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O verão se aproxima e o período de chuva também. A melhor solução para aplacar a fúria de enchentes que ano após ano provocam prejuízos materiais e mortes é apostar na canalização de cursos d´água, favorecendo a rápida evacuação hídrica, certo? A resposta é um sonoro não, para os participantes da mesa Gestão das cidades e drenagem urbana: a questão da canalização de rios e córregos, que abriu hoje o congresso Desenvolvimento urbano sustentável e gestão ambiental. Segundo José Roberto Borges Champs, coordenador do Plano Diretor de Drenagem de Belo Horizonte (Drenurbs), desde a fundação da capital, o poder público investiu cerca de um bilhão de dólares em canalizações e hoje ainda vivemos os riscos de enchentes. A solução, para ele, passa por mudanças de enfoque. "Devemos buscar boa gestão do problema, que pressupõe visão integrada, sustentável e participativa", defendeu. Champs afirmou que um passo importante nesse sentido foi dado em 1999, quando a Prefeitura de Belo Horizonte criou seu plano de drenagem e inverteu a proposta de canalização de cursos d´água pelo uso de tecnologias alternativas que respeitam os leitos naturais. "Além disso, o foco agora é a bacia e não mais o fundo do vale", ressaltou, lembrando que idéias como estocagem de água e aumento da porosidade das superfícies mostram-se viáveis. A capital tem mais de 700 quilômetros de rios e córregos em seus pouco mais de 330 quilômetros quadrados. Desse total, 200 quilômetros transformaram-se em avenidas sanitárias, um atentado contra a vida, de acordo com Champs. "Na época da seca, os leitos ficam secos. No período da chuva, a velocidade da água passa de 10 metros por segundo. O que vai viver nessas condições?", indagou. Além disso, o coordenador alertou que levantamentos feitos em 2001 mostraram que todos os cursos d´água belo-horizontinos estavam contaminados por esgoto. Sadalla Domingos, professor da USP, comparou os sistemas de São Paulo e Belo Horizonte. Disse que ambas as populações vivem sobre bombas-relógio, que vão estourar nos próximos anos se nada for feito. "Tanto uma cidade quanto a outra conta com abundância de cursos d´água que sempre foram desprezados e forçados a sumir da paisagem urbana em trajetórias subterrâneas", criticou. Segundo o professor, a pouca simpatia com os rios é um fato histórico. "Ainda no período colonial são feitos os primeiros registros de que os portugueses consideravam os riachos de São Paulo empecilhos para suas vidas". De acordo com Sadalla, as calamidades públicas provocadas por enchentes tornam-se, muitas vezes, avenidas para a corrupção no Brasil. Para o professor, as inundações vêm, e em nome de uma grande urgência para se evitar danos maiores, empresas são contratadas para resolver problemas que não podem ser solucionados pelos métodos aplicados por elas. "Criamos uma indústria de obras caras, corretivas e sem projetos", acusou. O alemão Wilfred Teüber, da Diretoria de Recursos Hídricos do Ministério de Meio Ambiente da Alemanha, apresentou a nova legislação germânica para o controle de enchentes. "Em 2002, vivemos terríveis inundações que transformaram nova visão do problema, que ganhou conotação nacional", disse, calculando em bilhões de euros os prejuízos provocados pela chuva naquele ano. Teüber afirmou que todos os estados alemães, em obediência às leis, deverão definir e declarar suas áreas inundáveis, que não podem ser urbanizadas e nem ocupadas para agricultura. Além disso, não pode mais haver obras que aumentem a possibilidade de enchentes na Alemanha. "Tudo isso faz parte de um projeto de controle preventivo das inundações". O alemão apresentou também estatísticas de climatologistas que demonstram que o número de enchentes cresceu em todas as décadas desde 1950. "Entre 50 e 59, registramos 20 casos de inundações. Entre 90 e 99, foram 89 ocorrências", comparou. Teüber ressaltou que as enchentes alemãs são fruto de políticas históricas de estreitamento dos leitos dos rios para navegação e utilização de áreas para a agricultura. "Mais de 80% de nossos cursos d´água sofreram alterações. Agora, nosso grande esforço é pela renaturalização. Só a Baviera deverá dar formas naturais a 2.500 quilômetros de rios até 2020, investindo cerca de 2,3 bilhões de euros", explicou, lembrando que Munique deverá ser a primeira grande cidade européia a ter praia de rio. Abertura A reitora aproveitou seu discurso para reiterar a posição contrária da Andifes e da UFMG em relação ao parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que determina a reserva de vagas em universidades públicas para militares transferidos. "O parecer restaura privilégios intoleráveis, inclusive contrariando artigos constitucionais. Estabelece a mais sórdida das lógicas dos ganhos corporativos, que só podem ser entendidos como compensações salariais indiretas", atacou.
Promovido pelo projeto Manuelzão, o congresso foi aberto pela reitora Ana Lúcia Gazzola, que se disse honrada em dirigir uma Universidade com programas de tal envergadura. "O Manuelzão é referência para a UFMG porque representa muito bem a síntese de ações de pesquisa, ensino e extensão', afirmou, ressaltando que o projeto é também a alma da Universidade.