Em uma pequena cidade da região norte de Minas Gerais, várias crianças de uma mesma família, na faixa etária dos seis anos, eram acometidas pela perda progressiva da visão e por problemas neurológicos, como convulsões e demência, que levavam à morte em pouco tempo. Sem saber o motivo das mortes precoces, a família vivia em constante sofrimento. Até que médicos, alunos e professores envolvidos no programa de Internato Rural da Faculdade de Medicina da UFMG identificaram o problema e encaminharam o caso para o Ambulatório de Erros Inatos do Metabolismo do Hospital das Clínicas. Profissionais do Ambulatório foram até a cidade, fizeram entrevistas, coletaram sangue de várias pessoas, construíram a árvore genealógica das famílias e chegaram à raiz do problema: a lipofuccinose ceróide neuronal, uma doença genética degenerativa rara. “Apesar da gravidade, o diagnóstico trouxe alívio para a família. Eles ficaram satisfeitos por terem sido cuidados”, conta o professor Tarcísio Márcio Magalhães, do Internato Rural. Agora, os portadores da doença podem vislumbrar até mesmo a possibilidade da cura. Ao trocar experiências com cientistas durante um congresso em Portugal, promovido pela Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas, a professora Eugênia Valadares, coordenadora do Ambulatório e do Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo, conheceu um tratamento que poderá atenuar a evolução desta doença. “É a ciência levando a transformação médico-social”, define Eugênia, satisfeita com os resultados do trabalho realizado há quase três anos, numa parceria entre o Ambulatório e Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo do Hospital das Clínicas e o Laboratório de Genética Animal e Humana do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mapeamento e informação A forma clássica da adrenoleucodistrofia pode levar crianças entre os quatro e sete anos de idade à morte, principalmente do sexo masculino. Mas já foi comprovado que o chamado óleo de Lorenzo, mistura dos ácidos oléico e erúcico, pode ser eficaz em casos precocemente diagnosticados de ALD. Outra doença já identificada em Minas Gerais é a Síndrome de Segawa ou distonia progressiva hereditária com variação diurna. Muitas vezes confundida com a paralisia cerebral, provoca o enrijecimento dos membros inferiores, principalmente durante o dia. Entre 55 integrantes de uma mesma família, a mutação foi identificada em 20 pessoas. Muitas delas haviam sido submetidas à tendectomia, operação de retirada dos tendões, quando poderiam ter os sintomas controlados com um medicamento, se os médicos estivessem preparados para reconhecer a doença. O diagnóstico da enfermidade é realizado em dois centros de referência em Minas Gerais: o Hospital das Clínicas da UFMG e o Hospital Sarah Kubitscheck, em Belo Horizonte. Os pesquisadores, no entanto, pretendem implantar um projeto voltado para a descentralização do atendimento às famílias com erros inatos do metabolismo, a partir da qualificação de profissionais da área da saúde. “As famílias sem atendimento e sem diagnóstico conclusivo estão principalmente no meio rural”, justifica uma das idealizadoras da iniciativa, a professora Ana Lúcia Brunialti, do Laboratório de Genética Animal e Humana do ICB. Ela explica que a idéia é estabelecer uma rede de profissionais capacitados para fazer o diagnóstico, o acompanhamento dos pacientes e o aconselhamento genético, que consiste em dizer ao paciente quais são as chances de ele desenvolver a doença ou ter descendentes afetados. A próxima etapa do projeto é ampliar a investigação e o mapeamento das doenças degenerativas e metabólicas no estado. Também será desenvolvido um portal didático na Internet, com o objetivo de facilitar o acesso à informação pelos pacientes e profissionais envolvidos no diagnóstico e tratamento das doenças. (Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina da UFMG)
Além da lipofuccinose neuronal, outras doenças degenerativas raras, de histórico familiar, estão sendo mapeadas em Minas Gerais pelo grupo de parceiros. Uma delas é a adrenoleucodistrofia (ALD), que ganhou notoriedade com o filme O óleo de Lorenzo. Aos poucos, o portador perde a capacidade de se mover, ouvir, falar e respirar, em decorrência da falta da mielina, substância que reveste os neurônios.