Fenômenos naturais e constelações dos povos Tukano – Espaço do Conhecimento UFMG
 
visite | BLOG | Fenômenos naturais e constelações dos povos Tukano

Fenômenos naturais e constelações dos povos Tukano

 

A relação dos seres humanos com os ciclos celestes é milenar e está presente em todas as culturas ao redor do mundo. Afinal, todos nós estamos sob o mesmo céu e marcamos a passagem do tempo através de ciclos naturais. No entanto, os povos têm interpretações diferentes sobre o que é visto no céu, e normalmente fazem associações com elementos de seus cotidianos. 

Por exemplo, sabemos que há diversas maneiras de marcar o tempo, não é mesmo? Esse foi o tema de uma das lives do projeto Descobrindo o Céu, que você pode conferir neste linkE aqui no Blog do Espaço já falamos um pouco a respeito das Constelações Zodiacais, neste texto

Já o assunto do texto de hoje são os ciclos anuais dos povos Tukano! A figura abaixo representa as principais constelações reconhecidas por eles no céu, e apresentaremos algumas neste texto. Vamos lá?

 

Constelações tukano. Crédito: AEITY/ACIMET. Editoração gráfica: Renata Alves de Souza. <https://pib.socioambiental.org/pt/Astronomia_tukano>

 

Os Tukano são grupos indígenas localizados na região do noroeste amazônico do Brasil e da Colômbia, às margens do Rio Tiquié, afluente do Rio Uaupés. São, ao todo, 17 etnias, e todas se comunicam nas línguas da família Tukano Oriental, e estabelecem muitas trocas culturais entre si.

Esses grupos indígenas têm a organização das estrelas no céu como uma importante referência espaço-temporal para compor a narração do ciclo anual. Cada organização, cada constelação astronômica, é associada a um episódio da criação do mundo, a uma cosmologia, e caracteriza qual estação chega junto a ela, se é época de chuva ou seca, se haverá enchentes ou cheias, se é época de colher pupunha ou ingá, caçar aracu-riscado ou pirandirá.

As enchentes ou cheias são chamadas de poero ou pue – nas línguas tukano e tuyuka, respectivamente. O termo nomeia as constelações que se põem no começo da noite durante esse período, e também as estações chuvosas que compõem o ciclo. Costuma-se dizer que, quando uma constelação “cai” do céu, ela faz um estrondo de trovão, avisando que a época de chuvas, também chamada “dias de inverno”, está por vir.

Já as estações ensolaradas e com os rios em nível baixo de água são nomeadas kuma, os “dias de verão”. Eles podem ser identificados pela constelação de referência ou podem receber o nome de alguma fruta que está na época, ou de algum fenômeno periódico dos animais ou das plantas.

O início do ciclo anual dos Tukano é marcado pela Enchente de Jararaca (Aña poero). A constelação Jararaca tem as partes Lúmen (Aña siõkhã), Cabeça (Aña duhpoa), Bolsa de Veneno (Aña nimaga), Fígado (Aña ñemeturi), Ovos (Aña dieripa), Corpo (Aña ohpu) e Rabo (Aña pihkorõ). 

 

Partes da constelação Jararaca (Aña), da esquerda para a direita: a cabeça, a bolsa de veneno, o fígado, os ovos, o corpo e o rabo. Editoração gráfica: Renata Alves de Souza. <https://pib.socioambiental.org/pt/Astronomia_tukano>

 

Nessa época, estão acontecendo as primeiras reproduções de peixes, anfíbios e insetos, acompanhadas de chuva intensa e elevação do nível do rio. Alguns peixes dançam em direção às nascentes, e podem ser observados aracus-três-pintas, pirandirás e aracus-riscados. Os habitantes vão lá pra limpar suas malocas no rio e fazer festa! 

 

De cima para baixo: aracu-três-pintas, pirandirá e aracu-riscado. Créditos: Mauro C. Lopes.

 

No tempo das cheias, as aves inambus, mutuns e urumutuns começam a cantar. Os bandos de pássaros “das jararacas” descem próximo à comunidade e depois caem no rio e, assim, como acreditam, viram peixes, terminando de se transformar na piracema. E as rãs também descem, só que das nuvens! Elas são observadas caindo, do nada, na água. As frutas dessa época são o umari, ingá, jenipapo-do-rio, taquari, cucura e açaí.

A constelação da Jararaca é a maior e se põe no início da noite, nos meses que correspondem ao período que vai de setembro até meados de novembro ou dezembro, seguindo o calendário gregoriano. Ela ocupa partes das constelações de Libra, Corvo, Escorpião, Sagitário e Ursa Maior. Bem grande, não é mesmo? 

Outra época com chuva intensa é a da Enchente de Camarão (Dahsiu poero), quando muitos peixes seguem subindo o rio e há frutas maduras e verdes de ucuqui, abiu-de-remo, umari, dentre outras. Ouvem-se os cantos de urumutum, tucano, mutuns, jacamim e inambuzinho-cozinheiro, e acontecem revoadas de formigas e cupins. Conta-se que o peixe jacundá engole o camarão, quando ele cai do céu se pondo.

Depois da Enchente de Camarão, vem a Enchente da Onça (Yai poero). É longa, como a da Jararaca! Hoje em dia ela, também é chamada de Enchente da Páscoa. É nessa época que todos os igapós alagam, e só restam as terras mais altas. As cutias, acutivaias, pacas e tatus correm subindo pra lá. A constelação desse período é composta pelas partes Facho da Onça, Bigode da Onça, Corpo da Onça e o Rabo da Onça.

 

Estrela que ilumina a Onça e a constelação da Onça (Yai). AEITY/ACIMET. Editoração gráfica: Renata Alves de Souza. <https://pib.socioambiental.org/pt/Astronomia_tukano>

 

Na Enchente do Grupo de Estrelas (Nokoatero poero), que se referem às Plêiades, como conhecemos, acontecem as últimas piracemas do ano. É uma época diretamente relacionada com o ciclo de rituais, representando a chegada de um ano novo para os Tukuya e revitalizando o conhecimento ancestral. Os primeiros cardumes dos aracus já começam a migrar a jusante do rio. Tem trovoadas e relâmpagos, às vezes com chuva, ou sem. Aqui aparecem os passarinhos tamiria e os rios ficam cheios.

E aí, gostou de saber um pouco sobre o ciclo anual e constelações dos Tukano? Nos links abaixo, você pode ter ainda mais informações:

 

  1. https://ciclostiquie.socioambiental.org/pt/index.html#2007
  2. https://pib.socioambiental.org/pt/Astronomia_tukano
  3. https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/0AL00037_1.pdf
  4. https://amazonia.org.br/2018/06/os-lugares-sagrados-dos-povos-tukano-agora-estao-no-google-earth/
  5. https://www.youtube.com/watch?v=CirpI_a_FJI&ab_channel=InstitutoSocioambiental 

 

[Texto de autoria da Samantha Jully, estagiária do Núcleo de Astronomia]