Universidade Federal de Minas Gerais

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As solidariedades estão voltando, diz Eugène Enriquez

sexta-feira, 7 de agosto de 2009, às 9h00

Eugène Enriquez, sociólogo francês cujo nome está intimamente ligado à psicossociologia e à sociologia clínica, faz conferência hoje no auditório da Reitoria em colóquio promovido na UFMG em sua homenagem (saiba mais). Ainda em Paris, ele concedeu entrevista ao Boletim UFMG que será publicada em versão condensada na edição de 10 de agosto. Aqui está a íntegra da conversa, que foi conduzida pela psicóloga Ana Massa, ex-aluna da UFMG e doutoranda em regime de cotutela internacional pela Universidade de Paris 7 e pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

O que inspirou a criação da psicossociologia e da sociologia clínica? Como foi levar as práticas psicanalíticas do plano individual para o coletivo?
É preciso falar da psicossociologia de modo diferenciado da sociologia clínica, ainda que elas sejam semelhantes, e falar também da psicanálise. No que concerne à psicossociologia, é preciso dizer que não é uma invenção francesa. A psicossociologia é, de um lado, uma invenção americana, principalmente de Kurt Lewin, com a criação dos National Training Laboratories (NTL) de Bethel, e também, eu diria, de Moreno, com a sociometria, e Rogers, com a terapia centrada no cliente. Rogers, em princípio, é mais ligado ao individual, passando aos fenômenos de grupo progressivamente. Então, a psicossociologia é ligada de um lado aos Estados Unidos e, de outro lado, à Inglaterra, ao Tavistock Institute de Londres, e em particular a seu inspirador, Balint, e depois aos que dirigiram o instituto, Eric Trist e Harold Bridger. Mas houve um período antes da guerra, na França, em que se tentou aplicar a psicologia à empresa, para compreender os fenômenos de grupo na empresa. Mas isso desapareceu, não deixando muitas consequências. E me parece que todas essas tentativas na França tinham um viés muito conservador e reacionário, muito mais preocupadas em como dirigir as pessoas.

Então, a psicossociologia nasce, na França, verdadeiramente depois da vitória dos Aliados, num momento muito preciso – e isso é interessante –, quando aparece a vontade de reconstruir uma França que fora extraordinariamente danificada pela guerra. E não foi simplesmente por causa da derrota ou da ocupação alemã, mas também as batalhas da Normandia, quando os americanos e os ingleses provocaram seus "desastres colaterais", como se diz atualmente. Na Normandia foram milhares de franceses mortos pelas bombas americanas. Lugares da França foram completamente destruídos. Houve então o Plano Marshall em 1948, para ajudar os países do Oeste a se reconstruir. E sabendo que, infelizmente, durante uma guerra, nós sempre inventamos muitas coisas, os americanos aperfeiçoaram uma certa quantidade de métodos de formação etc. Houve então varias missões francesas que partiram para os Estados Unidos para tentar entender o que se fazia por lá, e voltaram com as ideias americanas. Ao mesmo tempo, os ingleses, que também foram bombardeados, mas que não foram vencidos, já tinham desenvolvido várias coisas, sobretudo na esfera das empresas. Isso tudo chega na França, e há um primeiro grande seminário realizado pela Agência Europeia de Produtividade da época, com alguns dos psicossociólogos que foram aos Estados Unidos, e que foram assistidos por observadores ou coanimadores que faziam parte da escola de Lewin. Participei desse primeiro seminário, em 1954 ou 1955, dirigido do lado francês por alguém que desapereceu da psicossociologia, mas que ainda existe, que é Jacques van Bockstaele. Há também Max Pagès e Claude Faucheux como dirigentes do training-group que os americanos haviam inventado. Em seguida, houve o que a gente chama de grupos de aplicação, quando a gente fazia psicodrama, técnicas de entrevista etc., sob direção do Pagès, que também havia estado nos Estados Unidos. Pode soar um pouco estranho o nome Agência Europeia de Produtividade, já que atualmente há um sentido de rentabilidade, mas como se tratava naquele momento de reerguer a França, havia um acordo geral, quer dizer, da direita francesa ao partido comunista, todo mundo estava de acordo. Eu e muitos outros estivemos no sindicato da CGT (Confederação Geral do Trabalho), que é o sindicato mais à esquerda, e isso não trazia qualquer problema. Havia uma espécie de acordo geral sobre essa questão que durou pelo menos cinco anos.

Ao mesmo tempo, houve a Agência Francesa de Produtividade, na qual eu trabalhei durante um ano. Então decidimos fazer um grande seminário, mas coordenado unicamente pelos franceses. E não tinha nem mesmo um ano de formação… eu tive algumas semanas de formação. E éramos nós que dirigíamos tudo isso.

Então formamos a primeira geração de psicossociólogos com algumas pessoas que estavam em certos organismos, como a EDF (Electricité de France). Criamos a ARIP (Associação para Pesquisa e Intervenção em Psicossociologia), que foi a mais importante, em 1959, mas já havia Berger, que em 1957 havia fundado o Grupo Francês de Sociometria. Jacques Ardoino havia fundado a Associação Nacional para o Desenvolvimento das Ciências Humanas Aplicadas. É a partir daí que tudo isso se desenvolve. Interessante é que o impulso foi dado pelos Estados Unidos, e o primeiro grande seminário realizado pela ARIP em 1959 foi feito com apadrinhamento do Tavistock, que nos enviou dois de seus representantes mais conhecidos, Eric Trist e Harold Bridger, para ver se éramos sérios. E eles nos deixaram uma mulher, Lily Herbert, que ficou conosco e que seria um pouco a mãe de todos, porque tinha 30 anos mais. Foi uma grande aluna de Balint. Ela era de origem francesa, mas havia se casado com um inglês, e por isso fez carreira na Inglaterra. Então, essa era a ocasião para que ela voltasse e trabalhasse conosco. Assim, rapidamente a gente se distanciou da tendência americana porque não havia dialética… Lewin, na realidade, conhecia bem a obra de Freud, e se dedicava aos sentimentos, aos afetos, à racionalidade, mas não queria tratar do inconsciente. Tudo começou ligado à tentativa, resumindo rapidamente, de criar nas empresas francesas um modo de funcionamento mais coletivo, mais colegiado, com decisões mais partilhadas, com o objetivo de real democratização das empresas, na medida em que a tendência americana era de dizer nessa época – agora é mais complicado – que não havia necessariamente contradição entre o crescimento da empresa e a felicidade dos indivíduos. Um pouco utópico, mas foi assim. E todos nós somos de esquerda, ou mesmo de extrema esquerda. Alguns participaram na época do movimento Socialismo ou Barbárie dirigido por Castoriadis, Lefort e Edgar Morin. A esquerda da esquerda, uma esquerda anti-stalinista. Nós fomos todos envolvidos por esse movimento sem a menor dificuldade. Éramos guiados não simplesmente pelo nosso intelecto, mas também pelo nosso entusiasmo de jovens. E é progressivamente que isso começa a colocar problemas nas empresas. Então vamos nos ligar mais às intervenções em instituições educativas, em hospitais, na administração… as coisas se estabeleceram lentamente. Nos distanciamos relativamente rápido da influência norte-americana, mais operatória, um pouco mais manipuladora, mesmo que fosse para tornar as pessoas mais democratas. Um pouco contraditório… é o minimo que podemos dizer (risos).

Assim, a influência inglesa e a influência da psicanálise foram muito fortes, elas tiveram seu papel. Vamos falar da psicanálise antes de falar da sociologia clínica. A psicanálise interessa a praticamente todo mundo, mas individualmente. Percebemos relativamente rápido que deveríamos trabalhar em profundidade com os fenômenos de grupo, como já havia nos mostrado o Tavistock Institute, e alguém que ainda não citei, mas que teve influência importante, que é Bion, com suas pesquisas sobre os pequenos grupos. Percebemos que há fenômenos inconscientes de grupo, e que nós não sabemos tratá-los. Bion sempre havia dito, ele que era psicanalista, que é preciso ter verdadeira formação psicanalítica mesmo para compreender os fenômenos de grupo. Isso é evocado mais tarde também por Anzieu. A psicanálise interessa a todo mundo, pois há fenômenos inconscientes individuais que são revelados dentro do grupo. Há o fenômeno da liderança… frequentemente deparamos com certos momentos de angústia dentro do grupo, quando o mais neurótico toma a liderança, de maneira impressionante. Bion identificou isso muito bem. E depois tem os fenômenos do inconsciente de grupo, seja fenômenos do inconsciente tal como desenvolvido pelas hipóteses de base de Bion, seja aqueles desenvolvidos por nomes como Anzieu e Kaës, como os fenômenos de identificação grupal, de idealização, de sublimação etc. Tudo isso tem um papel muito importante.

Bom, houve uma tentativa de teorização, sendo que no início houve muita experimentação, nós fazíamos como podíamos, inventávamos... e eu acho que essa fase ainda não terminou. É preciso também saber como aplicar isso aos fenômenos sociais globais. Há diferentes escolas, então não podemos dizer que essa passagem do individual ao coletivo ja tenha sido totalmente efetivada. Nós não estamos todos de acordo a esse respeito. E depois, bem mais tarde, em torno de 1985, um colega de Québec com quem eu já havia trabalhado bastante, Robert Sevigny, psicossociólogo e professor de sociologia – ele dirigia o departamento de sociologia da Universidade de Montréal e a mais bela revista de sociologia de língua francesa canadense, Sociologia e Sociedade – me disse que os americanos da Associação Internacional de Sociologia haviam fundado um grupo que chamaram de Sociologia Clínica. Ele se filiou a esse grupo, dirigido por Jan Fritz, e percebeu que, para esse grupo, a sociologia clínica era a sociologia médica. Sevigny me propôs então ajudá-lo a tentar incluir outras pessoas nesse grupo, para que a gente pudesse ter uma visão não somente psicossociológica, mas de efeitos sociais globais que levem em conta uma abordagem próxima de uma psicanálise social, o que no Brasil é chamado de Clínicos do Social. Então fizemos um primeiro grupo em Genebra em 1989, quando convidei Vincent de Gaulejac a juntar-se a nós. E então decidimos tentar lançar aos sociólogos, porque junto aos psicólogos sociais isso já tinha sido feito, a psicologia social clínica existia, mas os sociólogos, sobretudo na França, são muito durkheinianos, marxistas, objetivistas etc. Seria importante uma sociologia que pudesse ser de intervenção, dita sociologia clínica. Então lançamos a ideia de sociologia clínica. E Gaulejac se entusiasma com a ideia e investe profundamente na sociologia clínica. Ele tornou possível a realização de uma reunião na Associação Internacional de Sociologia, quando seriam decididos os fundadores da sociologia clínica, e os três fundadores oficiais são Jan Fritz, Robert Sevigny e eu. Para a Associação Internacional de Sociologia de Língua Francesa, somos Sevigny e eu. É preciso dizer que o dinamismo de Gaulejac permitiu que a sociologia clínica fosse introduzida, isso é certo. Então, como ele tinha ligação com algumas pessoas de cargos importantes na sociologia, na Associação Internacional de Sociologia e na Associação Internacional de Sociologia da Lingua Francesa, eles acabam por reconhecer a sociologia clínica como um comitê de pesquisa como os outros.

Como a sociologia clínica tem ajudado a entender o mundo atual?
Nós nos damos conta de que mesmo para sociólogos que não são necessariamente clínicos, como Robert Castel e François Dubet, não é mais possível tentar compreender os fenômenos atuais se pensamos que as determinações se fazem somente a partir de fenômenos econômicos ou de fenômenos de reprodução "à la Bourdieu". Existe um dinamismo da sociedade e dentro dessa dinâmica há tanto fenômenos racionais quanto fenômenos afetivos. E os fenômenos que chamamos de racionais podem ser explorados por uma psicanálise social, por uma sociologia clínica, por diferentes maneiras. Não devemos permitir uma polarização pelas escolas. Mas é preciso tentar tratar disso. Por isso, por exemplo, no livro Da horda ao Estado, para falar sobre o fenômeno nazista, eu tratei da historia específica da Alemanha, da história específica de Hitler e como isso se entrelaçou. Quer dizer que se tomamos o termo sociologia clínica de modo genérico… para mim, eu estou um pouco na origem da psicossociologia, da sociologia clínica e da sociologia das organizações. Então, eu penso que a psicossociologia clinica é mais importante que a sociologia clinica. Não é à toa que Gaulejac trabalhou em um livro com Nicole Aubert e outros chamado A aventura psicossociológica, e que também esteve presente na comemoração dos 50 anos da psicossociologia. A diferença que eu faria, em grandes linhas, uma diferença simples, é que a psicossociologia clínica tem mais facilidade para tratar de pequenos grupos, de organizações médias, em hospitais, em empresas, na administração ou em certas instituições mais importantes, e a sociologia clínica eu reservaria mais aos fenômenos sociais globais ou às intervenções em meios abertos: um bairro, uma favela, lugares onde é mais difícil definir fronteiras antecipadamente. Mas, quando eu faço intervenções, eu sou ao mesmo tempo psicossociólogo e sociólogo clínico, e eu tento compreender o modo pelo qual os conjuntos tentam se organizar, como eles se institucionalizam. Eu penso que não devemos nos alongar em coisas que foram criadas e que têm origens diferentes, mas que em definitivo exploram o mesmo campo e se aproximam.

Como o senhor atualizaria Da horda ao Estado, seu primeiro livro traduzido no Brasil?
No fim desse livro, e não foram muitas pessoas que perceberam, eu dizia que temia que depois que tivéssemos passado da horda ao Estado, passássemos do Estado à horda. E eu tenho a impressão de nós estamos muito mais nesse campo, quer dizer, estamos vivendo fenômenos nos quais se tenta fazer desaparecer o Estado-Nação, com a ideia de mundialização, de comércios internacionais e ligações planetárias. Esquece-se que houve uma primeira tentativa de mundialização nos anos 1880, que girava em torno do comércio internacional, houve também um pouco dessa tentativa antes da guerra de 1914. Mas agora, efetivamente, estamos em um mundo muito mais mundializado, por causa da internet e tal. E também porque, desde a crise de 1929, sabemos que as economias e os diferentes modos de funcionamento dos países são ligados uns aos outros. Mas, ao mesmo tempo, o termo mundialização deveria propor uma ordem mundial. E não existe uma ordem mundial. E o que percebemos é a pulverização dos antigos Estados-Nações, mais fenômenos de individualização, de pequenos bandos, de corrupção, de desenvolvimento de grupos de gângsteres… em outras situações nós poderiamos falar de États-voyous (Estados delinquentes) e Estados corrompidos. Mas mesmo as grandes nações podem se comportar como estados delinquentes, quando elas intervêm em outros países, como os Estados Unidos fizeram com o Iraque, sem uma autorização especial. Ou em países da África, como o que acontece no Afeganistão. Ou, ainda, podemos pensar em países sólidos, vendo o que se passa na China atualmente. Na China, eles tentam resistir, mas explode em todos os lados. Quando se quer estruturar grandes blocos, em um determinado momento eles se fragmentam mais do que estavam fragmentados antes. O que provoca questões como a que envolve valões e flamengos na Bélgica, o fato de que os escoceses estejam contentes em ter o parlamento deles na Escócia, e que o País de Gales esteja reivindicando também o seu parlamento. E que haja mesmo algumas tendências autonomistas, como acontece na França com a Córsega e com a Liga do Norte, na Itália. Quer dizer que ao mesmo tempo que o mundo se homogeneíza, o medo da homogeneização faz com que as pessoas voltem às suas raízes ou que, perdendo os pontos de referência, sejam restabelecidos fenômenos de ordem, quer dizer, a lei do mais forte, a banda organizada, a gangue etc.

Então, nós sabemos aproximadamente como isso se passa, mas como reagir corretamente, isso eu acho que ninguém sabe ainda como fazê-lo de maneira correta. Mas apesar disso tudo, dessas perdas, dessas rupturas, há fenômenos interessantes de reconstrução de outros tipos de afetos, de produção de outros tipos de solidariedades, seja a solidariedade familiar que volta, seja a solidariedade de vizinhança, seja a solidariedade ética, regional, a tomada de consciência das desigualdades sociais e das pessoas que querem ir contra as desigualdades sociais… como é o tema do colóquio na UFMG. Eu digo tudo isso porque é preciso ver não como algo sempre negativo. E preciso dizer que, e isso é muito interessante, esta é uma ideia da sociologia que me parece muito correta: ao mesmo tempo que o mundo se desorganiza, ele se reorganiza a partir da sua própria desorganização. Quer dizer que você não tem a desorganização e depois a organização. Ele se desorganiza e ele se reorganiza pouco a pouco. Mas o que é o mais impressionante é a desorganização. Os pontos de referência desaparecem, e os fenômenos de reorganização são lentos, mais tênues, mas às vezes, felizmente, mais profundos. Então a minha ideia não é a de que estamos sob o vulcão que somente queima – ele também produz belos voos de cinzas, belas nuvens (risos).

Suas ideias interessam muito aos estudiosos da administração. Como andam as relações de poder no campo do trabalho e como as pessoas poderiam lidar melhor com essa questão?
Nós estamos numa situação muito curiosa. Meu sentimento é o de que as situações de poder na atualidade são claramente menos boas em todo o mundo do que eram quando começamos a trabalhar. Quer dizer que o poder é frequentemente muito menos absoluto, mas ele é muito mais sutil, manipulador, sedutor etc. Então, com a individualização das funções e com a diminuição da força dos sindicatos, muitas pessoas são obrigadas a investir profundamente no trabalho, a se autocensurar e a fazer muito mais do que lhes foi pedido. Mas, ao mesmo tempo, eu não seria completamente negativo em relação aos fenômenos ligados ao individualismo, porque isso implica também em que as pessoas se deem conta que essas questões de poder existem, mesmo que mais sutis. Se tomamos a França como exemplo, Sarkozy é muito mais sutil, mas nunca houve tal controle sobre todo mundo, tão grande manipulação. Ao mesmo tempo, isso permite melhor percepção e melhor abordagem de possibilidades, seja de luta contra esse poder, seja de reivindicação daquilo que queremos desde a segunda guerra mundial, quer dizer, um poder mais partilhado, mais coletivo etc. Mas me parece que é preciso uma verdadeira tomada de consciência da loucura atual, das desigualdades atuais. E é preciso ter muito mais coragem do que antes.

Fale, por favor, sobre o livro que está escrevendo sobre o amor? Que aspectos estão sendo tratados?
Neste momento eu trabalho em três livros simultaneamente. Já escrevi três quartos de um livro sobre a perversão e a sublimação social, como passar do funcionamento paranoico ou perverso de uma sociedade a um funcionamento em que as pessoas poderiam sublimar juntas. Ele trata então de verdadeiros temas sociais. Estou escrevendo também respostas a um livro de entrevista feito por uma das minhas colegas francesas, Claudine Haroche, e pelo psicanalista brasileiro Joël Birman. Os dois me entrevistaram sobre tudo! Sobre minha vida, minhas coisas (risos). E depois, efetivamente, eu estou escrevendo esse livro sobre o amor, já faz alguns anos. Ele anda devagar porque é muito difícil. A única coisa que eu poderia dizer sobre esse tema e que me parece importante é que, para mim, o termo amor é muito forte e ele me parece essencial, em modalidades mais leves, para constituição dos laços sociais, como Freud havia evocado em termos de amizade, de ternura, de solidariedade, de camaradagem, de confraternização. Quer dizer que deve haver um mínimo de simpatia, sendo a simpatia o amor sublimado, que corre entre os seres. Os seres não funcionam somente sob argumentos racionais, que dizem que eles devem viver juntos. Estou totalmente de acordo com Freud quando ele diz, em O mal-estar na civilização, que não é simplesmente o interesse, a necessidade que faz com que as pessoas se reagrupem. É também porque há algo que se passa entre elas. Isso me parece muito forte. Mas eu faço uma distinção entre o amor e a paixão amorosa. Na paixão amorosa, há um tipo de impulso total, que visa englobar completamente o outro na sua unidade própria e ser englobado completamente pelo outro. E eu concebo o amor a partir dos elementos de reciprocidade e de necessidade de uma espécie de invenção cotidiana. O amor não se decreta. O amor é uma construção. Há pessoas que me dizem que eu deixo o amor louco de lado. E realmente deixo porque só em casos extremamente raros… eu citaria um ou dois casos de amor à primeira vista extraordinarios que duraram, de pessoas que eu conheço muito bem. Mas o amor à primeira vista em regra geral é como um raio, quer dizer, não dura. Dura seis meses, um ano. E para mim não é amor. Eu diria que é melhor que a amizade… desde Cícero, alguns chamaram isso de "amor da amizade", ou "amizade amorosa". Bom, alguma coisa que está entre a amizade e o amor, mas que não é verdadeiramente amor. Para mim o amor é um sentimento extremamente profundo, no qual os dois estão em igualdade, os dois estão em reciprocidade. Quer dizer que cada um deve contribuir para o outro, mas cada um permanece diferente do outro. Não há fusão amorosa. Quando eu digo que não há fusão amorosa, não quer dizer que ela não possa existir em certos momentos excepcionais, quando por exemplo fazemos amor, ou quando nos sentimos muito próximos um do outro, mas são momentos. Não é a vontade. O amor para mim é alguma coisa que se constrói lentamente mas que deve sempre ser muito forte, e que implica que em certos momentos haja naturalmente conflitos, porque Eros sempre foi ligado a Thanatos e em certos momentos há conflitos. E é tratando desses conflitos que nós podemos recomeçar de uma outra maneira a estar amando.

O senhor pode nos falar sobre sua relação com o Brasil e a UFMG e sobre a homenagem que lhe é feita no colóquio que tem como tema "Das solidões às solidariedades: vínculos sociais contemporâneos em análise"?
Eu não posso dizer muita coisa, além de exprimir a minha gratidão. Mas eu gostaria de dizer algo importante em relação à UFMG. Desde Marilia Mata Machado, foi a primeira universidade a se interessar pelo que se passava na psicossociologia francesa, ou pela análise institucional. Dito de outro modo, sempre houve entre a UFMG e as universidades francesas um laço que nunca existiu de maneira tão forte no Rio ou em São Paulo. E logo nos sentimos bem. Talvez também porque na UFMG encontramos muito mais pessoas que falassem francês. E as primeiras relações institucionais fortes foram feitas entre certas universidades francesas e a UFMG. Daí minha grande gratidão à UFMG, que há muito tempo, no mínimo 25 ou 30 anos, mantém essa relação de forte solidariedade, de forte compreensão mútua. É por isso que a gente gosta que as pessoas venham produzir teses aqui na França, que façam doutorado-sanduíche etc. Estou muito orgulhoso que a Universidade tenha tido essa ideia. Espero que o colóquio seja proveitoso, e poderá ser um bom colóquio se, além da homenagem que me fazem e que me dá muito prazer, puder também mostrar o dinamismo e a inventividade da Universidade, das pessoas que trabalham e que farão apresentações.

O que sempre me pareceu essencial é que mesmo se trabalhamos com alguns grupos como a ARIP, sempre fui contra a ideia de criar uma escola. Penso que o melhor trabalho que a gente pode fazer é ajudar as pessoas, durante o tempo que elas quiserem, a se tornarem elas mesmas criadoras de outras coisas, a se tornarem também fundadoras. E eu estarei particularmente satisfeito com esse colóquio se tiver o sentimento de que muitas pessoas que estarão presentes estejam também criando uma psicossociologia e uma sociologia clínica o mais adaptada possível à realidade do Brasil e dos outros países da América Latina.

Qual é a questão fundamental que o senhor trata em seu livro A face obscura das democracias modernas (ainda sem tradução no Brasil)? Que face obscura é essa?
As democracias modernas com uma face esclarecida são países que tentam verdadeiramente ser democráticos, proporcionar o crescimento, desenvolver a seguridade social… E quando eles não conseguem, ficam chateados, eles gostariam que todos tivessem acesso à autonomia, que pudessem ser sujeitos de si mesmo, que fossem verdadeiros atores sociais. Há toda uma representação mítica da democracia como um elemento que absolutamente essencial para o indivíduo, como um movimento através do qual nós fôssemos sempre no sentido do melhor. Quer dizer que resta alguma coisa do tempo do Século das Luzes, de um progresso indefinido. O que se evoca é que de um lado a democracia mente para si mesma porque há enorme desigualdade, e isso se cria através de conflitos muito fortes. Por exemplo, a classe operária teve que lutar para ser reconhecida, esses países democráticos foram os piores impérios colonialistas que dominaram o mundo durante muito tempo, e eles não dizem mas continuam a dominá-lo de uma outra maneira, por meio de trocas econômicas. Então, a face obscura que se tenta identificar são todos esses fenômenos de conflito, de violência, de totalitarismo. E também é preciso dizer que os regimes totalitários se originaram a partir de regimes democráticos. Em seguida, na democracia existe a vontade de impor sua visão do mundo ao resto do mundo. Quer dizer, de não aceitar que as pessoas sejam tão diferentes. Podemos dizer que o Saddam Hussein era muito ruim, mas depois, quando a gente vê como isso foi resolvido, a gente diz que seria melhor se ninguém tivesse tocado nessa história. E há também o aspecto da detenção da lição da democracia moderna. "Nós temos a verdade e nos vamos dá-la a vocês." A razão pela qual eu nunca me filiei a nenhum partido, nem mesmo a um partido de esquerda, é que os intelectuais sempre se sentiram a vanguarda: "Nós vamos dizer a verdade do que pensam os outros". De jeito nenhum! Podemos ajudar os outros a pensar de uma outra maneira se eles assim o desejam, se eles se sentem capazes e se eles veem as coisas de um certo modo. Mas não temos que dizer aos outros qual é a verdade! Isso é imperialista! Nós tentamos ver através da face obscura todo o não-dito da democracia, que é sempre recoberto por um belo discurso da igualdade, de oportunidades para as pessoas, do crescimento indefinido etc. Nós compreendemos isso muito bem durante a Revolução Francesa. Tínhamos muitas ilusões, mas depois de dois séculos e meio, percebemos que as coisas não funcionam tão simplesmente. Por isso terminei meu livro com um capitulo que se chama "Pensar, resistir". Mesmo Rousseau, que foi o grande defensor da democracia, se perguntava se uma democracia seria possivel em um grande país. Mas isso só seria possivel se cada um pudesse pensar um máximo de coisas, se os indivíduos pensassem por si mesmos, tivessem as informações necessárias e a capacidade de resistir à dominação, à opinião pública, aos estereótipos etc. E para que os individuos sejam assim, também é necessario que os coletivos existam e que se reforcem os movimentos, que se reforce o meio de resistência. Nós temos imagens, e além das imagens há sempre outras coisas. Atrás da unidade francesa, há também os conflitos. É assim em todos os países. Ao mesmo tempo é normal, por exemplo, Obama tentar reunir os Estados Unidos por meio de um discurso baseado na unidade dos Estados Unidos, do pós-racial. Mas na situação deteriorada dos Estados Unidos, ele só poderia fazer dessa maneira. E ao mesmo tempo há algo de falso. Os Estados Unidos não são um país unido, mas um país em pleno conflito. Obama tem temporariamente razão de dizer isso, mas em um momento ou outro vai ser necessário tratar os problemas que existem em todas as sociedades. No Brasil, Lula também tem um discurso universalista, englobador, unitário, e não é verdade. Há tanta diferença, tanta luta…

O senhor fala muito da apatia do mundo moderno. Como ela se caracteriza e aonde ela poderia nos levar?
Mas eu não falo só da apatia! Não, não... isso seria errado! Para mim há elementos apaticos, elementos inertes, há todos esses elementos. Às vezes me leem como um autor pessimista, mas eu não sou nem otimista, nem pessimista. O que eu penso é que há um dinamismo em todas as sociedades, e que é preciso compreender esse movimento. Às vezes temos a impressão de que o movimento se estagna, e é verdade. Mas há outros momentos muito mais efervescentes, turbulentos, como dizia Durkheim. Mas ele nunca se estagna completamente, em definitivo. É importante ressaltar o que pode ser apático, inerte, repetitivo, aborrecido na nossa sociedade, e ao mesmo tempo também perceber, ou pelo menos descrever um pouco, o que está em jogo. Esses fenômenos de violência, de bando, de tráfico… é preciso tentar compreendê-los em profundidade para descobrir se há certo tipo de demanda que está sendo dirigida à sociedade e que não estamos compreendendo suficientemente. Nós temos que ver a violência nos bairros do norte de Paris, frequentemente ouvimos os jovens dizerem: "Não nos escutam com respeito, não nos tratam com dignidade"; é preciso tentar compreender o que está em jogo e o que poderia alimentar um dinamismo mais positivo que negativo da sociedade. Há pessoas que dizem que estamos em uma sociedade definitivamente dividida, que não há mais nada que seja possível, cada um está na sua casa, os indivíduos não estão acordados, estão em frente à televisão como imbecis. Eu não penso isso! Eu penso que essas tendências existem em nós, como fenômenos de autodominação, mas ao mesmo tempo, como dizia Freud, "o homem sempre se negará a ser um cupim". Então, se vê um pouco de apatia, mas certamente muito dinamismo ainda. E quando isso não é suficientemente visível, percebemos pequenas experiências em lugares específicos, mas pouco a pouco essas pequenas experiências, uma ao lado das outras, acabam por se reunir e se entrelaçar, e há coisas que se concretizam. Eu dou sempre o exemplo, um pouco bobo porque fácil, da Revolução Francesa, que não começa em 1789, mas em 1781. Em vários lugares, acontecem movimentos de grupos de camponeses. A situação vai crescendo até que o povo proclama: "Queremos os Estados Gerais!" Foram seis, sete, oito anos de incubação em diferentes lugares e, durante certo tempo, as pessoas não desconfiaram de nada. E um dia tudo aconteceu.

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