Conheça os mistérios ocultos em três obras de arte famosas
25 de março de 2025
Por Maria Eduarda Abreu,
bolsista do Núcleo de Comunicação e estudante de Jornalismo na UFMG
Os Embaixadores (1533) – 207 cm × 209.5 cm, Óleo sobre tela. (Créditos: Reprodução/National Gallery, Londres).
Essa tela renascentista é um verdadeiro labirinto de enigmas! A pintura reúne um conjunto de símbolos a serem decifrados pelo espectador, que muito remete ao contexto da época conturbada em que Holbein viveu. O artista era natural do sul da Alemanha, um centro de comércio internacional especialmente receptivo às ideias da racionalidade, antropocentrismo e humanismo que constituem o movimento cultural, artístico e científico do Renascimento.
O confronto de Martinho Lutero com a Igreja Católica e a crise entre esta última e a Coroa inglesa marcaram a sociedade da época, e Holbein não deixa estes eventos de fora de sua grande obra alegórica. Na mesa, próximo ao cotovelo de um dos dois bispos franceses retratados – Jean de Dinteville (à esquerda) e Georges de Selve, bispo de Labaur (à direita) – há um relógio de Sol junto a muitos outros objetos colocados pelo autor, todos eles fazendo alusão aos campos da Astronomia, Geometria, Aritmética e Música. Juntos à gramática, lógica e retórica, compunham a base do ensino e do conhecimento. Um mapa-mundi, um compasso e um livro de aritmética são alguns dos elementos identificáveis que materializam as visões de mundo que tomavam a Europa, centradas no homem e seu poderio sobre a natureza. O que mais impressiona deste conjunto de equipamentos é que o tal relógio de Sol marca o dia 11 de abril de 1533, assim como as marcas no torquetum (aparelho para medições astronômicas). E sabe o que ocorreu na data? Nesta Sexta-feira Santa, o rei da Inglaterra Henrique VIII anunciou ao Conselho Real seu divórcio de Catarina de Aragão para se casar com Ana Bolena. Tal feito marcou o rompimento de suas relações com a Igreja Católica, contrária à anulação do matrimônio, e a criação da Igreja Anglicana. O quadro retrata bem a perspectiva renascentista de se afastar de alguns dogmas católicos.
Apesar da riqueza de detalhes, cores e texturas dos casacos de peles de arminho, das ricas tapeçarias e do piso ricamente ladrilhado, o que mais salta aos olhos de quem primeiro se depara com “Os Embaixadores” é definitivamente a mancha diagonal meio disforme na porção inferior do quadro. Quando se olha atentamente para esta área que contrasta com o maniqueísmo e organização do restante da obra, de preferência com o uso de uma colher ou de uma perspectiva específica (mais lateralmente), a figura estranha começa a tomar forma: um crânio humano! Ele foi pintado de maneira deformada por anamorfose, uma técnica de deformação óptica muito em voga na Inglaterra da época. O easter egg pode representar muitas coisas: o assombro da morte, a busca do conhecimento humano para suportá-lo, os abalos de um mundo que se abria a novas crenças e abandonava outras… E aí, qual a sua interpretação?
O crânio restituído ao seu formato usual, quando visto do ângulo superior direito. (Créditos: Reprodução/Ensinar História).
As cenas conturbadas de Bruegel escondem ditos populares. (Créditos: Reprodução/Histórias das artes).
Outro pintor do Renascimento com certo talento para mistérios foi Bruegel, o Velho (1525 – 1569), um dos mais reconhecidos de sua época. Seu estilo artístico é marcado pelo simbolismo e pelo fantástico, valorizando a cultura de fundo popular. No momento histórico de Bruegel e ainda muito expressivo na fala cotidiana das famílias brasileiras, os provérbios eram um importante meio de expressão, com sentido de ensino moral das boas práticas e conselhos para uma vida digna. Circulando também em formato visual, eram representados imageticamente em gravuras comercializadas a preços baixos.
Inspirado pelo quadro “O Jardim das Delícias Terrenas”, pintado por Hieronymus Bosch em 1504, Bruegel também propõe em seu próprio trabalho um turbilhão maluco de imagens. Na tela Provérbios Flamengos, ele retrata mais de 100 provérbios populares da Alemanha da época, sendo muitos deles também conhecidos por nós, com uma mudança aqui e ali.
O Jardim das Delícias Terrenas (1510), Hieronymus Bosch.
Agora volte à tela de Bruegel e separe-a em porções! É a melhor forma para perceber seus detalhes escondidos e cheios de significado, encontrando as situações da vida popular a quais eles se referem. Na abertura do telhado à esquerda, por exemplo, este casal mora junto sem estar casado, tido como “um estado de pecado” conhecido como “viver debaixo da vassoura”. Já dentro de um estabelecimento, dois tolos “levam um ao outro pelo nariz”, remetendo a situações onde pessoas em estado de ignorância seguem umas às outras cegamente. No muro da casa, um homem está “armado até os dentes” para brigar com um gato manso e inofensivo. Já no desfiladeiro mais ao centro da obra, uma procissão de pessoas cegas está perdida e se aproxima perigosamente da beira de um precipício. No canto inferior esquerdo, uma mulher parece chorar pelo leite derramado.
Dezenas de outros ditados populares já compartilhados no tempo de Bruegel ainda podem ser desvendados na grandeza de detalhes de “Provérbios Flamengos”! Fica aqui o desafio de mergulhar nesses mistérios!
Natureza morta com flores e taças de ouro de honra (1612), Clara Peeters.
Destaque da pintura de natureza-morta do barroco do século XVII, pouco se sabe sobre a vida da artista Clara Peeters. Acredita-se que ela nasceu por volta de 1588-1590 e viveu na cidade de Antuérpia, na Bélgica, até a segunda década do século XVII. O que se pode afirmar, com toda certeza, é a maestria da pintora em retratar banquetes que parecem ainda exalar o frescor dos alimentos mesmo já eternizados em telas. É de se espantar a meticulosidade de seu trabalho no arranjo das composições, onde se pode perceber o brilho das porcelanas de luxo, pratarias, vidros e metais, além da sua capacidade magistral em retratar com precisão as mais variadas texturas das frutas, carnes, bebidas e outros elementos escolhidos para compor o cenário.
A escolha por trabalhar com natureza-morta pode, no entanto, não ter sido exatamente uma escolha para a jovem Clara. Na época, mulheres eram proibidas de cursar os cursos de Belas-Artes e frequentar aulas com modelos nus para aprender a retratar a anatomia humana. Logo, buscavam se dedicar a outros campos artísticos, como a pintura de paisagens naturais ou, como Peeters, pinturas com a representação de objetos inanimados, geralmente de forma realista. Tal gênero era relegado às mulheres por ser visto como pertencentes ao âmbito privado e à esfera doméstica, aproximado à decoração e o convívio no interior das casas.
Quem olhar bem de perto algumas das telas à óleo da artista pode encontrar, no brilho das taças e talheres bem polidos, o “reflexo” da própria Clara, que deixou sua imagem marcada para sempre em suas obras. Esta foi uma inovação importante seguido por outros artistas vindouros: a incorporação do autorretrato na natureza-morta, encontrado em pelo menos 08 de suas obras. Apesar de tudo aquilo negado a si por consequência de ser mulher, Clara assinou suas obras de forma única, demonstrando não só grande habilidade técnica, mas uma irreverência sem igual.
Tente encontrar os autorretratos da artista nas pinturas abaixo!
“Natureza-morta com queijos, alcachofra e cerejas” (1625), Clara Peeters
Autorretrato de Clara Peeters na tampa da jarra.
“Natureza-morta com flores, um cálice de prata dourada, frutas secas, doces, palitos de pão, vinho e uma jarra de estanho” (1611), Clara Peeters.
Na jarra, Clara se pintou quatro vezes. Na jarra, Clara se pintou quatro vezes.
Referências
Os enigmas na pintura “Os embaixadores”, de Hans Holbein, o Jovem
Provérbios Flamengos, Pieter Bruegel, o Velho
Histórias das Artes: Clara Peeters
Os autorretratos escondidos de Clara Peeters: a imposição de si mesma