freire em sessão: correlações da evolução musical com avanços em diversos outros aspectos |
Cadu, quatro anos, autista, passou por 15 sessões de musicoterapia. No início, apenas balbuciava e fazia movimentos estereotipados com as mãos, não interagia e demonstrava pouca intenção de se comunicar. Ao fim do processo, já era possível notar o desenvolvimento musical do menino. O vínculo terapêutico ganhara força, e havia interações de melhor qualidade e mais desejo de comunicação por parte dele.
Música e autismo: um relato de caso em Musicoterapia Improvisacional Músico-centrada, um dos trabalhos premiados do congresso on-line de música Nas Nuvens..., conta a história desse atendimento. Assinado pelas professoras da Escola de Música Betânia Parizzi e Marina Horta Freire – orientada por Betânia no doutorado em Educação Musical –, o trabalho, apresentado em texto e vídeo no portal do evento, integra a pesquisa de Marina acerca das relações entre música e autismo.
Durante o mestrado em Neurociências na UFMG, cuja dissertação foi defendida em 2014, Marina mediu o desenvolvimento de 45 crianças autistas (19 delas no grupo-controle) fora das sessões de musicoterapia. Ela utilizou escalas de avaliação respondidas pelas mães dos pacientes, todos vinculados ao Serviço de Psiquiatria Infantil do Hospital das Clínicas da UFMG. O coordenador do Serviço, professor Artur Kummer, da Faculdade de Medicina, orientou Marina em sua pesquisa de mestrado.
"Os resultados são impressionantes, foi fácil constatar que as crianças melhoraram, por meio de simples observação e dos dados estatísticos. Mas por que a musicoterapia propicia desenvolvimento tão significativo?", pergunta Marina Freire, revelando a questão que move a pesquisa atual. Ela analisa os vídeos que contêm os principais momentos dos processos terapêuticos. "Não há, no Brasil, estudos sobre esse tipo de resultados, considerando o objetivo de estabelecer a correlação do desenvolvimento musical dos pacientes com o avanço terapêutico."
A Musicoterapia Improvisacional Músico-centrada, uma das abordagens da terapia baseada na música, tem apoio teórico na própria musicoterapia, e não em áreas como psicologia ou medicina, conforme ocorre com as abordagens mais conhecidas. O processo é centrado na música do próprio paciente, ou seja, a motivação e a mudança terapêutica partem dele próprio, conta Marina Horta Freire.
"Diferentemente da improvisação artística, que tem objetivo estético e leva em conta aspectos como tonalidades, escalas e andamento, a improvisação musical terapêutica tem elementos sonoro-musicais determinados pelo contexto e utiliza os conhecimentos técnicos para acolher e sustentar o paciente no fazer musical", explica a pesquisadora.
Ao longo das sessões, o terapeuta estimula a transformação dos materiais sonoros e pré-musicais que surgem do paciente durante a improvisação – os chamados fragmentos de tema clínico – em contextos musicais organizados junto com o paciente – os temas clínicos. "O objetivo é sempre facilitar a expressão e a interação por meio dos processos criativos do fazer musical conjunto", diz Marina. "Isso é do que os autistas mais precisam."
O Transtorno do Espectro do Autismo, distúrbio do neurodesenvolvimento que se desenvolve desde a primeira infância e é mais comum em meninos, afeta principalmente a comunicação e a interação social. Autistas precisam de acompanhamento interdisciplinar constante, para regular percepção e estimular o desenvolvimento cognitivo, entre outros benefícios.
Nas sessões de avaliação, Cadu [apelido fictício] mostrava-se apático e passivo diante dos instrumentos musicais e das tentativas de interação da musicoterapeuta. Nas primeiras sessões – o processo durou quatro meses, com encontros de meia hora semanais e individuais –, houve pouca exploração sonora e pouca atenção compartilhada. Na quarta sessão, o paciente começou a se engajar, marcando o pulso da música com suas batidas fortes e compulsivas no tambor.
Com base nesse fragmento de tema clínico e no engajamento de Cadu, musicoterapeuta e paciente passaram, juntos, a construir o tema clínico. Nas últimas sessões, Cadu já acompanhava atividades guiadas dentro de tempos e frases musicais e chegou a sugerir uma variação rítmica para a canção construída.
"O desenvolvimento musical foi, aos poucos, propiciando o desenvolvimento integral da criança. Melhoraram a fala e as interações, e aumentaram suas intenções de comunicação", relata Marina Freire, que dá sequência à análise dos vídeos e dos relatos das famílias para estabelecer as correlações com a evolução em aspectos como fala e linguagem, sociabilidade, percepções, motricidade, atenção e memória.
Marina e Betânia Parizzi também trabalham para identificar interfaces da musicoterapia com a educação musical especial – ambas as modalidades têm fundamentações teóricas diferentes, mas lançam mão de práticas semelhantes de motivação do paciente, sobretudo na idade pré-escolar. Esse esforço conta com a parceria de outro doutorando da linha de pesquisa, o educador musical Gleisson Oliveira, que também estuda crianças com autismo.
[Matéria publicada no Portal UFMG, seção Notícias da UFMG, em 10/02/2017. A publicação inclui vídeo produzido pela TV UFMG]