Pierre Rosanvallon ressaltou o papel dos costumes, práticas e valores na estruturação da ordem democrática
Foto: Gustavo Luiz – IEAT/UFMG

O historiador francês Pierre Rosanvallon, titular da Cátedra IEAT Darcy Ribeiro: Soberania, Educação e Política, participou, no dia 19 de novembro de 2025, do seminário interno realizado no auditório da COPEVE/UFMG, na Unidade Administrativa 3.

Além de Rosanvallon, o seminário contou com apresentações de Enrique Peruzzotti, do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella, na Argentina, e do professor Leonardo Avritzer do Departamento de Ciência Política (DCP) da Fafich e coordenador da Cátedra IEAT Darcy Ribeiro.

Combinando a apresentação das ideias do cientista político francês e o diálogo com os trabalhos de pesquisadores presentes, o seminário teve o objetivo de discutir questões centrais da teoria democrática contemporânea.

Manhã: as instituições invisíveis da democracia

A abertura do seminário ficou a cargo de Pierre Rosanvallon, que apresentou as ideias centrais de seu mais recente livro As instituições invisíveis, lançado em 2024. Em sua exposição, o catedrático destacou três pilares invisíveis, porém fundamentais, de toda democracia: confiança, legitimidade e autoridade. Segundo Rosanvallon, a confiança funciona plenamente apenas em pequenos grupos. Em sociedades complexas, argumentou, ela depende necessariamente de instituições capazes de reduzir incertezas e produzir “provas” de confiabilidade. A legitimação, por sua vez, surge dessa produção de confiança, enquanto a autoridade democrática deve combinar força e não-autoritarismo – um equilíbrio delicado mas essencial. O debate subsequente ressaltou uma crítica importante: a ciência política tem tratado o conceito de instituição de modo excessivamente restrito, ignorando costumes, práticas e valores que também estruturam a ordem democrática. A distinção fundamental entre legalidade e legitimidade, observaram os participantes, tem se perdido em meio ao foco excessivo nas eleições, empobrecendo nossa compreensão das crises atuais. Em um contexto marcado por desinformação e incerteza, as instituições invisíveis funcionam como redutoras de complexidade e mostram-se decisivas para conter derivações autoritárias e sustentar a soberania popular.

Participantes do seminário interno da Cátedra IEAT Darcy Ribeiro: Soberania, Educação e Política
Foto: Gustavo Luiz – IEAT/UFMG

Tarde: da democratização ao backsliding

O período da tarde trouxe duas apresentações de trabalhos acadêmicos, ambas comentadas pelo professor Rosanvallon. O professor Enrique Peruzzotti abriu as discussões com seu paper From Democratization to Backsliding: A Shifting Focus in Third-Wave Democratic Theory. Em sua análise, Peruzzotti traçou a trajetória da teoria democrática desde a terceira onda de democratização, mostrando como ela migrou de uma visão expansiva e transformadora – centrada em soberania popular, accountability e inovação institucional – para uma preocupação crescente com o retrocesso democrático.

O argumento central de Peruzzotti é que o foco atual na contenção da erosão pode estreitar perigosamente a teoria democrática, recolocando a estabilidade institucional acima da transformação democrática. Propondo uma mudança de perspectiva, ele sugere que, em vez de tratar crises apenas como retrocessos, deveríamos entendê-las como “turbulências” que também abrem espaço para reinvenção. Diante das novas complexidades sociais e tecnológicas, ele defende que a teoria democrática precisaria recuperar seu impulso crítico e inovador e não apenas proteger o status quo.

Em seguida, o professor Leonardo Avritzer apresentou considerações sobre seu paper La contención del backsliding: los roles de diferentes actores en la contención de la erosión democrática. O trabalho discute como diferentes países da América Latina têm conseguido conter processos de backsliding democrático, argumentando que a contenção da erosão democrática depende não apenas do parlamento, mas também do desenho institucional das cortes supremas e do papel da oposição, incluindo suas formas extra-institucionais de ação.

Através de uma análise comparativa envolvendo Colômbia, Venezuela, Brasil e México, Avritzer demonstrou que países com judiciários fortalecidos pelo “novo constitucionalismo” – como Brasil e Colômbia – tiveram maior capacidade de frear líderes autocráticos. Em contraste, contextos com cortes capturadas (Venezuela) ou vulneráveis a maiorias governistas (México) favoreceram o avanço autoritário. O caso brasileiro mereceu destaque especial na apresentação, evidenciando a importância combinada da Suprema Corte, da sociedade civil mobilizada e de uma oposição conciliadora para impedir que o bolsonarismo avançasse da erosão institucional para a tentativa de golpe.

Ambas as apresentações receberam considerações e comentários do professor Rosanvallon, enriquecendo o debate com sua perspectiva comparada e sua expertise sobre as transformações contemporâneas da democracia.

Participaram do seminário Eduardo Soares Neves, pró-reitor adjunto de pós-graduação da UFMG, Patrícia Kauark, diretora do IEAT, Leonardo Avritzer, do Departamento de Ciência Política (DCP) da Fafich e coordenador da Cátedra IEAT Darcy Ribeiro, Marcus Abílio Pereira, também do DCP, Carlo Gabriel Pancera, Helton Adverse, Newton Bignotto e Vitor Sommavilla, todos vinculados ao Departamento de Filosofia da Fafich e Júnia Furtado do Departamento de História da Fafich. O encontro contou ainda com a participação de Miguel Lago, cientista político e diretor executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), e dos pesquisadores vinculados à Cátedra IEAT Darcy Ribeiro Anna Luiza Coli, Stella Gontijo e Gabriel Avritzer.

Cátedra IEAT Darcy Ribeiro

Criada em 2024, a Cátedra IEAT Darcy Ribeiro: Soberania, Educação e Política tem o objetivo de promover o diálogo transdisciplinar em torno de temas que refletem questões urgentes para o Brasil contemporâneo, pautando debates sobre a soberania nacional, o fortalecimento do sistema educacional e a consolidação de políticas públicas inclusivas e justas. A iniciativa conta com o apoio institucional do deputado mineiro Patrus Ananias, através de alocação de recursos via emenda parlamentar.