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Nº 1983 - Ano 43
26.06.2017

Seletividade contra o câncer

Grupo de pesquisa do Departamento de Química desenvolve moléculas com potencial antitumoral que podem gerar fármacos menos nocivos ao ser humano

Matheus Espíndola

As moléculas com atividade citotóxica têm como fator limitante sua atuação indiscriminada nas células sadias dos indivíduos em tratamento contra o câncer, deixando os pacientes debilitados. Uma solução para contornar esse problema é a obtenção de compostos mais seletivos, que exerçam ação mais restrita contra células tumorais, poupando, dessa forma, as células saudáveis.

Esse objetivo é perseguido desde 2010 pelo grupo de pesquisa em Síntese Orgânica e Química Medicinal liderado pelo professor Eufrânio Nunes da Silva Júnior, do Departamento de Química da UFMG. Recentemente, estudo resultante da tese de doutorado de Eduardo Henrique Guimarães da Cruz, do Programa de Pós-graduação em Química do ICEx, concluiu que a inserção de átomos de enxofre ou selênio em moléculas da família β-lapachona modifica seu mecanismo de ação, conferindo a elas índices mais altos de seletividade. "Alguns dos compostos que desenvolvemos são 18 vezes mais seletivos contra linhagens de células tumorais do que contra células normais, em comparação com a atuação do fármaco doxorrubicina, amplamente utilizado em clínica", compara o professor Eufrânio.

A descoberta resultou no depósito de uma patente internacional, intitulada Lapachone derivatives containing two redox centers and methods of use thereof, depositada no Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos em abril de 2017. O artigo sobre a patente foi publicado na edição 122 da European Journal of Medicinal Chemistry, revista de relevância mundial editada pela Sociedade Francesa de Química Medicinal.

A estratégia descortinada por Eduardo Henrique consiste na preparação de moléculas antitumorais contendo dois centros de oxidação-redução (redox), que atuam em reações químicas de transferências de elétrons. O centro redox da β-lapachona gera espécies reativas de oxigênio (EROs). O segundo centro redox, configurado pelos átomos de selênio e enxofre, atua como usuários de EROs.

"A célula normal, quando lesada, aciona um mecanismo de autodestruição celular, conhecido como apoptose ou morte celular programada. Já a célula tumoral não 'entende' esse comando e continua se multiplicando, de maneira descontrolada, levando à formação de tumores", explica o professor Eufrânio. "Ao introduzirmos um composto que gera EROs, o processo de apoptose é induzido na célula lesada. Células tumorais estão em estresse oxidativo, ou seja, possuem mais EROs do que as normais. Moléculas contendo enxofre e selênio atuam nessa importante característica modificando o balanço redox, o que pode proporcionar maior seletividade", detalha Eduardo Guimarães.

Parceria internacional

Os compostos sintetizados na UFMG despertaram o interesse do professor norte-americano David Boothman, coordenador de um grupo de pesquisa na Universidade do Texas. "Ele estudou as substâncias e também as considerou muito promissoras. Isso impulsionou a geração da patente nos EUA, que cobre tanto a síntese das moléculas quanto a ideia relacionada com o mecanismo de ação farmacológica, até então não abordada profundamente pela ciência", relata Eufrânio Júnior.

Todos os dados de atividade antitumoral, estudos de mecanismos de ação e seletividade constam na patente, que está disponível eletronicamente. Para que a descoberta tenha aplicação no desenvolvimento de novos protótipos com potencial anticâncer, ainda são necessários estudos mais detalhados em seres vivos, pré-clínicos e clínicos. Para impulsionar a pesquisa, os cientistas precisarão estabelecer parcerias com a indústria farmacêutica.

"Ainda não sabemos se venceremos essa jornada, mas nossa inovação abre horizontes para a síntese de moléculas cada vez mais eficientes em termos de seletividade. O importante é que descobrimos algo mais vantajoso em relação ao que vinha sendo estudado", observa o professor Eufrânio Júnior.

A tese Uma nova abordagem no desenvolvimento de potentes quinonas antitumorais contendo dois centros quirais: síntese e aspectos mecanísticos será defendida por Eduardo Guimarães, no dia 25 de julho, no Programa de Pós-graduação em Química.

Patente: Lapachone derivatives containing two redox centers and methods of use thereof. Disponível em https://patentscope.wipo.int. Pode ser acessada por meio do código WO2017070012
Artigo sobre a patente está disponível no site
Equipe envolvida: Eufrânio Nunes da Silva Júnior e Eduardo Henrique Guimarães da Cruz (UFMG), David Boothmane e Molly Silvers (Universidade do Texas), Antônio Braga (Universidade Federal de Santa Catarina), Cláudia do Ó Pessoa e Bruno Cavalcanti (Universidade Federal do Ceará)