A pandemia de covid-19 alterou, de um momento para o outro, o modo como vivíamos, exigindo adaptações rápidas para assegurar a continuidade de atividades essenciais num cenário de distanciamento social. 

Com a educação, não foi diferente. As aulas presenciais deram lugar às remotas, combinando momentos síncronos e atividades assíncronas para contornar o novo desafio. Na UFMG, a solução passou por adotar o Ensino Remoto Emergencial (ERE) enquanto a situação exigisse e ofertar as disciplinas neste formato. 

Uma delas foi a matéria “Teorias de Currículo”, que integra os currículos da graduação em Pedagogia e dos cursos de pós-graduação em Educação. Para garantir a oferta da disciplina nas novas condições, Shirlei Sales (à esquerda na foto ao lado), a professora responsável por ministrá-la, contou com o auxílio da assessora pedagógica da DEDD Bruna Gonçalves, então sua aluna numa das turmas e atualmente sua orientanda no doutorado, para adequá-la às novas condições. 

A docente classifica o apoio prestado por Bruna como fundamental para viabilizar a disciplina no novo formato. “Eu não teria conseguido desenvolver tudo que fiz sem a parceria da Bruna. Ela pegou na minha mão e pesquisou comigo todas as alternativas possíveis. Esteve comigo, incansavelmente, em todo o processo. Sem a assessoria dela, teria sido muito mais angustiante, aflitivo e adoecedor”, avalia. 

A experiência, que rendeu lições importantes sobre o ensino diante do uso crescente de novas tecnologias, foi relatada no artigo “Ventanias e o esperançar currículo e avaliação na formação docente em tempos de ensino remoto emergencial”, publicado no Volume 14 da Revista Docência do Ensino Superior, veiculada no segundo semestre de 2024. 

De autoria conjunta de Shirlei e de Bruna, o trabalho analisou as adaptações no currículo e nas formas de avaliação dos alunos da disciplina em uma turma de graduação e de outra do programa de Pós-Graduação em Educação durante a vigência do ERE na Universidade. 

O desejo de estimular discussões sobre a utilização de recursos tecnológicos foi uma das motivações para a produção do artigo, como explicam as autoras. “Todo o processo foi registrado ao longo dos trabalhos, como um exercício analítico e também criação de memória. Desde aquela época tínhamos o desejo de compartilhar nosso trabalho e discuti-lo com outras educadoras”, relembra Shirlei. 

Bruna destaca que as problematizações feitas ao longo do texto podem expandir a perspectiva dos leitores quanto ao emprego dessas ferramentas. “Pela perenidade das discussões, acreditamos que o artigo contribua para a ampliação de possibilidades didáticas, especialmente as que consideram o uso crítico e reflexivo das tecnologias”, resume. 

Foco no fundamental 

Os esforços para adequar as lições ao novo contexto passaram por criar familiaridade com os recursos tecnológicos necessários para ministrá-las, como o Microsoft Teams, para a realização de atividades síncronas; por limitar a duração dos encontros a duas horas no total, com aulas expositivas de, no máximo, 40 minutos, seguidas do debate com os alunos. 

Reduzir o tempo dedicado às exposições implicaria, na prática, excluir parte do conteúdo que seria apresentado, um desafio para a docente e para a assessora pedagógica. 

“Para  esses  momentos  síncronos,  nos indagávamos: o que é fundamental que as turmas aprendam? Tudo nos parece importante e, de fato, é. No entanto, nesse momento, para as atividades em tempo real, devemos nos ater ao  que  é  imprescindível,  ao  cerne  da  discussão”, revela Bruna.

Shirlei acrescenta, destacando a importância de definir uma duração razoável das aulas para o bom andamento da disciplina. “No caso do ERE e das aulas síncronas, não podíamos nos estender demais. As aulas remotas têm um ritmo diferente. É bastante desafiador garantir o engajamento das turmas com o trabalho curricular. Então, a temporalidade das atividades é decisiva para envolver as alunas, promover a participação e oportunizar a aprendizagem.” 

Outra medida adotada pelas responsáveis pela disciplina para aproveitar ao máximo o tempo do encontro com os alunos foi incentivar o desenvolvimento de avaliações em conjunto com docentes de outras matérias, o que foi feito nas turmas do 4º período, com a pontuação dos textos produzidos e publicados no mural virtual. 

Lições efetivas e afetivas 

Mais do que o objetivo de trabalhar o conteúdo sobre teorias do currículo, a reorganização da matéria foi também motivada pela preocupação com o bem-estar dos estudantes num momento especialmente delicado.

Em tempos normais, o cuidado com os alunos e a consideração de suas experiências e individualidades já são essenciais ao processo de ensino-aprendizagem. Num contexto de emergência sanitária, eles se tornaram ainda mais relevantes, na opinião das responsáveis pela disciplina.

“O afeto é uma dimensão crucial para a construção da aprendizagem. No caso da pandemia, quando estávamos todas extremamente fragilizadas, assustadas, com medo e sobretudo exaustas do isolamento, essa dimensão do afeto, do acolhimento era ainda mais necessária. Precisávamos cuidar umas das outras, com extremo respeito às diferentes formas de enfrentar o turbilhão vivido”, recorda Shirlei. 

Os retornos das turmas sobre a disciplina, coletados por meio de questionários de avaliação respondidos pelos alunos após o fim da matéria, atestaram que a docente e a assessora pedagógica foram felizes ao buscarem maneiras não apenas efetivas, mas também afetivas, de ministrar as lições. As respostas destacaram, além do zelo com o uso de recursos tecnológicos e a organização do conteúdo, pontos como a “consideração  da  individualidade  de  cada  aluno”,  “o  respeito  às dificuldades”, “o contato cuidadoso” e “abertura ao diálogo”. 

“Apostamos fortemente no poder dos bons encontros e dos afetos que multiplicam as alegrias e as potências de vida. Num cenário de tantas angústias, escancarava a convicção primeira da importância do acolhimento para a aprendizagem. Com o retorno da avaliação dos/as estudantes então matriculados/as, fortalecemos aquilo que já nos parecia uma premissa inegociável: para uma aprendizagem significativa, essa dimensão afetiva importa, e muito”, conclui Bruna. 

Fotos: Bruna Gonçalves/ Arquivo pessoal e Reprodução/Revista Docência do Ensino Superior