Foca Lisboa |
Uma mesa-redonda com os cineastas Nélson Pereira dos Santos, mentor, Eliane Café, Helena Solberg e Cláudio Daniel, no auditório da Reitoria da UFMG, encerrou na noite de terça-feira, 26, o módulo Cinema e culturas locais, primeira etapa do projeto Jovens Artistas - a Universidade recebe a nova geração, realizado com apoio da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (Sesu-MEC). Méritos "Temos sido obrigados a dedicar o melhor de nossos esforços para manter aberta a universidade, sem condições estáveis para investidor no desenvolvimento institucional. Por isso, projetos como esse são bem vindos e revelam que o MEC está chamando a si a promoção da cultura", disse Ana Lúcia, que aproveitou para anunciar a aprovação do projeto de construção, pela UFMG, do prédio do Teatro Universitário (TU), obra há muito reclamada pela comunidade universitária, com orçamento previsto de R$ 600 mil. O representante da Sesu-MEC, Godofredo de Oliveira Neto, disse que o projeto Jovens artistas se inscreve no projeto maior do ministério Artes na Universidade, que tem como objetivo contribuir para a inclusão cultural dos estudantes. "A cultura é tão necessária quanto o atendimento das necessidades básicos do homem e contribui para a formação dos cidadãos, que é um compromisso da universidade". Fazer cinema Eliane Caffé, a primeira a intervir, revelou que sua experiência de dois longa-metragens, Kenoma e Narradores de Javé, que dirigiu, convenceram-na da necessidade de buscar novos caminhos para a criação artística. "Estamos muito fechados num círculo de auto-referências, quando o importante é recuperar o espírito expedicionário dos modernistas e construir a obra a partir da investigação direta do real". Em seu depoimento, o diretor de Amarelo manga, Cláudio Daniel, defendeu a necessidade de o artista retribuir ao povo o dinheiro que financia seu trabalho com obras comprometidas com o interesse social. "Fiz esse filme com orçamento baixo, mas sem concessões de qualquer espécie", disse. Ele criticou também as leis brasileiras de incentivo à cultura, por permitirem às grandes empresas criarem seus próprios institutos culturais e canalizar para eles recursos do imposto de renda, "formando grandes patrimônios a custa do dinheiro público". Helena Solberg, realizadora de Vida de menina, após falar de sua formação cinematográfica, que começou com participações modestas em produções do Cinema Novo, seguidas de trabalhos como documentarista no Brasil e nos Estados Unidos, contou de sua experiência com a realização daquele longa-metragem, a partir do livro de Helena Morley, Minha vida de menina. Segundo ela, "foram muitos anos de pesquisa e roteirização, pois o livro - uma narrativa descontínua a partir do diário de uma adolescente - apresentava grandes dificuldades para ser transformado numa história que pudesse ser roteirizada". Mas ela acredita que o filme, ainda inédito no circuito comercial, possa ser bem recebido pelo público. Cultura e universidade Em seguida, falou de sua experiência como professor, primeiramente na Universidade de Brasília, quando em 1965 um grupo de pioneiros ainda tentava salvar das ameaças do regime militar o projeto de universidade criada por Darcy Ribeiro. "Naquela época, a UnB oferecia o modelo de universidade aberta à interdisplinaridade e lá realizamos os primeiros programas de extensão cultural, tendo o cinema como motor". Depois de uma crise que resultou numa demissão coletiva de professores na UnB, Nélson Pereira dos Santos foi o criador do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense, levando para lá o eco de suas experiências de Brasília, tendo como foco um audacioso programa de exibições de filmes em uma sala recuperada do antigo cassino de Icaraí. Durante o debate com o público, os cineastas comentaram os problemas da produção cinematográfica no Brasil e as questões relacionadas com a linguagem e a criação artísticas. Esse debate foi moderado pelo diretor e professor de cinema da UFMG, Rafael Conde.
A UFMG foi escolhida para realizar, em caráter experimental, a primeira edição do projeto Jovens artistas, que será estendido posteriormente a outras universidades brasileiras. O encontro de encerramento entre os cineastas foi precedido, nos dias anteriores, por exibições comentadas dos filmes Narradores de Javé, Vida de Menina e Amarelo Manga, dos três jovens diretores convidados, além do clássico Rio, 40 Graus, de Pereira dos Santos.
Em sua saudação aos participantes da sessão de encerramento do projeto Jovens artistas, a reitora da UFMG, Ana Lúcia Gazzola, ressaltou o ineditismo da iniciativa no âmbito das atividades do MEC, "que vem assim contribuir de forma positiva para o alargamento da reflexão sobre a cultura na universidade".
Na mesa-redonda que se seguiu, os cineastas convidados do projeto Jovens artistas trouxeram depoimentos individuais sobre suas carreiras, antes de debater com o público os problemas estéticos e da produção cinematográfica.
O mentor do módulo Cinema e culturas locais do projeto Jovens Artistas, Nélson Pereira dos Santos, propôs-se a fazer uma análise das relações entre cultura e universidade, "sem teorizar, mas a partir de minha própria experiência". Relatou então suas primeiras inquietações como estudante na Faculdade de Direito da USP, nos anos 40, curso que atraia então os jovens que não se encaixavam nas carreiras tradicionais de medicina e engenharia. "No entanto, descobríamos logo que também a faculdade não oferecia qualquer atrativo para esses espíritos inquietos, muitos dos quais - como Lígia Fagundes Telles, Paulo Autran e Juca de Oliveira, além do próprio Nélson - se tornaram escritores, atores, diretores teatrais ou cineastas.