Universidade Federal de Minas Gerais

Imagens: Foca Lisboa
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Beirão: avaliando o cenário da pesquisa no país

SBPC: a ciência brasileira precisa ousar mais, defende Paulo Sérgio Beirão

segunda-feira, 26 de julho de 2010, às 7h45

Para produzir inovação é preciso correr riscos e ousar. Essa é a tese defendida pelo professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG Paulo Sérgio Beirão, sobre os caminhos que a pesquisa brasileira deveria trilhar. Adotar a direção, no entanto, exige mudanças. Um dos participantes da UFMG na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), aberta neste domingo (25), em Natal (RN), o pesquisador compartilha com os leitores do Portal UFMG parte das reflexões que pretende expor no evento. Agendado para a tarde desta segunda-feira, o simpósio do qual vai participar colocará em debate a questão das biotecnologias de venenos, área em que sempre se destacou em sua trajetória acadêmica: coube a ele o pioneirismo no uso de métodos eletrofisiológicos, no país, para estudar a ação de neurotoxinas animais. Confira as análises de Beirão, que abre série de entrevistas e reportagens sobre a SBPC, que o Portal UFMG vai publicar esta semana:

Qual abordagem dará ao tema Biodiversidade e biotecnologia de venenos no Brasil para o qual foi convidado a debater na SBPC?
O simpósio do qual participo vai discutir a possível utilização de modelos de toxinas para fins biotecnológicos, em medicamentos, na agricultura e em pesticidas, por exemplo. Esse simpósio tem caráter também de divulgação, porque o público do SBPC é constituído de especialistas, mas principalmente de não especialistas. Logo, como haverá muitos jovens, um dos objetivos da exposição é gerar interesse por esse tipo de trabalho e tentar mostrar o que é o trabalho de ciência.

A pesquisa sobre toxinas no país já é feita nos moldes de rede?
Há uma cooperação de trabalho na área e a partir dela construímos no país uma rede que está se expressando muito no INCT sobre Toxinas. A coordenação do Instituto é do Butantã, por meio do pesquisador Oswaldo Santana. Há diversos subprojetos em andamento e o Departamento de Bioquímica da UFMG tem participação importante neles. Há grupos de pesquisa em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e também no interior do Pará.

Seu trabalho foca bastante as toxinas extraídas das aranhas. Vai falar sobre elas?
Sim, falarei mais sobre toxina de aranha. Mas nesse simpósio terá expositor de Brasília falando da de escorpião e outro sobre toxina de serpente. São toxinas com características diferentes. Além disso, as pessoas abordam o problema de maneira diferente. Vai ser interessante porque serão apresentados modos distintos de trabalhar.

As indústrias estão apoiando essas pesquisas? Diversos achados indicam um potencial impressionante no uso delas para a saúde humana.
No estágio de produção de medicamento, estamos praticamente a zero no Brasil. Em parte é possível entender porque diversas pesquisas ainda estão em estágio fase de laboratório. Mas temos um exemplo que é interessante - que não sei dizer em que pé está – que foi a descoberta de uma toxina extraída de veneno da cascavel, feita por uma pesquisadora do Butantã, e que tem atividade contra dor, principalmente dor inflamatória. Esse produto foi caracterizado, sintetizado, foram feitos ensaios pré-clínicos [com modelos animais] e o trabalho recebeu financiamento da Finep, em colaboração com um pool de indústrias farmacêuticas brasileiras. No momento, no entanto, de passar para o ensaio clínico [fase de testes com humanos], que é mais caro – apesar dos resultados positivos dos ensaios pré-clínicos –, este pool de indústrias desistiu de continuar. O produto está patenteado, mas há um grande risco de perder tudo, pois os japoneses estão fazendo trabalhos parecidos. Recentemente, ouvi dizer que esse pool de indústrias iria reativar o projeto. Eu espero que sim, porque os resultados pré-clínicos são muito positivos. A não ser que a universidade resolva virar uma indústria... Então, se eu descubro um medicamento contra a dor, nós vamos fabricá-lo? Acho que não. Isso extrapola o papel da universidade, que é encontrar a novidade. Agora, transformá-la em produto, no mundo inteiro são as empresas que fazem isso. A nossa tarefa não é fabricar coisas.

O senhor também atua em linha de pesquisa sobre dores intratáveis, e há algum tempo tentava dar andamento aos estudos, mas necessitava importar um organismo exótico... (leia mais)
Ainda não consegui importá-lo. Já há dois anos...

A importação não foi liberada?
Eu consegui a licença no Ibama. Mas agora preciso cumprir algumas exigências do Ministério da Agricultura, que não acho descabida, pois implica numa reforma do laboratório, que já estou fazendo. O pior é o seguinte: a burocracia é tão grande que agora o exportador não está querendo vender para a gente.

Vocês trabalham mais com animais da fauna brasileira ou exóticos?
Usamos mais célula em cultura.

É isso que denominou modelo de toxina?
Sim. Adquiri-los também não é sem problema. Perdi na alfândega algumas células que importei, porque o processo de desembaraço foi muito lento e célula morre, se não é cuidada. A burocracia brasileira ainda é um empecilho muito grande. Atualmente é, provavelmente, até o maior empecilho que temos.

A lei exige que o próprio pesquisador dê conta de todo o processo, não é?
O TCU quer que seja o pesquisador. Há muitas normas. Algumas são favoráveis à ciência e à tecnologia, mas sua aplicação esbarra na interpretação. Se a administração pública decidir que uma norma não se aplica, uma requisição para pesquisa pode cair na vala comum. O cientista é tratado como se estivesse importando um perfume de Paris que pode esperar. Uma célula que morre, que é importante para a pesquisa científica, tem o mesmo tratamento de um produto supérfluo qualquer.


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O excesso de regulamentos não decorre também da vigilância da sociedade civil sobre acesso e manipulação de recursos da biodiversidade?
O melhor jeito de proteger é conhecer. Porque protegemos quando sabemos o que tem valor. Se for algo que consideramos desprovido de valor, pessoalmente até podemos querer proteger, mas a sociedade não vai ter muito interesse. Então, conhecer – e isso significa pesquisar – a biodiversidade, é a melhor forma de protegê-la. Mas acho que esse quadro tem mudado. Embora de vez em quando haja problemas para colegas que trabalham com a prospecção de material, hoje as dificuldades são menores. Houve época de pesquisador ser preso: Ele tinha licença para coletar, mas não para transportar.

Ainda sobre acesso a espécimes: a perda do acervo do Butantã, em decorrência do incêndio no Instituto, afetou o trabalho de pesquisa na UFMG?
Em nossos estudos é importante identificar o animal com o qual se trabalha. Às vezes animais que são parecidos podem ter características diferentes, em termos de seus venenos e toxinas. Essa é uma área complexa, pois há detalhes que são muito difíceis de identificar. O Butantan conta com especialistas aos quais recorremos. Pelo próprio trabalho em rede, esse trabalho é importante. Para avaliar as demandas, eles precisam dos espécimes de testemunho. É necessário comparar. A perda é essa: você precisa dos espécimes testemunhas

Não é suficiente a descrição ou desenho...
Ajuda. Mas no fundo fica a dúvida, porque às vezes, como disse, a espécie tem aquelas características, mas quando se desconfia que seja uma nova, é preciso comparar com aquele espécime que foi colocado como testemunho.

O sequenciamento genético desse material estava sendo feito?
Acho que uma parte do acervo foi sequenciada e isso talvez possa compensar algo dessa perda. Mas a taxonomia é muito baseada nos aspectos externos. Penso que futuramente terá muito maior contribuição da genética, mas isso ainda não ocorre. Mas é uma perda até histórica: havia espécies no Butantã coletadas por Vital Brazil.

E por motivo que cabia previsão...
O acervo é mantido em álcool. Num ambiente fechado exalando álcool, o risco é grande.

Mas houve algum impacto imediato aqui na UFMG?
Imediato, não, a não ser saber que houve essa perda. Lamentamos muito, mas que eu saiba não houve prejuízo imediato aos nossos trabalhos.

O senhor mencionou que as toxinas possuem características diferentes. Isso significa que cada uma delas tem uma "especialização"?
Sim

A grosso modo, cada uma poderia servir para um problema humano: hipertensão, por exemplo?
Não. O animal não quer fazer isso (risos). A intenção dele é matar ou paralisar a presa ou o predador, para defesa ou predação...

Não se pode esquecer que este local é cheio de darwinista...
E funciona muito bem assim (risos). Para sobreviver, para se adaptar bem ao ambiente, permanecem, por seleção natural, aqueles animais que têm as toxinas que são mais eficazes. Então, do ponto de vista animal, qual é a mais eficaz? É aquela que em pequenas quantidades é capaz de paralisar ou matar a presa ou o predador. Esses alvos [onde vão atuar as toxinas] têm de ser alguma coisa que seja vital. Eles se mantém mais ou menos semelhantes em diversas espécies. Isso significa que, do ponto de vista da evolução, se algo funciona, é preservado, mesmo que sofra pequenas modificações e adaptações. Então os alvos de alguns animais inferiores possuem coisas parecidas com a gente. Só que aí muitas vezes especializadas.

De que tipo de alvo fala?
Um alvo importante por ser vital são os canais iônicos [poros nas membranas celulares que geram e conduzem sinais nervosos, por meio do qual as células se comunicam, transmitindo sensações e ordem para movimentos diversos, ver Boletim UFMG]. Eles são muito ligados ao funcionamento do sistema nervoso. Então são alvos preferencias para várias toxinas e existem desde entre celenterados até em humanos. Na verdade ocorrem em até bactérias, mas são canais distintos. Quanto mais longe na “escala de parentesco”, mais diferentes eles são Em animais mais evoluídos eles assumem funções mais específicas. Então, se é encontrada uma toxina que atua sobre aquela função específica podemos ter um medicamento em potencial.

Poderia exemplificar?
A dor, por exemplo, é algo muito primitivo porque é muito importante para a sobrevivência. Já pensou se não sentíssemos a dor da pele ardendo no fogo? Então, para a sobrevivência dos organismos ela é muito importante e também por esse motivo os canais envolvidos na dor persistem nas espécies. E o que se descobriu, há relativamente pouco tempo (século 20), e me despertou o interesse por essa área, é que há alguns canais envolvidos especificamente com a dor. Então eles são um alvo interessante porque é possível inibi-los sem matar o indivíduo. Simplesmente ele para de sentir dor. Sabemos que se usarmos uma substância que seja específica em todos os canais o indivíduo morre. Inibir todos os canais é incompatível com a vida. Há pesquisadores no mundo inteiro buscando substâncias que atuem sobre esses canais. Inclusive toxinas.

Esse é um trabalho que exige muito investimento em tecnologia?
Exige conhecimento. Até mesmo para trabalhar com equipamentos.

O senhor faz parte de diversos comitês de avaliação de pesquisa no país. Considera a ciência brasileira inovadora?
Este mês a Nature publicou texto sobre a pesquisa em biotecnologia brasileiro e o recado foi que o Brasil precisa ousar mais. Vou usar esse argumento em artigo que estou escrevendo sobre a qualidade da pesquisa no país para o Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) [amanhã, o Portal publicará entrevista com o coordenador do Plano]. Creio que ficamos muito preocupados com objetivos viáveis, e eles não são muito inovadores. As questões de fato inovadoras para a pesquisa envolvem um risco enorme. Você pode trabalhar alguns anos e, ao final, não ter nenhum resultado. Isso não decorre de incompetência, mas porque está explorando algo que, por azar não deu resultado.

Por que isso ocorre no país?
Nossa pesquisa é muito ligada à pós-graduação. Não podemos dar um projeto de alto risco para o aluno: ele perderia a tese e a atitude comprometeria o desenvolvimento acadêmico dele. Então, fazemos projetos que geram publicações e teses. As próprias agências financiadoras também ficam muito preocupadas, cobrando resultados práticos. É preciso ter uma resposta, mas a pesquisa de ponta pode não dar nada...

Sabe-se que grande parte não dá...
Um ex-aluno meu que está nos Estados Unidos, após um ano de pesquisa vai enviar artigo para publicação. Isso, no Brasil, hoje, seria considerado não produtivo. Há pessoas aqui que publicam até dez trabalhos por ano e isso gera uma pressão sobre outras pessoas que vão querer publicar um número próximo a esse. O processo é um desestímulo a projetos de risco.

Na pesquisa em biotecnologia a pressão deve ser também grande porque a área é muito aplicada...
Sim, há mais este fator. Pergunta-se: e a aplicação vai ser em quê? Às vezes o pesquisador não sabe, porque está lidando com uma questão de fronteira.

Finalizando, como avalia o atual poder de representação política da SBPC para fazer frente a todos esses problemas discutidos: a entidade é ouvida ou perdeu força na esfera governamental?
A SBPC é ouvida e está havendo entrosamento muito bom entre ela e a academia. Elas são entidades voltadas para a ciência e tecnologia, mas com perfis e até públicos diferentes. Não é a primeira vez – aliás, é uma tradição -, mas a academia junto com a SBPC está produzindo um documento que vai ser encaminhado para os candidatos à presidência da República. Não sei se de fato eles vão ao evento. No passado, tivemos candidatos que foram. E o procedimento funcionou.

Leia aqui cobertura da exposição do professor.

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