“O corpo se cortado espalha um líquido vermelho / o corpo tem alguém como recheio”, recitou-cantou Arnaldo Antunes a certa altura de sua performance na manhã de hoje, no auditório da Reitoria da UFMG. Nesse momento e em muitos outros ele encarnou com especial intensidade uma das expressões de que lançou mão a poeta e professora (do ICB) Ana Caetano, que apresentou o artista. Ela o definiu como o “poeta da presença”. Em forma de música, versos e imagens, e depois em conversa generosa com a plateia – ao vivo e com a ajuda de telões –, Arnaldo Antunes esteve presente no campus Pampulha para a apresentação promovida pelo ciclo Sentimentos do Mundo. O evento foi transmitido pelas emissoras integrantes do Canal Universitário, entre elas a TV UFMG. Chamado por Ana Caetano de mestre – da comunicação entre a alta e a baixa cultura, entre outros feitos –, o ex-Titã e Tribalista apresentou poemas e canções de forma que conciliava o falado e o cantado – com brechas para o sussurro e o berro –, marcando o ritmo com uma prosaica batida de pés no chão. Usou e abusou de efeitos sonoros eletrônicos, que quase sempre traziam sua própria voz para um dueto com a versão ao vivo (ele mesmo controlava o equipamento, apoiado sobre uma pequena mesa a seu lado). Ao fundo, durante todo o tempo, imagens projetadas marcadas por certa distorção e referência constante a água e ondas. Com um globo terrestre nas mãos, Arnaldo perguntou: “Como se chama o nome disso?” E chamou o objeto, entre muitos nomes, de Terra, planeta, chão, velocidade, mundo, tudo, coisa – ele lembraria mais tarde que “a relação da linguagem com as coisas do mundo” é um tema recorrente de sua obra. Arnaldo Antunes citou Dorival Caymmi em um de seus poemas, e noutro momento achou a rima entre Simone de Beauvoir e Fernandinho Beira-Mar, para dizer que “todo mundo teve medo”. Em contraponto aos efeitos eletrônicos, usou a própria respiração para imprimir efeito a um texto lido em alta velocidade e interrompido apenas quando o fôlego faltava. Depois de cerca de 45 minutos, ele jogou no chão a última folha de papel – ao fim de cada texto, ele se desfazia da respectiva cópia. Era o sinal de que a performance chegava ao final. O silêncio da plateia no auditório, que durou toda a apresentação, foi finalmente quebrado com os aplausos, de pé. Muito rascunho Sobre o efeitos sonoros, incluindo sua própria voz em off, Arnaldo disse que eles inspiram sua leitura. “Os recursos não são enfeite. O universo digital tem uma série de respostas em busca de perguntas”, ele disse. Lembrou que suas performances exploram o terreno movediço da fronteira entre poesia e música. “Algumas canções são ditas como poemas, e a melodia está presente quando leio.” Arnaldo afirmou que as diferentes linguagens têm trânsito fluente em sua arte “porque envolvem a palavra como elemento de interseção”. E se declarou interessado em desfazer qualquer separação de territórios. “Não compartilho, por exemplo, com o preconceito sobre a música popular, que seria entretenimento, em oposição à poesia, mais culta”, ele disse. O artista afirmou, por fim, que não cria pensando na reação do público, e que escolhe palavras mais simples ou mais complicadas apenas de acordo com o que pede o texto. “Mas procuro ser preciso, conciso, e dessa maneira busco a simplicidade.”
Arnaldo Antunes começou a responder as perguntas do público dizendo que trabalha com muito rascunho. “Primeiro vem um insight, mas criar é também reler, editar, lapidar, refazer.”