Diante das novas atribuições e valores femininos, as mulheres do século XXI decidiram adiar a maternidade. Mas o desejo de ser mãe enfrenta uma ameaça: o câncer. Apesar dos avanços terapêuticos, o tratamento oncológico ainda é incapaz de combater a doença sem interferir na capacidade reprodutiva. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2006, 230 mil mulheres morreriam em decorrência do câncer do colo do útero – tipo que tem maior incidência na idade fértil feminina. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca) a doença torna-se mais evidente na faixa etária entre 20 e 29 anos. O risco aumenta rapidamente até atingir seu pico, entre 45 e 49 anos. O tratamento atual, que consiste nas sessões de quimio e radioterapia, pode deixar as mulheres inférteis – o risco de perda da função ovariana é de 50% -, além de provocar a menopausa precoce, antecipando seus efeitos colaterais e impedindo a gravidez. Mas uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina (FM) da UFMG cria uma nova possibilidade de tratamento a partir de técnica já existente. Em fase experimental em animais, ela consiste em congelar parte do ovário da paciente para que, após o tratamento do câncer, ele seja reimplantado. A novidade é que as funções reprodutivas seriam recuperadas por meio da estimulação dos folículos – estruturas funcionais dos ovários que contêm os óvulos– com a injeção do hormônio foliculoestimulante (FSH). Mesmo se o câncer afetasse um dos ovários, seria possível transplantar o tecido do ovário saudável. A tese de doutorado “Indução da foliculogênese após transplante autólogo de ovários congelados/descongelados em peritônio de ratas”, de autoria do ginecologista José Helvécio Kalil de Souza (Foto), especialista em oncologia, foi defendida no Programa de Saúde da Mulher da FM, no dia 5 de julho de 2007. O trabalho segue uma linha de pesquisa orientada pelo professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Selmo Geber, especialista em reprodução humana. Foram utilizadas 30 ratas da raça holtzman com mais de 12 semanas de vida – idade suficiente para atingir a maturidade sexual. Segundo Kalil, esses animais apresentam um ciclo reprodutivo “contínuo e curto”, de apenas quatro dias, possibilitando várias observações em pouco tempo. A recuperação das funções reprodutivas após o congelamento e descongelamento dos ovários transplantados foi totalmente eficaz nas ratas. “100% dos transplantes apresentaram desenvolvimento folicular”, afirma Kalil. O ginecologista explica que o transplante autólogo - a partir do mesmo indivíduo - já é realizado em alguns casos, de forma experimental (não-científica), no tratamento de mulheres com câncer. Ele chama a atenção para o fato de que, por enquanto, o resultado é positivo apenas na retomada da produção de hormônios pelos ovários, mas no aspecto reprodutivo ainda não houve o mesmo sucesso, uma vez que ainda não foram descritas gestações. Conciliar os dois fatores seria a garantia de mais qualidade de vida para as pacientes depois da cura dos tumores. A próxima etapa do estudo é testar o novo procedimento em mulheres. Pode demorar entre 5 e 10 anos até o transplante ser adotado como rotina clínica, mas se isso ocorrer será uma revolução na medicina reprodutiva. Segundo Kalil, isso significaria “dar vida à sobrevida da paciente”. CRONOLOGIA Em 2000, Geber orientou a pesquisa de Flávio Vasconcelos, iniciando o transplante autólogo de ovários em ratas sem reanastomose vascular (ligação das artérias). Segundo Geber, este estudo foi realizado para testar a metodologia do transplante. “Retiramos os ovários e reimplantamos na própria rata”, explica. Em seguida, os pesquisadores avaliaram o ciclo reprodutivo dos animais e confirmaram o funcionamento adequado, semelhante a ratas sem transplante. “Uma vez desenvolvida esta técnica, realizamos o congelamento e descongelamento dos ovários antes de fazer o transplante, e achamos resultados semelhantes. Assim, confirmamos que o congelamento não interfere nos resultados”, relata Selmo Geber, referindo-se à pesquisa realizada por Luiz Felipe Spyer. A novidade trazida pela pesquisa de José Helvécio Kalil é a avaliação dos efeitos do congelamento sobre a estimulação do ovário com FSH. “Novamente não encontramos efeitos negativos”. (Matéria publicada pela Assessoria de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG)
O estudo dá continuidade a outros dois experimentos realizados sob a orientação de Selmo Geber.