Escolaridade pode garantir velhice mais saudável para os brasileiros
Níveis elevados de instrução estão associados à menor prevalência de multimorbidade em pessoas idosas, conclui estudo da Faculdade de Medicina
Por Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina
Em um Brasil que envelhece em ritmo acelerado, um novo estudo traz uma perspectiva essencial para o futuro da população: a educação. Os estudos realizados pelo pesquisador Janderson Diego Pimenta da Silva, sob orientação das pesquisadoras Juliana Lustosa Torres e Luciana de Souza Braga, no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, indicam que a escolaridade pode ser uma poderosa aliada na garantia de uma velhice mais saudável – níveis mais elevados de escolaridade estão diretamente associados a uma menor prevalência de multimorbidade (presença de duas ou mais doenças crônicas em um mesmo indivíduo ao mesmo tempo) entre adultos mais velhos.
Enfermeiro formado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Janderson pesquisa envelhecimento desde a graduação. Em seu doutorado na UFMG, ele realizou três estudos que pesquisaram o envelhecimento ativo, saudável e a multimorbidade no Brasil e na Inglaterra. Para as pesquisas, ele utilizou bases de dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsa-Brasil) e do The English Longitudinal Study of Ageing (Elsa).
A análise do pesquisador faz uma comparação direta entre o Brasil e a Inglaterra, destacando que, no país britânico, os determinantes comportamentais como tabagismo, sedentarismo e má qualidade do sono são os principais obstáculos ao envelhecimento ativo. Já no Brasil, os principais fatores contra o envelhecimento saudável são os determinantes sociais, principalmente a educação.
Esse problema pode refletir na chamada capacidade intrínseca. Trata-se do conjunto das capacidades físicas e mentais que uma pessoa pode mobilizar ao longo da vida. Elas possibilitam manter sua autonomia e funcionalidade. No Brasil, esta capacidade é severamente afetada pela grande ocorrência de multimorbidade, que é frequente na terceira idade. No país, a multimorbidade atinge 70,4% das mulheres e 51,1% dos homens.
Janderson justifica esta diferença pelo tempo do processo de inversão da pirâmide etária nos países. Na Inglaterra, assim como outros países europeus, essa mudança durou quase um século. “No Brasil está acontecendo o mesmo processo de envelhecimento em apenas 20 anos. Além disso, esse processo é acompanhado de todas as problemáticas que ainda permanecem, como a iniquidade em saúde e a desigualdade social. Em um país de extensão territorial continental, é um desafio para o sistema de saúde lidar com esse processo de envelhecimento acelerado”, afirma.
Dos participantes brasileiros com 50 anos ou mais que foram analisados pelo estudo, 70,6% tinham baixa escolaridade. Essa constatação se traduz em menor renda e acesso, um problema social que supera os determinantes comportamentais no envelhecimento ativo. O contexto presente no país viabiliza que pessoas idosas com maior nível de escolaridade tenham maior probabilidade de envelhecimento saudável do que os de baixa escolaridade.
Sentir-se útil é importante
Janderson destaca que no Brasil há uma preocupação acerca da ocupação de idosos na terceira idade, pois, uma vez aposentados ou inativos, eles deixam suas atividades laborais e tendem a sentir-se inútil. Esse sentimento também se mostra obstáculo para o envelhecimento ativo e saudável. Para solucionar essa questão, a Inglaterra criou um benefício cultural do voluntariado. No país, idosos que realizam atividades voluntárias permanecem ativos e com o sentimento de utilidade para a sociedade.
O pesquisador reforça que todos esses fatores não estão diretamente ligados somente às pessoas que compõem a população, mas, sim, à forma com a qual a sociedade foi estruturada historicamente, socialmente e culturalmente. “Os conceitos que embasaram essa formação e que hoje refletem nessas questões do envelhecimento e da multimorbidade são aqueles que vão impactar a saúde das pessoas idosas, no futuro, e dos jovens, no presente”, afirma.
Contudo, apesar dos marcadores apontarem para o desafio do envelhecimento no Brasil, Janderson destaca que existem políticas públicas efetivas no país que são referência, como a de atenção primária à saúde e a imunização. No âmbito social, há o Bolsa Família, sucesso no combate à fome e à evasão escolar. O pesquisador acrescenta que essas políticas inspiram a Europa: “A Inglaterra está passando por um processo de reforma no seu sistema público de saúde e uma das estratégias deles está utilizando a Atenção Primária do Brasil como modelo. Por meio dela, eles pretendem conquistar a inclusão do agente comunitário de saúde, algo que somente o Brasil tem. Assim, é necessário empenho e atenção a políticas públicas voltadas a determinantes sociais, em específico à educação”, conclui.
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