Os químicos não gostam muito de ser chamados de alquimistas, mas ainda transformam doença em saúde e “lama” (matéria-prima muitas vezes indesejável) em “ouro”, os remédios vendidos pelos laboratórios. A diferença é que eles não são movidos pelo interesse no lucro pessoal: buscam novos produtos e processos que criem riqueza, poder de decisão, empregos e bem-estar coletivo. A imagem foi usada hoje pelo professor Fernando Galembeck, do Instituto de Química da Unicamp e do Instituto do Milênio de Materiais Complexos, ligado à Universidade de São Paulo, que falou hoje em conferência no campus Pampulha da UFMG. O tema da conferência, realizada no auditório da Escola de Veterinária, foi Alquimia no século XXI: ciência, riqueza e bem-estar. O evento integra o ciclo Sentimentos do mundo, parte das comemorações dos 80 anos da UFMG. Galembeck abriu a apresentação com a afirmação de que seu discurso procura ser otimista. “Temos que olhar assim para o futuro. O pessimismo é mais fácil, mas o otimismo nos dá mais coragem”, ele disse. Defendeu, como ingredientes fundamentais ao trabalho do cientista, a fé e a convicção de que a natureza pode ser melhorada. E refutou o mito, muito difundido, de que na química e outras áreas da ciência muitas descobertas são feitas “por acaso”. “Nada é por acaso. O cientista pensa, trabalha, pesquisa, apenas muitas vezes uma investigação começa com determinado objetivo e chega a uma conclusão inesperada. POr isso temos que estar sempre muito atentos”, argumentou Galembeck, pós-doutor pelas universidades do Colorado e da Califórnia, nos Estados Unidos. Pigmento branco: pesquisa com aplicação prática Ele aproveitou para falar da emoção de ver a planta em funcionamento e revelou o grande potencial de interação de suas pesquisas com projetos industriais. “Temos de conciliar a contribuição pelo conhecimento com o significado prático das pesquisas científicas”, Galembeck defendeu com ênfase. "Inovamos, sim”
Fernando Galembeck falou também sobre um dos casos mais interessantes de parceria entre universidade e empresa no país. Ele e sua equipe na Unicamp desenvolveram um pigmento branco para tintas a partir de nanopartículas de fosfato de alumínio, batizado de Biphor. O produto vai substituir
gradativamente os pigmentos feitos com dióxido de titânio, utilizados hoje para a fabricação de todos os tipos de tintas à base de água. Essa matéria-prima não é bem-vista atualmente por causa de sua toxicidade. A empresa Bunge lançou o produto – fabricado no Vale do Ribeira, em São Paulo – destinado a um nicho de mercado que movimenta cerca de US$ 5 bilhões ao ano. Segundo o cientista, as tintas feitas com o Biphor são mais duráveis e têm custo menor. Além disso, o Biphor não é prejudicial ao homem e ajuda a preservar o meio ambiente.
Combinando ironia e severidade, Fernando Galembeck contradisse autoridades que, segundo ele, desdenham da capacidade de inovação científica e de geração de riqueza por parte da ciência no Brasil. “Nós inovamos e sabemos usar conhecimento para gerar riqueza. O Brasil é líder, por exemplo, na produção de combustíveis alternativos. Para produzir álcool, ao contrário do que se propaga, não basta terra farta e mão-de-obra barata. Por trás disso há muito trabalho e pesquisa, em diversas áreas, como a genética, e hoje colhem-se mais de 500 variedades de cana”, ele exemplificou. Segundo Galembeck, a indústria química brasileira movimenta US$ 80 bilhões por ano, ficando atrás apenas dos países do G7 e da China. Além disso, ele lembra, exporta tecnologias, monta fábricas no exterior e emprega doutores.
Com a experiência de passagens pela direção de entidades como o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fernado Galembeck defendeu mudança na postura dos docentes universitários brasileiros, que devem ter agendas de pesquisa e trabalhar em programas afinados com políticas de nação. “Nossos objetivos devem ser os objetivos da comunidade”, ele disse, antes de destacar que o Brasil está diante de uma grande oportunidade de liderar a produção de alimentos, energia e matérias-primas industriais. “Mas temos que fazer escolhas, como a de sermos centro, e não perifeira, e valorizar espírito crítico e a humanização”, completou.