E,
sobre esse concentrado de representações
do funesto sentimento de perda, experimentado por
mulheres, a artista do ícone constrói,
coerentemente, o seu texto "verbal", codificado
em silêncio retórico - silêncio
que se propõe como certo modo de falar, um
falar elíptico, feito de palavras que se impõem
- porque existem -, mas que não se mostram,
por circularem na dimensão do inefável.
É a fala perplexiva de alguém, sensibilizado
a ponto de abdicar da própria identidade empírica,
em favor de uma identidade fantasiosa e paralela,
que se pretende autônoma e se estabelece anônima.
Trata-se de um ser imaginário, projeção
da subjetividade da autora, alcunhado de o colecionador,
a quem ela delega o direito e a responsabilidade de
uma enunciação em que o "fazer
é dizer".
Esse curioso discurso
que faz do colecionismo o seu ato enunciativo e, da
coleção o seu enunciado, além
de refletir o alto grau de expressivismo emotivo do
emissor, marca-se de um forte acento apelativo, particularmente
no que se refere às imagens de destruição
bélica. Desempenha, aí, função
exortativa, dirigindo-se à consciência
de tantos quantos se fazem, ou se façam, responsáveis
por ações de destruição.
Visto de certa
perspectiva teórico-genettiana, o insólito
texto de Mabe Bethônico, resultado de uma composição
híbrida - recortes de jornal, música,
fala silenciosamente sugestiva - engaja-se, a seu
modo, numa relação de hipertextualidade
transposicional, por amplificação (do
"quoi", i. e., da matéria). Em seus
Palimpsestes, Gérard Genette ilustra esse tipo
de relação, citando o conto "Hérodias",
de Flaubert. E o procedimento do autor francês
é o seguinte: tomando a narrativa bíblica
que registra o episódio da prisão e
decapitação de João Batista,
a pedido de Herodias, esposa incestuosa de Herodes,
Flaubert transpõe-na para o espaço ficcional
do conto "Hérodias", onde a amplia,
colocando a sua voz farta sobre as vozes lacônicas
dos narradores evangélicos (Mateus e Marcos).
|