Conhecimento e espírito crítico são armas indispensáveis aos médicos para que possam resistir à forte pressão da indústria farmacêutica e preservar sua autonomia ao prescrever medicamentos. Nem sempre as informações adquiridas nas salas de aula são suficientes para enfrentar as investidas dos laboratórios farmacêuticos, sobretudo devido à dinâmica acelerada das pesquisas básica e clínica. Daí a necessidade de aprender a buscar, ao longo da vida profissional, fontes confiáveis de informação e de identificar as estratégias utilizadas pelo mercado para promover produtos e tratamentos. Foi com essa preocupação que alunos da Faculdade de Medicina da UFMG apresentaram sugestão – bem acolhida por professores – que deu origem à Liga Acadêmica de Farmacoterapia (lafmedufmg@yahoo.com.br). Em reuniões quinzenais, os estudantes apresentam e discutem o tratamento farmacológico para determinadas doenças. “É necessário haver um desligamento ou pelo menos alterar fortemente a relação entre médicos e indústria farmacêutica”, defende o professor Fabrício Moreira, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas e um dos coordenadores da Liga, ao lado de Márcio Coelho, da Faculdade de Farmácia. Uma das idealizadoras da Liga, a estudante Fernanda Oliveira Ferraz comenta que o curso de Medicina tem grande demanda por atividades didáticas voltadas especificamente para o ensino de terapêutica farmacológica, principalmente quando certos conhecimentos são requisitados no ciclo profissionalizante do curso. “A partir dessa constatação, e considerando a abrangência do tema, a Liga foi idealizada com o objetivo de promover estudos e discussões sobre o uso racional de fármacos e as diretrizes terapêuticas”, diz. A expectativa é incentivar a prática da atualização dos conhecimentos sobre farmacoterapia, com base na literatura científica, além de “fazer um contraponto às estratégias questionáveis da indústria farmacêutica”, completa a estudante. Ao comentar que os médicos estão à mercê da indústria farmacêutica, Fabrício Moreira explica que a Liga pretende reforçar nos futuros profissionais de saúde a necessidade de desenvolver senso crítico e de manter uma “postura cuidadosa, isto é, com atenção à abordagem extremamente agressiva do setor”. Um desses cuidados, segundo o professor, é não acreditar na ideia, amplamente disseminada, de que medicamento novo seria necessariamente sinônimo de medicamento melhor. Estratégias Mais grave, destaca o professor, é a propaganda disfarçada de atividade científica, que costuma ser apresentada em forma de palestras em seminários e congressos, por profissionais pagos pelos laboratórios e baseadas em pesquisas de baixa qualidade. “Há periódicos sérios com denúncias de que os laboratórios vêm adulterando resultados de pesquisas, ao divulgar, por exemplo, a eficácia, mas sem mencionar todos os efeitos colaterais de um medicamento”, explica. Segundo Fabrício Moreira, também há casos em que a indústria paga um pesquisador de renome para que assine artigo de interesse meramente comercial. Moreira ressalta que a proposta da Liga não é questionar a idoneidade dos profissionais de saúde, mas mostrar aos futuros médicos que a prescrição deve ser embasada nas melhores evidências científicas disponíveis a cada momento. “Eles precisam estar atentos ao que são essas melhores evidências. Queremos que identifiquem as fontes importantes de literatura, às quais podem recorrer, e quais os caminhos que devem seguir, mesmo quando já não estiverem no meio acadêmico”, completa o professor. Entre as fontes atualizadas constantemente e consideradas confiáveis estão periódicos e publicações das sociedades científicas nacionais e internacionais ligadas a cada área da saúde. Fabrício Moreira explica que tais entidades procuram indicar os medicamentos com maior eficácia e menos efeitos colaterais para o tratamento de determinadas patologias. Ele comenta que a probabilidade de haver distorções nesses estudos é pequena, uma vez que a tomada de decisão envolve muitas pessoas, em geral por meio de comitês de especialistas. Outro objetivo da Liga é discutir os fatores relacionados à terapêutica para que o aluno perceba que o efeito do medicamento é apenas um dos elementos que vão contribuir para o tratamento da doença. “A farmacoterapia é mais do que utilizar um medicamento, ou seja, é necessário que o profissional mantenha-se atento ao paciente”, ensina.
Fabrício Moreira enumera como estratégias mais comuns do meio as propagandas direcionadas, feitas por representantes nos consultórios, e a distribuição de presentes e patrocínios de viagem. “Isso pode até parecer natural, mas são situações completamente absurdas, porque muitas vezes influenciam e até direcionam a tomada de decisão dos médicos”, explica.