Mabe Bethônico e o Colecionador   índice de Notícias e Textos
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 Maria Helena Saddi     voltar  avançar  
     
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      E, sobre esse concentrado de representações do funesto sentimento de perda, experimentado por mulheres, a artista do ícone constrói, coerentemente, o seu texto "verbal", codificado em silêncio retórico - silêncio que se propõe como certo modo de falar, um falar elíptico, feito de palavras que se impõem - porque existem -, mas que não se mostram, por circularem na dimensão do inefável. É a fala perplexiva de alguém, sensibilizado a ponto de abdicar da própria identidade empírica, em favor de uma identidade fantasiosa e paralela, que se pretende autônoma e se estabelece anônima. Trata-se de um ser imaginário, projeção da subjetividade da autora, alcunhado de o colecionador, a quem ela delega o direito e a responsabilidade de uma enunciação em que o "fazer é dizer".
      Esse curioso discurso que faz do colecionismo o seu ato enunciativo e, da coleção o seu enunciado, além de refletir o alto grau de expressivismo emotivo do emissor, marca-se de um forte acento apelativo, particularmente no que se refere às imagens de destruição bélica. Desempenha, aí, função exortativa, dirigindo-se à consciência de tantos quantos se fazem, ou se façam, responsáveis por ações de destruição.
      Visto de certa perspectiva teórico-genettiana, o insólito texto de Mabe Bethônico, resultado de uma composição híbrida - recortes de jornal, música, fala silenciosamente sugestiva - engaja-se, a seu modo, numa relação de hipertextualidade transposicional, por amplificação (do "quoi", i. e., da matéria). Em seus Palimpsestes, Gérard Genette ilustra esse tipo de relação, citando o conto "Hérodias", de Flaubert. E o procedimento do autor francês é o seguinte: tomando a narrativa bíblica que registra o episódio da prisão e decapitação de João Batista, a pedido de Herodias, esposa incestuosa de Herodes, Flaubert transpõe-na para o espaço ficcional do conto "Hérodias", onde a amplia, colocando a sua voz farta sobre as vozes lacônicas dos narradores evangélicos (Mateus e Marcos).

  © Mabe Bethônico 1996-2006