Setembro Azul: A Libras como Língua e a História da Libras  – Espaço do Conhecimento UFMG
 
visite | BLOG | Setembro Azul: A Libras como Língua e a História da Libras 

Setembro Azul: A Libras como Língua e a História da Libras 

13 de setembro de 2022

 

Ouça também no Spotify!

 

A HISTÓRIA DA LIBRAS NO BRASIL

Por muitos séculos, pessoas surdas ao redor do mundo eram consideradas incapazes de aprender simplesmente por possuírem uma deficiência. No Brasil, infelizmente, isso não foi diferente. Essa visão capacitista só começou a mudar com transformações que ocorreram, num primeiro momento, na Europa, a partir do século XVI, quando educadores, por conta própria, começaram a se preocupar com esse grupo.

 

Um dos educadores mais marcantes na luta pela educação dos surdos foi Ernest Huet, ou Eduard Huet como também era conhecido. Huet, acometido por uma doença, perdeu a audição ainda aos 12 anos. Contudo, como era membro de uma família nobre da França, teve desde cedo acesso à melhor educação possível de sua época e, assim, aprendeu a Língua de Sinais Francesa no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris. Tomando-se como inspiração a iniciativa de Huet, fundou-se em 26 de setembro de 1856 o Imperial Instituto de Surdos-Mudos, como instituição de caráter privado.  No seu percurso, o Instituto recebeu diversos nomes, sendo que a mudança mais significativa deu-se no ano de 1957, recebendo a denominação de Instituto Nacional de Educação dos Surdos – INES, que está em funcionamento até hoje! Essa mudança refletia o princípio de modernização da década de 1950, no Brasil, no qual o Instituto, e suas discussões sobre educação de surdos, também estava inscrito.

 

(Ernest Huet. Fonte: Blog Surdos e Mudos BR)

 

Dessa forma, Huet e a Língua de Sinais Francesa tiveram grande influência na Língua Brasileira de Sinais, a Libras, que foi ganhando espaço aos poucos e logo passou a ser utilizada pelos surdos brasileiros. Contudo, nesse mesmo período, muitos educadores ainda defendiam a ideia de que a melhor maneira de ensinar era pelo método oralizado, ou seja, a educação de pessoas surdas seria através do domínio de línguas orais. Nesse caso, a comunicação acontece nas modalidades de escrita, leitura, leitura labial e também oral. No Congresso de Milão, em 11 de Setembro de 1880, muitos educadores votaram pela proibição da utilização da língua de sinais por não acreditarem nesse método como efetivo na educação das pessoas surdas.

 

Essa decisão provocou grandes prejuízos quanto ao ensino da Língua Brasileira de Sinais, mas, mesmo diante dessa proibição, a Libras continuou sendo utilizada pela persistência dos surdos. Posteriormente, buscaram a legitimidade da língua e os surdos continuaram lutando para seu reconhecimento e regulamentação através de um projeto de lei escrito em 1993. Mas, apenas em 2002, foi aprovada a Lei 10.436/2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão no país.

 

ENTENDENDO UM POUCO MAIS SOBRE A LIBRAS E SUA IMPORTÂNCIA 

 

A Língua Brasileira de Sinais é uma língua de modalidade espaço-visual em que é possível se comunicar através de gestos, expressões faciais e corporais. A língua de sinais não pode ser confundida com a mímica ou simples gestos. No Brasil, são utilizados cinco parâmetros, que constituem a Libras: a configuração da mão, referente à posição dos dedos; o ponto ou local de articulação, que trata sobre o local no espaço, entre a cabeça e o abdômen, em que ocorre a configuração da mão; o movimento, ou seja, como as mãos se movimentam no espaço; a orientação/direcionalidade, que é para onde a mão está orientada; e, por fim, a expressão facial e/ou corporal, usados para complementar e intencionalizar a sinalização.

 

Sinal ‘Libras’. Bárbara Vítor (Bolsista de Acessibilidade do museu) e Dinalva Andrade (Intérprete de Libras do museu)

 

Trata-se de uma língua que possui uma gramática própria assim como o português, portanto, possui variações linguísticas como, por exemplo, o regionalismo. Ou seja, diversas palavras possuem mais de um sinal para descrevê-las, podendo apoiar-se em diferentes características, como idades, gêneros, costumes, tradições, e claro, regiões geográficas de seus falantes. 

 

Então, por possuir suas próprias regras, com a lei 10.436, decretada em 2002, a Libras passou a ser considerada uma das línguas oficiais do país. Através dela o poder público passou a fornecer meios para o uso e a difusão da Língua Brasileira de Sinais. Através de sua difusão, a Libras visa promover a inclusão e a acessibilidade ao quebrar as barreiras comunicacionais, possibilitando a integração de pessoas surdas e sua comunidade no âmbito educacional e cultural. Desse modo, acredita-se que a língua exerce um importante papel no desenvolvimento das funções cognitivas, pois a criança começa a perceber o mundo não apenas através dos olhos, mas também por meio de uma língua própria. 

 

A criança ouvinte, desde seu nascimento, é exposta à língua oral, tendo a chance de adquirir uma língua que a permitirá viver experiências no seu meio, e também trocas comunicativas. Assim, é importante que a criança surda tenha a garantia de uma língua própria que a ajude a conquistar o mesmo, portanto, quanto mais cedo criança surda for apresentada à Libras, maior será a facilidade no desenvolvimento de suas funções cognitivas.

 

Outro fator positivo a ser considerado é o fato de que a Libras possibilita a inserção das pessoas dentro da comunidade surda, onde por meio dela, compartilham um conjunto de características em comum, promovendo um sentimento de identificação e pertencimento a uma comunidade. Apesar disso, a cultura surda possui diversas identidades, uma vez que não é possível homogeneizar e generalizar as experiências das pessoas pertencentes a essa comunidade. Existem grupos de pessoas que perderam a audição; aqueles que são filhos de pais surdos, em que a realidade visual é introduzida desde o primeiro momento; aqueles que são filhos de pais ouvintes e tiveram sua relação com o mundo surdo ocorrendo de forma mais tardia e até mesmo aqueles que defendem a oralização como forma de se integrar ao mundo ouvinte. Desse modo, é importante compreender a Libras como uma língua, assim como qualquer outra, que passa por processos contínuos de modificação, pertencente a uma comunidade diversa e multicultural. 

 

ACESSIBILIDADE NA PRÁTICA

 

Mas, afinal, quais são as formas de garantir que essa acessibilidade linguística seja colocada em prática? Para garantir que a luta e os direitos alcançados sejam de fato colocados em prática, existe a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor no dia 03 de janeiro de 2016. Essa Lei, entre outras coisas, visa garantir e afirmar que as pessoas com deficiência possuam direito de acessar espaços de cultura e educação. Nesse sentido, a legislação prevê que os documentários e os filmes, bem como as peças de teatro e exposições nos museus, entre outros, garantam acesso adequado às pessoas surdas, através de materiais culturais acessíveis em Libras e intérpretes.

 

Para além dos espaços escolares, a Lei Brasileira de Inclusão assegura um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida. De forma a alcançar o máximo de desenvolvimento possível, de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. Além disso, visa oferecer educação bilíngue, tendo a Libras como primeira língua e a modalidade escrita da Língua portuguesa como segunda língua.

 

A LIBRAS DENTRO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 

 

Em 2018, no dia 20 de novembro, por aprovação do Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, se deu a criação do curso de Letras-Libras da UFMG. Este foi um marco importante para as pessoas surdas e sua comunidade, pois através de um vestibular acessível, pessoas surdas, intérpretes e profissionais da Libras puderam finalmente ingressar na UFMG. Tendo como objetivo: “a educação das pessoas surdas como princípio norteador das representações socioculturais, identitárias e linguísticas da Comunidade Surda; e não, a deficiência ou o déficit auditivo”. (PPG, Curso de Licenciatura em Letras Libras p.20, 2018). Outras informações sobre o curso estão disponíveis no documento: UFMG, Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Letras Libras. Portanto, o curso tem como objetivo formar profissionais para o ensino da Língua Brasileira de Sinais que sejam capazes de atuar em diferentes contextos educacionais. E que por meio da Libras, possam contribuir para a discussão da acessibilidade, bem como refletir sobre a experiência dos sujeitos surdos na sociedade. 

 

Além do curso de Letras Libras, o Espaço do Conhecimento UFMG, como proposta extensionista da universidade, mantém o projeto “Sábado com Libras”, que se dedica a divulgar e contribuir para o ensino da Libras durante todo o ano, bem como cultura surda, e contribuir para o acesso da comunidade surda ao museu. As oficinas são realizadas mensalmente em formato presencial no Espaço e são gratuitas e abertas ao público, envolvendo diversos temas de ciência, cultura e artes e temas relacionados a Libras. 

 

Durante o mês de setembro, o Espaço se dedica a somar forças na conscientização da Libras – Língua Brasileira de Sinais, por meio de uma programação com atividades acessíveis ao longo do mês. Buscando, desse modo, ampliar o diálogo sobre acessibilidade, sobre a Libras e a cultura surda dentro e fora da universidade. Ficou interessado em saber um pouco mais sobre a história do Setembro Azul? Conheça também o texto: A história do Setembro Azul ou Setembro Surdo, disponível no blog, e acompanhe a programação do Setembro Azul do Espaço. 

 

Autores:

[1] Bárbara Vitor Silva (Bolsista do Programa de Apoio à Inclusão e Promoção à Acessibilidade – PIPA)

[2] Dinalva Andrade Martins (Intérprete de Libras do Espaço do Conhecimento UFMG)

[3] Natalia Pires Lourenço (Bolsista do Programa de Apoio à Inclusão e Promoção à Acessibilidade – PIPA)

[4] Priscila G. Martins Silva (Assistente do Núcleo de Ações Educativas, Acessibilidade e Estudos de Público)

 

Referências e para saber mais:

ALMIR CRISTIANO. Libras, 17 de maio de 2017. O que é libras?. Disponível em: <https://www.libras.com.br/o-que-e-libras>. Acesso em: 06 de jul. de 2022.

ALMIR CRISTIANO. Libras, 26 de ago. de 2018. Os cinco parâmetros da Libras. Disponível em: <https://www.libras.com.br/os-cinco-parametros-da-libras>. Acesso em 21 de ago. de 2022.

ALVES, Elizabete Gonçalves; FRASSETTO, Silvana Soriano. Libras e o desenvolvimento de pessoas surdas. Aletheia,  Canoas ,  n. 46, p. 211-221, abr.  2015 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942015000100017&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em:  20 de  ago. de 2022.

ARQUIVO NACIONAL. Portal do Governo Brasileiro, 11 de dez. de 2016. Instituto dos Surdos-Mudos. Disponível em: <http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/365-instituto-dos-surdos-mudos>. Acesso em: 17 de ago. de 2022.

BOGAS, João Vitor. A história da Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Handtalk, 2017. Disponível em: <https://www.handtalk.me/br/blog/historia-lingua-de-sinais/#:~:text=A%20origem%20da%20L%C3%ADngua%20Brasileira%20de%20Sinais&text=Teve%20in%C3%ADcio%20a%20luta%20pela,Imperial%20Instituto%20de%20Surdos%20Mudos>. Acesso em: 06 de jul. de 2022.

GALA, Ana Sofia. Regionalismo: as variações linguísticas da Libras. Handtalk, 02 de jun. de 2022. Disponível em: <https://www.handtalk.me/br/blog/regionalismo-em-libras/>. Acesso em 21 de ago. de 2022.

GANDRA, Alana. Lei que institui a Língua Brasileira de Sinais completa 20 anos. Agência Brasil, 2022. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/lei-que-reconhece-libras-como-lingua-oficial-do-pais-completa-20-anos#:~:text=Neste%20domingo%20(24)%2C%20a,no%20pa%C3%ADs%2C%20completa%2020%20anos>. Acesso em: 06 de jul. de 2022.

HISTÓRIA da Libras – Saiba como surgiu a Língua Brasileira de Sinais. Academia de Libras, 2016. Disponível em: <https://academiadelibras.com/libras/historia-da-libras/>. Acesso em: 06 de jul. de 2022.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portal do Governo Brasileiro, 21 de out. de 2021. Conheça o INES. Disponível em: <https://www.gov.br/ines/pt-br/acesso-a-informacao-1/institucional/conheca-o-ines>. Acesso em 17 de ago. de 2022.

O que é libras e porque ela é tão importante?. Ginead, 2021. Disponível em: <https://www.ginead.com.br/blog/o-que-e-libras-e-porque-ela-e-tao-importante>. Acesso em: 06, jul, 2022.

OKA, Mateus. Cultura surda. Todo Estudo, [s.d.]. Disponível em: <https://www.todoestudo.com.br/sociologia/cultura-surda>. Acesso em: 22 de ago. de 2022.

RODRIGUES, P. ACESSIBILIDADE CULTURAL: ARTICULAÇÕES E REFLEXÕES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM UMA AÇÃO DE EXTENSÃO. Revista Brasileira de Extensão Universitária, v. 9, n. 1, p. 39-46, 6 abr. 2018.

TV UFMG. Graduação em Letras-Libras UFMG. YouTube, 8 de junho de 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=g5iD6LbXrSQ&t=18s>. Acesso em: 14 de ago. de 2022.

UFMG, Projeto Pedagógico do CURSO LICENCIATURA EM LETRAS-LIBRAS, p.20, 2018.