Marcus Vinicius de Freitas, coordenador-geral do Vestibular da UFMG

No último dia 6 de junho, a Comissão Permanente do Vestibular (Copeve) recebeu, como faz todos os anos, a visita de mais de 500 escolas de ensino médio, para com elas debater o Vestibular. Lá ouvimos a pergunta da hora: a UFMG vai implantar cotas? Nossa resposta foi a de que não há qualquer decisão, formal ou informal, sobre o assunto, uma vez que a comunidade universitária não transformou ainda os seus anseios, sejam eles contrários ou favoráveis, em decisão expressa. Diante da insistência dos interlocutores, explicamos que a última posição formal da UFMG está num documento de 2003 do Conselho Universitário sobre a necessidade de ampliação do acesso de estudantes, cujo teor privilegia a criação de cursos noturnos e apenas menciona as cotas como um assunto a ser debatido no futuro.

É natural que a questão fosse dirigida a nós, dada a visibilidade da Copeve quando o assunto é a entrada de alunos no campus. Parece-nos também que aquele futuro antes mencionado, o do momento de debater o assunto, já chegou. A matéria está na pauta do Congresso Nacional. O fato de o Projeto de Reforma Universitária, enviado há poucos dias ao Congresso pelo Presidente Lula, ter retirado a menção às cotas faz apenas acelerar o processo de análise de um projeto de lei específico sobre o assunto.

Ao mesmo tempo, e ciente dessa necessidade, o Magnífico Reitor, professor Ronaldo Tadêu Pena, deu o passo necessário para reabrir a questão, ao propor, em cerimônia de posse na Faculdade de Medicina, o debate sobre uma reavaliação do processo de entrada naquele curso, na certeza de que não podemos nos deixar atropelar por decisões governamentais e devemos debater internamente essa questão tão candente para os rumos da UFMG. Assim sendo, uma vez aberto o debate pelo nosso Reitor, perguntamos à comunidade universitária: haverá cotas na UFMG?

A matéria exige a reflexão de todos. E aqui, nesse plano do nosso debate interno, permitam-me deixar por um momento a condição de coordenador-geral do Vestibular e passar a falar no plano pessoal, como um professor entre milhares de outros. Tenho uma posição formada: não às cotas. A UFMG me deu a oportunidade de viver por quatro anos em uma universidade americana, experiência cujo valor não está apenas na qualificação profissional, mas nas lições que se retira da convivência com outra cultura. Nos Estados Unidos nasceu a idéia de cotas universitárias, como parte das chamadas ações afirmativas. As universidades da Califórnia, sempre na vanguarda dessas questões, foram as primeiras a propor as cotas e as primeiras a recuar da proposta, duas décadas depois, ao perceber suas conseqüências desastrosas.

As cotas, por mais que sejam bem intencionadas na busca da eqüidade social, acabam por desestruturar a única baliza de qualquer sistema de ensino: o mérito. A única forma de efetividade social que, a nosso ver, toca a uma universidade é a de ensinar muito bem, pesquisar excelentemente e estender o seu conhecimento à sociedade. Fazendo bem essas três funções, cuja baliza é o mérito acadêmico, a universidade cumprirá a sua função de aprimorar a sociedade e o país. Abdicar dessas funções específicas é tornar o seu papel inócuo.

É um engano confundir a urgência da ampliação do acesso com a necessidade de cotas. A universidade precisa, sim, abrir mais vagas. O país precisa urgentemente de mais engenheiros, médicos, biólogos, professores, pesquisadores, todos rigorosamente capacitados e capazes de subir o padrão de conhecimento e de vida desta sociedade. Mas, notem bem, cotas não abrem vagas. Cotas não têm nada a ver com ampliação de acesso. E a ampliação do acesso é o que norteia a discussão aberta pelo Reitor. Cotas apenas trocam o perfil dos ingressos à custa da excelência acadêmica.

O fato de o Vestibular não alcançar os jovens capacitados que se encontram nas camadas pobres da população é outro problema. Essa distorção existe porque o exame baseia-se muito no acúmulo de informações, quesito em que o jovem desfavorecido, mesmo que muito capaz, não consegue competir com os que têm acesso a informações. Portanto, a meu ver, esse viés deve mudar. Como? Por um lado, as provas devem seguir sendo aprimoradas para medir sempre mais a competência do que a informação. Por outro, a introdução de provas que avaliassem diferentes capacidades cognitivas seria muito útil ao processo. Uma prova de lógica, outra de percepção sensorial e capacidade de abstração (artística, por que não?!), outra sobre a capacidade imaginativa seriam, a meu ver, instrumentos interessantes a serem considerados, ao lado das tradicionais provas de conhecimento. Os departamentos de filosofia, de psicologia, de artes, entre outros, teriam papel importante na proposição de exemplos desse tipo.

Quanto às cotas, o melhor seria descartarmos a idéia. Mas qual seja a decisão, a Copeve está pronta a levá-la à frente. Pense bem: haverá cotas na UFMG?

Desenvolvido por Núcleo Web - Cedecom UFMG, com uso do software WordPress