Um túnel multicor, no qual só se entra descalço. Dentro dele, monóculos dependurados, daqueles dos tempos da vovó, mostram fotos de gente feliz. O chão ora é firme, ora é macio. Nas paredes, obras de arte de todos os tipos. O trabalho que mexe com os sentidos de qualquer um foi desenvolvido por usuários do Centro de Convivência Psicossocial Providência, na região norte de Belo Horizonte. Segundo a gerente Betânia Guimarães, o labirinto surgiu da idéia de levar os trabalhos feitos nas oficinas para o Encontro Nacional de Saúde Mental, que reúne cerca de 1,5 mil pessoas no Campus Pampulha, desta quinta-feira, 13 de julho, até o próximo domingo, 16. Quem aceita o convite e tira os sapatos embarca num mundo onde os limites e as texturas estão bem longe do cotidiano do que se convencionou chamar de “normal”. A nova experiência também está do outro lado do túnel. Basta olhar os corredores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) para perceber a presença dos portadores de doença mental. Celso Rodrigues dos Reis, de 32 anos, tem uma visão aguçada. Usuário do Centro de Convivência Psicossocial Artur Bispo do Rosário, no bairro Horto, ele afirma ter gostado do campus e revela: “Gostei muito da oficina de música. Além disso, o campus é um lugar bem bonito”. O psicanalista Mark Nápoli, da comissão organizadora do Encontro, reforça que o objetivo principal é discutir e reforçar o fim dos manicômios e das internações desnecessárias em hospitais psiquiátricos. “Queremos a constituição de uma rede de serviço. O Brasil começou essa reforma psiquiátrica há 15 anos, mas ainda há muito a fazer”, afirma. No evento, são discutidos modelos capazes de substituir a internação, prática comum até meados dos anos 1980. “Hoje, não se usa tirar a pessoa do convívio social e trancafiá-la. O ideal é tratar a pessoa dentro da sociedade. Precisamos aprender a conviver com os pacientes de doença mental”, reitera. Números Para mudar essa realidade, o Encontro discute a implantação de serviços residenciais terapêuticos, onde os portadores de doença mental pudessem viver livres e ter afazeres de qualquer cidadão, como ir à padaria ou ao centro da cidade. “Muitas vezes, por ter ficado internado anos a fio, a pessoa perde o contato com a família e com a sociedade. No hospital, ela vai perdendo a autonomia”, analisa o psiquiatra. O Encontro Andarilhos Programação cultural Sábado é dia de apresentação do Coral Ser Sã, do Centro de Convivência de Divinópolis. O encontro se encerra no domingo, às 12h, com o show da banda Os Inocentes de Santa Tereza. Toda a programação cultural é realizada na Praça de Serviços, com entrada franca. O endereço é Avenida Antônio Carlos, 6.627. Para mais informações, clique aqui.
Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, em 1985, havia cerca de 100 mil leitos psiquiátricos. Esse número foi reduzido para 42 mil. No lugar dos manicômios extintos, cerca de 900 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) estão espalhados pelas cinco regiões brasileiras. Em Belo Horizonte, são nove centros de convivência. Contudo, mesmo com os avanços, cerca de 18 mil portadores de doença mental ainda vivem em hospitais psiquiátricos, por não ter para onde ir. Em Minas, são 1,5 mil pacientes nessas condições.
A idéia do Encontro, cujo tema é A reforma psiquiátrica que queremos: por uma clínica antimanicomial, veio da parceria de movimentos sociais antimanicomiais, com órgãos como o Fórum Mineiro de Saúde Mental, a Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial, os conselhos Federal e Regional de Psicologia, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a própria UFMG. “A exclusão social do portador de sofrimento mental continua sendo um grave problema social e cultural. Precisamos mudar esse quadro”, avalia o vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, Marcus Vinícius de Oliveira. Ele lembra que o Encontro também enfatiza a necessidade de discussão do papel do profissional da saúde nesse processo.
A assistente social Evanilde Gomes da Cruz veio de São Vicente, na baixada santista, em São Paulo, para participar do Encontro. Ela conta que desde a infância se interessa pelo trabalho com portadores de doença mental. Quando morava em um casarão em cidade do estado do Piauí, via muitos andarilhos, chamados de loucos. “Ficava inquieta com o jeito daquelas pessoas, que vagavam pelo interior do Nordeste”, lembra. Evanilde fez Serviço Social na Universidade Federal do Piauí e trabalhou em antigos manicômios do estado. No começo da década de 90, decidiu migrar para a região Sudeste, onde começavam os primeiros trabalhos alternativos aos manicômios. “Sempre acreditei na reforma psiquiátrica. No manicômio, o que segura as pessoas é o muro. Já nos centros, são as pessoas e o carinho que seguram os usuários”, diz, com a experiência de 20 anos na profissão.
Contudo, o Encontro não é feito apenas só de debates. Programação cultural diária agita o evento. Além disso, foi montada na Praça de Serviços uma feira com 20 barracas, com trabalhos dos portadores de doença mental. Nesta quinta-feira, às 21h, tem show do grupo de samba Zé da Guiomar. Na sexta, às 13h, haverá apresentação do Trem Tam Tam, grupo musical formado por integrantes dos centros de convivência Providência e Venda Nova.