Uma reflexão sobre o ensino-aprendizagem

*Priscila Augusta Lima

As proposições em torno da implementação da lei de Libras (Língua Brasileira de Sinais), utilizada geralmente por pessoas surdas nos cursos de formação de professores, precisam gerar ações para efetivar a inclusão desses alunos nas escolas, favorecendo o seu acesso ao conhecimento. A possibilidade de interação do aluno surdo com os ouvintes na sala e com pessoas que usam a Libras constitui elemento fundamental para a formação da subjetividade destas pessoas.

O indivíduo precisa saber o seu sinal. Este sinal é o que a identifica nas conversas em Libras, correspondendo ao nome na linguagem oral. Esta constituição psíquica implica a construção do pensamento sobre si mesmo e sobre o outro e da linguagem e das funções mentais superiores: percepção, atenção e memória, todas mediadas por signos internalizados a partir das suas vivências com a linguagem gestual.

Em sua maioria ouvintes, os familiares das pessoas surdas precisam usar sinais com os filhos e devem procurar aprender Libras. Mesmo os chamados “sinais caseiros” são mediadores na construção do mundo simbólico da criança e das relações interpessoais.

A escola e professores devem reivindicar intérpretes de Libras para as aulas freqüentadas por alunos surdos, que, em suas turmas, devem formar trios ou grupos maiores, de forma a estabelecer comunicações entre si e com os ouvintes. Algumas escolas de ensino fundamental e médio têm buscado com sucesso a organização de grupos maiores possibilitando a interação com os pares e favorecendo a convivência em grupo, tão necessária aos jovens.

Ao ministrarmos oficinas de Libras na Faculdade de Educação, observamos um interesse crescente por parte de estudantes de graduação em aprender essa língua, para atuar melhor com os alunos surdos ou se tornarem intérpretes. Esta situação deverá ser estimulada com a criação, pelo governo federal, de um processo para certificar os professores que dominarem a língua, o que daria a eles condição legal de exercer o ofício. O maior problema é que a oferta de cursos na área ainda é pequena no Brasil.

O Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, determina que todos os cursos de magistério devem incluir a disciplina Libras como obrigatória. No capítulo II, o documento afirma que os cursos de magistério em nível médio e superior devem ensinar Libras, incluindo os cursos de licenciatura nas diferentes áreas do conhecimento e o de Pedagogia.

A formação dos alunos dos cursos de licenciatura da UFMG está concentrada, em sua maior parte, nos institutos e faculdades de entrada ou de origem dos alunos (Física, Química, Letras etc.). A outra parte do processo ocorre na Faculdade de Educação. Alguns institutos ainda consideram que a formação de professores é responsabilidade exclusiva da Faculdade de Educação, quando o certo seria encarar a passagem pela FaE como um componente importante e partilhado nesta formação.

Quando o ensino-aprendizagem de Libras é abordado, infere-se que a Faculdade de Educação deve ser a responsável pelos cursos para todos os docentes. Ocorre que a formação em línguas em geral é objeto de trabalho da Faculdade de Letras, que conta com um currículo novo, flexibilizado. O curso de Letras ensina diferentes aspectos das línguas e literaturas e tem diversas habilitações como inglês, francês, grego, latim e alemão. Na área de extensão, há também cursos de mandarim, entre outras línguas.

Em seu artigo 4o, o decreto prevê que a formação de docentes para o ensino de Libras deve ser realizada em curso de graduação de licenciatura plena em Letras. Os cursos de Pedagogia, Letras e Fonoaudiologia devem iniciar a implantação de Libras como disciplina curricular, ampliando-a progressivamente para as demais licenciaturas.

No contato com estudantes de Pedagogia e Licenciatura, recebemos muitas solicitações pela implementação do ensino de Libras. Desta forma, considerando que há possibilidades de proposições alternativas, além da prevista em lei, especialmente para alunos que buscam continuidade de estudos, destacamos a necessidade de iniciar cursos de extensão, via Faculdade de Letras, como já se ofertam inglês, francês, espanhol grego e mandarim.

O Grupo de Estudos de Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (Geine) tem recebido demandas por cursos de Libras e, há três anos, organizamos oficinas, que, no entanto, estão restritas a uma pequena carga horária. Apesar dessa limitação, elas funcionam como um estímulo aos alunos, com indicações para continuidade da aprendizagem de Libras diante das urgentes demandas dos futuros professores. Outro aspecto que reforça a necessidade de criação de alternativas, inclusive via extensão, está no fato de que a carga horária mínima do curso de Libras para professores gira em torno de 180 horas-aula. Como alocar esta carga horária em cursos diferentes do de Letras?

Cientes das dificuldades iniciais dos projetos novos, temos refletido com alunas da Pedagogia e Licenciatura e realizado oficinas com intérpretes de Libras e pessoas surdas. Esta alternativa encaminhou várias alunas a cursos fora do sistema. Algumas não podem pagar os cursos. Enfim, pergunto: os cursos de Libras poderiam ser ofertados, inicialmente, a todos na modalidade de extensão, com exames de proficiência para admissão em níveis diferenciados, e, assim, agilizar o processo de formação de professores e intérpretes de Libras em Minas? Este curso de extensão pode ter a carga horária cursada incorporada ao histórico escolar do aluno? São questões-sugestões. Qual seria a sua viabilidade?

Quanto à obrigatoriedade da disciplina Libras nos cursos, penso que ela será melhor entendida na medida em que o projeto de escola e de sociedade inclusivas seja melhor explicitado aos graduandos dos cursos de Licenciatura e Pedagogia.

*Professora de Fundamentos da Educação Inclusiva e Educação Especial e coordenadora do Geine-FaE

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 Artigo publicado na edição 1560 do Boletim da UFMG, página 2 (Opinião)

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