Enquanto não houver dignidade não haverá sociedade civil. Com essa constatação, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos abriu na tarde de hoje a conferência Sociedade civil e pós-colonialismo: um debate sobre paradigmas para o entendimento da América Latina, que marcou o lançamento do Centro de Estudos Sociais da América Latina (CES/AL), parceria entre a UFMG e pesquisadores do CES/Coimbra e de outras instituições brasileiras e latino-americanas. Na palestra A sociedade civil vista sob a perspectiva do pós-colonialismo, o sociólogo analisou o processo de formação do conceito de sociedade civil para destacar a ambiguidade que ele carrega. “A ideia de sociedade civil, que nasce como um espaço de autonomia da classe burguesa em relação ao Estado e o mercado, emerge num momento em que grande parte da população do mundo era escrava nas colônias europeias”, disse Boaventura, completando que as incongruências entre o conceito e a realidade social permanecem até os dias de hoje, materializadas na exclusão de grupos sociais como negros, índios e homossexuais e no desrespeito aos direitos humanos, como ocorre na prisão de Guantánamo. Por esses motivos, ele defende ser necessária uma nova definição do conceito, que considere as heranças deixadas pela colonização dos países da América Latina, como o racismo e a distribuição de terras, no caso do Brasil. Segundo o sociólogo, esse é um desafio que extrapola o debate acadêmico. “É um problema ontológico, epistemológico e político”, afirmou Boaventura. O professor da UFMG e coordenador do Centro de Estudos Sociais da América Latina (CES/AL), Leonardo Avritzer, prosseguiu com a conferência, abordando o tema O pós-colonialismo visto sob a perspectiva da sociedade civil. Segundo ele, por muito tempo a América Latina foi entendida como mera reprodução dos mundos europeu e norte-americano. “Acreditava-se que todas as categorias europeias e norte-americanas poderiam ser aplicadas aqui”, comentou, ao acrescentar que a região também era vista como ambiente de concepções completamente alternativas em relação ao constitucionalismo, ao liberalismo e às ideias de esfera pública e de sociedade civil. “O que defendemos é que na verdade a América Latina não está nem tanto em uma direção nem na outra. Ela tem uma especificidade, que inclui tradição de diálogo com o constitucionalismo e com o liberalismo, mas também não se limita a essa tradição." Como exemplo dessa especificidade, citou as constituições que surgiram depois da redemocratização, como a brasileira, a boliviana e a equatoriana. “Elas dialogam com a tradição democrata e liberal da Europa e dos Estados Unidos, mas vão além. A constituição brasileira é um bom exemplo: introduziu mais formas de participação, direitos coletivos, reconheceu um conjunto de direitos e de formas de propriedade que não estão apenas no campo do liberalismo político.” Boaventura e Avritzer debateram com os participantes as questões apresentadas, com mediação da vice-reitora da UFMG, Heloisa Starling. Estiveram presentes na conferência de lançamento do CES/AL professores e alunos da UFMG, os reitores da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, e da UFV, Luiz Cláudio Costa, e representantes da Secretaria Especial de Direitos Humanos e da Secretaria Geral da Presidência. Leia Mais
UFMG sediará Centro de Estudos Sociais da América Latina