Boletim: “Não imaginamos uma solução de cartola”

Um dos principais estudiosos da questão da democratização do acesso ao ensino superior, o professor Mauro Braga, pró-reitor de Graduação, traça, nesta entrevista ao BOLETIM, um panorama do atual estágio do debate na Universidade. Segundo ele, a UFMG pretende discutir algumas alternativas de inclusão adotadas por outras instituições, avisa que nenhuma medida do gênero será implantada no vestibular de 2007 e que qualquer decisão só será tomada depois de aceita pela comunidade acadêmica. “Não imaginamos uma solução de cartola e imediatista, ainda que possa ter grande repercussão na mídia”, afirma Braga.

Já existe na UFMG proposta em tramitação para implantação de cotas?
Temos discutido a idéia, expressa pelo reitor Ronaldo Pena em seu discurso na posse do novo diretor da Faculdade de Medicina. Ele pôs em debate a possibilidade de abrir vagas específicas para estudantes oriundos da escola pública. O índice de aprovação do curso de Medicina, que beira 70%, está acima da média de qualquer outro curso. A alternativa proposta pelo professor Ronaldo, a ser discutida com a própria Faculdade de Medicina, não é um modelo. O Reitor chama a atenção para a inclusão social e usa como exemplo um mecanismo que poderia ser utilizado no curso de Medicina. Contudo, ele deixa claro que as ações de inclusão, em seu Reitorado, não pretendem ter viés único. Elas devem contemplar as especificidades de cada área.

Que ações são essas?
Uma série de ações têm sido tomadas no Brasil, e a Universidade poderia adotar uma delas. A própria UFMG vale-se de uma medida de inclusão social voluntária, a expansão no turno da noite, que pretendemos aprofundar. Vamos examinar a possibilidade de aumentar, no Vestibular 2008, as vagas noturnas, que atualmente representam 21% do total ofertado.

A Universidade já estabeleceu uma meta de ampliação da oferta de vagas noturnas?
Não existe uma meta, mas há referências a observar. As universidades estaduais paulistas são obrigadas, por lei, a ofertar um terço das vagas no turno da noite. Essa é uma referência que pode ser examinada à luz do nosso contexto. Outra alternativa, já adotada pela Unicamp e pela USP, é agregar um valor à nota dos estudantes oriundos da rede pública. Há também a possibilidade de modificarmos as provas do vestibular, incluindo testes ou avaliações que não sejam tão marcados pela influência socioeconômica. Mas nada disso do que estou dizendo está em “ponto de bala”. São alternativas que podem ser discutidas com as congregações das unidades.

Há possibilidade de adotar algumas dessas medidas no próximo Vestibular?
No vestibular de 2007 não haverá qualquer medida desta natureza. Se vier alguma coisa será em 2008. Hoje, não temos condições de fazer uma avaliação mais detida sobre o assunto, porque não pretendemos atropelar as unidades acadêmicas. Não imaginamos uma solução de cartola, imediatista, ainda que possa ter grande repercussão na mídia. Qualquer medida a ser adotada deve ter a aceitação da comunidade.

Como a UFMG pretende conduzir o tema da inclusão no curso de Medicina?
A idéia é nos reunirmos com a Faculdade de Medicina, por se tratar de uma das áreas mais emblemáticas desse debate, tanto pelo baixo percentual dos estudantes que vêm das classes menos favorecidas, quanto pelo enorme prestígio social ostentado pelo curso. Vamos nos sentar com a congregação e com a diretoria da escola para debatermos as alternativas.

Por quais instâncias da Universidade passarão as eventuais propostas de inclusão?
Tudo começa nas unidades acadêmicas que oferecem os cursos. Em seguida, há uma audiência da Câmara de Graduação. Esse debate também deverá envolver a Comissão Permanente do Vestibular (Copeve) que, embora não seja instância deliberativa, é um órgão técnico muito importante, porque poderá nos alertar para aspectos importantes, inclusive operacionais. Da Câmara de Graduação esse assunto vai ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) e, por último, pode acabar batendo no Conselho Universitário. Imagino que qualquer medida relacionada à reserva de vagas configura uma mudança na política de seleção. E na minha opinião qualquer decisão nesse sentido deve receber a chancela do Conselho Universitário.

Mas não existe uma pressão social muito grande para que a Universidadade tome uma decisão rápida?
É claro que há uma demanda muito grande por vagas na universidade pública. Temos menos de cinco mil vagas e cerca de 70 mil candidatos no nosso vestibular. Por esse lado, há, sim, uma pressão. Por outro, o regime de reserva de vagas gera polêmica na sociedade. Tanto há quem deseje que ele seja implantado – e com rapidez – quanto há quem o considere um equívoco. Uma decisão equilibrada não pode ser tomada com açodamento. E há outro aspecto: é possível que a Universidade seja obrigada a cumprir uma lei governamental, o que chamamos popularmente de empurrar “goela abaixo”. Mas acredito que, no final das contas, isso não resulta em nada muito produtivo. Seria mais adequado que o governo fixasse metas e deixasse a cargo das universidades as alternativas para alcançá-las.

Texto publicado originalmente no Boletim 1535, de 15 de junho de 2006. 

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