É possível construir uma mentalidade inclusiva?

François Xavier-Berthou, Priscila Alves Vasconcelos,
Priscila Augusta Lima e Renata Maria Lima Novaes *

A sociedade brasileira vivencia um processo reivindicado há muitas décadas. Trata-se da inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais nas escolas comuns da rede regular de ensino. Este foi o tema do 1 o Ciclo de Debates Educação e Necessidades Educacionais Especiais , promovido pelo Grupo de Estudos de Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (Geine/Fae), realizado em novembro de 2004 na Faculdade de Educação. O evento contou com a participação de professores da UFMG e de outras instituições, estudantes, profissionais e pessoas da comunidade em geral. O segundo ciclo será realizado em junho de 2005, como atividade de disciplina do curso de Pedagogia.

Ao refletir sobre os debates, os participantes do Geine observaram que nessas ocasiões afloram diferentes concepções do processo de inclusão. Os depoimentos mostraram que muitas escolas comuns têm alunos com deficiências nas salas de aula. Há alunos cegos freqüentando escolas municipais e estudantes com Síndrome de Down nas estaduais. Mesmo diante deste fato, alguns especialistas da educação afirmam: “Isto não é inclusão!” E muitos profissionais da educação rebatem: “Estamos fazendo inclusão!”. Em algumas reuniões do Geine, as professoras nos questionam diante da chegada de um aluno especial: “Estamos agindo certo? Estamos fazendo inclusão?”.

Pesquisadores que atuam em diversos países definem a inclusão como uma transformação na escola, uma reestruturação para atender a todo tipo de aluno: pessoas com deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas e com qualquer grau de severidade dessas deficiências; homens e mulheres sem deficiências ou com características atípicas. Tendo como referência o princípio da igualdade de direitos e reconhecendo toda a diversidade existente entre os seres humanos, esses estudiosos reafirmam a educação como um bem comum e um direito de todos.

Compreendemos que as questões formuladas mostram o interesse destas escolas e professores em contribuírem para o processo de inclusão. Embora retratem uma situação que não é a ideal, tais questões revelam a reflexão dos professores e a sua compreensão de que todos são sujeitos, com direitos fundamentais e, dentre esses direitos, está a Educação. Apesar de estarmos diante de um processo novo, somos informados e observamos que muitos alunos com necessidades especiais estão se afirmando em espaços escolares e melhorando sua auto-estima. A chegada desses alunos à escola é necessária para que os professores se mobilizem e para que a inclusão possa se consolidar.

Encontramos, no início do século 21, pessoas com deficiências nos mais diversos ambientes de trabalho, nos supermercados e s hoppings. A inclusão está em curso, mas ainda se faz exclusão. Há um movimento para incluir e também obstáculos a esse processo. Por um lado, sabemos ser impossível à escola e, mesmo aos sistemas de ensino, predizer todas as possibilidades educacionais necessárias com a incorporação de todos os alunos à escola comum. Por outro, este fato não pode impedir o acesso à informação necessária para que, diante de cada aluno, o professor consiga orientar sua proposta educativa. Um acontecimento a ser considerado é que, na busca de qualificação despertada pela chegada de um aluno, o professor geralmente torna-se mais sensível às particularidades apresentadas por outros estudantes. Porém, a entrada de uma criança com deficiência também pode levar o professor a diversos conflitos. Ao, por exemplo, sentir-se despreparado para receber este novo aluno, ele pode não estimulá-lo a concretizar suas potencialidades. Assim, o estudante permanece naquele espaço físico, mas não estabelece uma interação favorável ao seu desenvolvimento.

Já em relação à formação do professor constatamos que muitas universidades ainda não efetivaram as ações previstas em lei para que os futuros docentes tenham a habilitação necessária. A ausência de espaços de diálogo promove o desconhecimento do tema e, com ele, receio, medo e preconceito. Por isso, na maioria das vezes, somente ao receber o estudante com necessidades especiais é que o professor busca qualificação adequada e informações sobre as necessidades educacionais do aluno e as possibilidades de intervenção pedagógica.

São de grande importância as medidas legais implementadas em favor da inclusão, como as alterações na materialidade escolar e a qualificação profissional. Mas a inclusão é um processo que, para além de tudo isso, passa pelas “mãos” de pessoas, em especial dos professores, que também são responsáveis pelo estímulo ao processo inclusivo. A ação dos mestres deve permitir que alunos com necessidades especiais tenham _ como os demais têm, ou deveriam ter _ condições de realizar suas potencialidades intelectuais ou de socialização.

A consciência da capacidade dos alunos pode ocorrer por meio da informação _ e isto não implica ausência de sensibilidade. Compreendemos que o preceito legal da inclusão deve ser cumprido e que isto está acima de qualquer discussão. Compreendemos também, a partir de nossas práticas cotidianas com pais, alunos, professores e pesquisadores, que, além de possibilitar o acesso à informação, é necessário estimular a sensibilidade do educador _ a sua faculdade de sentir, de experimentar sentimentos como ternura e simpatia. Para se efetivar, a construção de uma mentalidade inclusiva depende desta acolhida, que certamente não fica restrita à escola.

* Integrantes do Grupo de Estudos de Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (Geine) da FaE

 

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Artigo publicado no na edição 1476 do Boletim da UFMG, página 2.

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