Testemunho importante da evolução pré-cambriana da Terra (até 500 milhões de anos atrás) e da história da mineração no Brasil, com valor científico reconhecido em âmbito internacional, o Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, é candidato a integrar a Rede do Programa Geoparks da Unesco. Esses parques existem em diversos países e funcionam como indutores do desenvolvimento por meio do geoturismo e da educação não formal relacionada às geociências. A iniciativa é da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do governo de Minas Gerais, através do Polo Mineral e Metalúrgico. A construção de candidatura, apresentada no final do ano passado tem participação do Instituto de Geociências da UFMG (IGC) – integram o comitê científico do projeto as pesquisadoras Maria Marcia Magela Machado e Ursula Ruchkys Azevedo, além do professor aposentado Friedrich Ewald Renger. Úrsula abordou o tema em mesa-redonda que integra a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ontem, 27 de julho, em Natal. O trabalho que promove a candidatura da região mineira – delimitada pelas serras do Curral, da Moeda, do Caraça e de Ouro Branco – já dura quatro anos e se vale de diversos estudos que destacam a importância geológica desse território. Doutora em Geologia pela UFMG, com pesquisa que mostrou o potencial do Quadrilátero para a criação de um geoparque, a professora Ursula Ruchkys destaca a importância de aproximar as pessoas da história da evolução da Terra, registrada nas rochas. “As pessoas visitam um local como esse e não entendem o significado da paisagem, que é muito mais que um cartão-postal”, afirma a pesquisadora. Ursula Ruchkys conta que a implantação de um geoparque não acarreta em desapropriações, como acontece com as unidades de conservação. As atividades educativas que passam a ser estimuladas no território, assim como outras ligadas a turismo e produção de artesanato, devem conviver harmonicamente com atividades econômicas como a mineração. Bilhões de anos Ursula ressalta ainda que o Quadrilátero Ferrífero conta a história da mineração do Brasil, o que faz aumentar sua vocação educativa e social. “Nosso objetivo é direcionar o conhecimento que existe para uma nova realidade, mostrando a importância geológica e científica do local à sociedade, que passa a compreender aspectos fundamentais da evolução de seu território. Além disso, esse é um modelo internacional de desenvolvimento, e os geoparques passam a credenciar produtos e estabelecimentos das regiões, como vinhos e restaurantes”, ela explica. Há cerca de 60 geoparques em todo o mundo – só na China são mais de 20. No Brasil, funciona desde 2006 o Geoparque Araripe, no Ceará, com foco na paleontologia. Além de levar estudantes e outros públicos aos sítios, a atuação em torno de um geoparque inclui construção de núcleos de recepção na região, produção de publicações e visitas a escolas. Já existe, por sinal, trabalho experimental sendo desenvolvido com três escolas de municípios da região. Além da UFMG, o comitê científico tem representantes da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), da PUC Minas e do Serviço Geológico do Brasil (antigo CPRM).
Segundo ela, foram escolhidos para integrar o geoparque sítios já protegidos, como o Pico do Itacolomi, onde existe parque estadual. O local é marcado pelo afloramento do quartzito Itacolomi. Na Serra da Piedade, visitada sobretudo com motivação religiosa, encontram-se itabiritos que remontam a 2,4 bilhões de anos. “Eles indicam mudança de composição química do sistema oceano-atmosfera e são um marco da evolução geológica do planeta. Outro afloramento importante está localizado em Cachoeira do Campo e contém registros das primeiras crostas continentais. Perto de Itabirito há uma ‘praia’ de aproximadamente 2,6 bilhões de anos”, enumera a professora. Segundo ela, a área proposta para o novo geoparque da Unesco tem cerca de 6,5 mil quilômetros quadrados.
Serra da Piedade
O comitê científico produziu dossiê que apresenta a candidatura e espera ainda para este ano a visita de auditores da Unesco para avaliação in loco do projeto. Enquanto isso, a iniciativa de criação da nova unidade no Quadrilátero já se beneficia de intercâmbio com o projeto Rocha Amiga, iniciado pela Universidade de Lisboa e desenvolvido em países de língua portuguesa, e parceria com os Centros Ciência Viva, de Portugal, com foco na geologia, cujas experiências poderão ser aplicadas no Brasil.