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Nº 1983 - Ano 43
26.06.2017
Ewerton Martins Ribeiro
Para tomar conhecimento de algo, é preciso, antes, assumir uma posição: a posição da qual se vai mirar o saber e buscá-lo. Por sua vez, essa tomada de posição supõe mover-se e assumir a responsabilidade de tal movimento. Com essa premissa, que sugere uma espécie de política do conhecimento (e da imaginação), Georges Didi-Huberman dá início a Quando as imagens tomam posição, primeiro livro de sua série O olho da história. A obra acaba de ser lançada em português pela Editora UFMG.
Organizando suas reflexões em 32 "verbetes" – espécies de minicapítulos, que se distribuem em seis grandes seções –, o historiador trata da trajetória biográfico-intelectual do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht com base em desenhos do escritor e de recortes que ele fazia de jornais, entre outras imagens, como fotografias da época. Sob essa perspectiva, o crítico de arte expõe a ideia de que as imagens podem nos ensinar "alguma outra coisa" sobre nossa própria história – algo que ainda desconhecemos. E põe em perspectiva as encruzilhadas da estética no século 20.
Didi-Huberman aborda o período 1933-1955 da vida de Brecht, que compreende seu exílio, provocado pela Segunda Guerra Mundial. Nele, o escritor produz a segunda metade da sua grande obra, quase sempre em trânsito, traduzindo um olhar deslocado, em movimento. O dramaturgo migrou da Alemanha em 1933, dois anos antes do início da grande guerra, imediatamente após o incêndio do Reichstag (prédio do parlamento federal alemão), que engatilhou o conflito, e só voltou à Alemanha em 1948, três anos após o fim dos combates.
"Para saber é preciso tomar posição", escreve Didi-Huberman, e tomar posição implica mover-se. "Esse movimento tanto é 'aproximação' quanto 'afastamento': aproximação com reserva, afastamento com desejo", registra o filósofo. "Não se sabe nada na imersão pura, no 'em si', no terreno do 'perto demais'. Não se saberá nada, tampouco, na abstração pura, na transcendência altiva, no céu do 'longe demais'." E acrescenta: "Para saber é preciso 'implicar-se', aceitar entrar, afrontar, ir ao coração, não bordejar, decidir", mas também "'afastar-se' do conflito, como o pintor quando se afasta de sua tela para saber em que ponto está seu trabalho".
Didi-Huberman chama a atenção para os procedimentos de construção de sentido adotados por Brecht na coordenação que faz entre texto e imagem. Ao todo, ele seleciona 46 imagens oriundas principalmente do Bertolt-Brecht-Archiv, fundado nos anos 1950 em Berlim por Helene Weigel, esposa do escritor. "Trata-se de um conhecimento pela montagem, por meio do qual as fotos de guerra são comentadas, sendo também, paradoxalmente, poéticas", diz Vera Casa Nova, professora da Faculdade de Letras, explicando o procedimento de Brecht.
"Em seu processo de desmontagem e montagem, alguns sintomas e relações transversais dos acontecimentos aparecem. Política e estética se entrecruzam nas fotos e suas legendas nos arquivos de Brecht", escreve Vera na orelha da obra. Em certas ocasiões, essas legendas são poemas. "Brecht tomava posição no debate em curso sobre a modernidade literária e artística: tratava-se para ele, como para muitos outros, de renunciar às vãs pretensões de uma literatura 'para a eternidade' e de assumir, ao contrário, uma relação mais direta com a atualidade histórica e política", escreve Didi-Huberman.
A Editora UFMG já confirmou o lançamento de duas novas obras de Didi-Huberman: para 2018, está programada uma tradução de Remontages du temps subi, segundo volume da série O olho da história, e, ainda neste ano, o livro Atlas: o gaio saber inquieto chega às livrarias. Além da obra que motiva esta matéria, a Editora já lançou Diante do tempo: História da arte e anacronismo das imagens, em 2015, e Sobrevivência dos vaga-lumes, em 2011.
Livro: Quando as imagens tomam posição: o olho da história, I
Autor: Georges Didi-Huberman
Editora UFMG
279 páginas / R$ 60 (preço de capa)