Cerca de 500 pessoas, que lotaram o auditório Neidson Rodrigues, da Faculdade de Educação da UFMG, na manhã desta terça-feira, 24, assistiram a palestra da filósofa Marilena Chauí, professora da Universidade de São Paulo (USP). Ao lado da vice-reitora Heloísa Starling e da diretora da FaE, professora Antônia Vitória Aranha, Chauí apresentou conferência sobre o tema Ética e política no Brasil contemporâneo para, em seguida, responder a perguntas da comunidade universitária. O evento foi promovido pela diretoria da Unidade acadêmica em parceria com o Projeto República, do departamento de História da Fafich. Antes do início da palestra, a diretora da FaE, Antônia Vitória Aranha, ressaltou a importância da visita de Marilena Chauí à Universidade. Além disso, comentou a tradição da Faculdade de Educação como palco de debates imprescindíveis ao País: "Mais uma vez, a FaE não se nega a discutir os problemas brasileiros". A vice-reitora Heloísa Starling lembrou a série de parcerias já realizadas entre a Faculdade e o Projeto República e relembrou a visita à UFMG, na segunda-feira, 23, do ministro Fernando Haddad. "Pela primeira vez na história desta Instituição, um ministro prestou contas à comunidade universitária. Estou muito feliz, pois a política retornou ao campus", disse. Ao comentar a vinda da filósofa à Universidade, a vice-reitora relembrou a vasta obra da pesquisadora, estudiosa do pensamento de Maurice Merleau-Ponty e Baruch de Spinoza. "Marilena Chauí saiu do conforto de seu trabalho na USP para, mais uma vez, discutir o Brasil e a esfera pública. Neste momento de crise, estamos diante da mais importante intelectual do País", ressaltou. No início de sua exposição, Marilena Chauí ressaltou aos presentes que apresentaria reflexões em torno dos princípios éticos. Na palestra, buscou distinguir, essencialmente, o que chamou de "ética na ou da política". Antes de prosseguir com a discussão sobre o Brasil contemporâneo, a filósofa apresentou uma série de conceitos acerca da especificidade das condutas do "agente ético", um ser racional, responsável e consciente, que sabe o que faz. "Ética pressupõe consciência, liberdade e responsablidade", disse. A partir daí, destacou uma série de conceitos que se inter-relacionam. O indivíduo virtuoso seria "bom e justo". "Mas ele só será virtuoso se for livre. Para ter liberdade, deve ser autônomo. E, como autônomo, deve criar regras e normas de ação", explicou. Neste ponto, os valores constituem a "tábua" de deveres e fins - sociais - que obriga o sujeito a agir de determinada maneira. "O agente não age de acordo com sua liberdade, mas segundo a moral". Para que seja efetivo o processo de implementação da ética, o agente deve se reconhecer como co-autor das normas morais. "A razão só é ética se realizar a natureza livre do agente. E se esse sujeito respeitar a liberdade dos outros", disse. A conceituação da filósofa serviu a ela para que retomasse um ponto importante: a idéia de que, hoje, a sociedade passaria pelo que chamou de "retorno à ética". "Esse pensamento pressupõe que devêssemos reencontrá-la, como se não fosse o que é, mas só se realizasse a partir de nossa ação", comentou. Narcisismo Neste cenário, a filósofa critica, justamente, a idéia de retorno à ética, como se se tratasse de certa "panacéia geral". "Muitos pensam a prática ética, hoje, como reforma dos costumes", disse. O termo, no entanto, vem do grego ethos, relacionado ao caráter do indivíduo no interior de uma coletividade. "A moral diz respeito aos costumes. E, atualmente, a ética é pensada como moralidade restauradora de valores morais", explicou. Tal pluralidade da ética significa que ela se confunde com os códigos da instituição, com suas normas e funções. "Mais do que ideologia, essa pluralidade da ética gera alienação, pois ela é fragmentada em pequenas morais locais e se torna competência de especialistas", afirmou. Daí, pois, o surgimento dos comitês que buscam investigar princípicios éticos, padrões localizados e o surgimento de uma série de padrões especializados: "Hoje, há éticas diferentes para o motorista, o médico, o farmacêutico ou o pedreiro. Tais princípios acabam contradizendo-se uns aos outros". A idéia de retorno à ética, neste ponto, buscaria a defesa humanitária contra a política ou a violência. "Neste cenário, Organizações Não-Governamentais são reduzidas a instituições assistencialistas", disse Marilena Chauí, ao ressaltar que, em tal panorama, a "ética torna-se a negação da ética". Segundo a filósofa, no entanto, o ideal "do bem, do justo e do feliz" é que determina a auto-construção do sujeito ético. Política O resgate da história da essência dos preceitos de política serviu para que Marilena Chauí discutisse duas importantes noções de justiça: partilhável e participável. A primeira categoria aponta o que pode e deve ser distribuído. "Neste ponto, para ser ético, é preciso tratar os desiguais de forma desigual", disse. Já a chamada justiça participável, que diz respeito à prática do poder político, a lógica seria outra: "Neste caso, para haver ética, é injusto tratar desigualmente os iguais. É preciso que os governos realizem suas ações com a participação direta e indireta da população, através de suas instituições e conselhos de representação", afirmou. A prática democrática alimenta-se de tal participação. "A política, pois, não pode ser vista como fruto da competência técnica de determinados atores e governos. Se pensarmos apenas em técnica, não haverá ética", comentou. Em sua exposição, a pesquisadora também distinguiu as concepções pré e pós-modernas de política. A primeira estaria associada à noção de um representante investido das funções divinas. "O poder de decisão, portanto, é pessoal. O espaço público é idêntico ao particular", explicou. Já segundo a noção pós-moderna, a política vincula-se ao marketing e o indivíduo é reduzido à figura de consumidor. "Neste ponto, acontece a trivialização do político e do cidadão", ressaltou. Spinoza Ao concluir seu pensamento, portanto, Marilena Chauí relacionou algumas das características imprescindíveis às instituições de um país democrático. Em primeiro lugar, citou aquelas responsáveis pela criação, ampliação e consolidação da cidadania relacionada às preceitos econômicos e sociais. "São instituições responsáveis pela justiça distributiva. Não se pode transformar direitos em serviços, de acordo com as leis de mercado", defendeu. A filósofa também ressaltou as intituições responsáveis pela redefinição das formas de representação, que combatem o clientelismo, a tutela e o que chamou de "políticas do favor". "Não criamos instituições para atender a demandas particulares", disse. Chauí comentou, ainda, a necessidade de luta pela justiça distributiva. "No primeiro turno das eleições presidenciais, ficou clara a luta de classes. As instituições, portanto, devem estar abertas às contradições", completou. Ao final de sua palestra, além relembrar episódios de sua participação como membro do Conselho Nacional de Educação, Marilena Chauí participou de debate com os estudantes, professores e funcionários que lotavam o auditório Neidson Rodrigues, na Faculdade de Educação. Ela respondeu a questões sobre assuntos como Prouni, cotas para negros e índios nas instituições de ensino superior e Reforma Universitária. A filósofa Membro-fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), integrante do Diretório Estadual e, a seguir, do Diretório Municipal do Partido, foi secretária municipal de Cultura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina. Integra a Comissão Teotônio Vilela e vem escrevendo trabalhos sobre ideologia, cultura, universidade pública, além de obras acerca das filosofias de Merleau-Ponty e Spinoza.
Para detalhar essa "necessidade de ética", Marilena Chauí expôs alguns fatores que, de certa forma, fragmentaram o conceito do termo. Entre os fatores para a mudança de significado, a pesquisadora explicou como a idéia de "ética" aproximou-se de "parâmetros de sucesso individual e de crença religiosa". Além disso, as mudanças tecnológicas cristalizaram a ciência como "força política, produtiva e parte integrante do capital". Segundo a professora, vive-se, hoje, numa sociedade midiática e de bens efêmeros. "O sujeito narcisista da atualidade cultua a mídia e suas promessas de juventude, beleza, felicidade e saúde", completou.
Na segunda parte de sua apresentação, Marilena Chauí promoveu reconstituição da noção de política, capaz de diferenciar de outros povos os gregos e romanos. "Deles surge a idéia de poder público e a criação de instituições de deliberação e decisão", contou. O poder público nasce da autoridade da distinção dos papéis de chefe familiar, militar e religioso, funções antes atribuidas a um único indivíduo, o Rei. A partir daí, a pesquisadora resgatou, principalmente através do pensamento de Maquiavel e Aristóteles, a concepção moderna de política. "Aristóteles foi o primeiro a ter clareza da distinção entre o privado e o coletivo", explicou.
Para dar sequência à discussão, Marilena Chauí recorreu às idéias de um de seus filósofos prediletos, Baruch de Spinoza, autor do clássico Ética. "Estudioso das paixões humanas, Spinoza afirma que é ficção e loucura esperar que os governantes ajam apenas racionalmente", comentou. Tal constatação, acerca da infalibilidade do representante político, serviu à pesquisadora como base de um dos principais argumentos de sua exposição: "Para haver paz, é preciso ordenamento institucional".
Marilena Chauí cursou Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), onde também fez pós-graduação e defendeu seu mestrado. Iniciou, em 1967-69, seu doutorado na França e veio defendê-lo em 1971, também na USP, onde, em 1977, defendeu sua tese de livre-docência e, em 1987, fez concurso e tornou-se professora titular de filosofia. Leciona no Departamento de Filosofia da USP e sua áreas de especialização são História da Filosofia Moderna e Filosofia Política.