O conhecimento desenvolvido no Brasil, especialmente pela Embrapa, relacionado ao aumento da resistência de cultivos dá vantagem ao país quando se pensa em efeitos negativos das mudanças climáticas sobre a segurança alimentar, segundo o professor Edson Paulo Domingues, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Edson Domingues, que é doutor em Economia pela USP e integra grupo de pesquisa rede Clima Clima e INCT Mudanças Climáticas, participa hoje (terça, 5 de abril) da 4ª Conferência Regional sobre Mudanças Globais, em São Paulo, em debate sobre agricultura e segurança alimentar. Nesta entrevista, ele lembra também a importância de se garantir a produção de hortaliças no entorno das metrópoles. Como as mudanças climáticas afetam a segurança alimentar? Alguns cultivos são mais resistentes... O senhor participou de estudos sobre o Nordeste aqui na UFMG. Quais são os efeitos esperados para aquela região? No contexto mundial, o que se tem previsto? Qual a situação do Brasil, relativamente aos outros países? Pensando na economia familiar, o que se pode prever? Nos últimos anos tem se observado diminuição da migração por falta de oportunidades de trabalho, sobretudo no Nordeste. Pode haver uma reversão nesse quadro? Quando se fala em mudanças no clima, não se está falando apenas de temperaturas mais elevadas, mas de diferentes regimes de chuvas... As pesquisas têm projetado cenários de catástrofe? Quais são as medidas que se devem tomar, em prazos distintos, para que o país se prepare para as mudanças climáticas na área da alimentação? E com relação aos cultivos? Que dificuldades têm enfrentado as pesquisas na área de clima e segurança alimentar? Que outras consequências podem se esperar do aumento do custo dos alimentos, para além da questão da segurança alimentar?
Há evidências de que a agropecuária será mesmo o setor mais afetado, gerando aumento do custo dos alimentos. Algumas famílias, naturalmente, serão mais afetadas que outras, a vulnerabilidade depende de nível de renda e de região. E há efeitos indiretos potenciais: um exemplo está ligado à soja, pois uma queda na produção terá impacto nos preços da ração e, logo, na criação de animais. A mudança de clima exerce impacto sobre a cadeia de produção.
As alterações do clima mudam regimes de chuvas, temperatura, condições do solo, com efeitos sobre a produtividade. Quanto à temperatura, a cana-de-açúcar é um exemplo de cultivo muito resistente. O café, por sua vez, é mais suscetível, é mais fácil que áreas de cultivo se tornem inaptas com variações importantes de temperatura e de outros fatores. Como é um país muito grande, as mudanças climáticas vão ser sentidas no Brasil de maneira heterogênea. É interessante notar que tende a haver mudanças na geografia dos cultivos. No Sul, seria possível plantar espécies diferentes das que temos hoje.
Por causa de sua dependência maior da atividade agrícola, o Nordeste pode ser mais afetado. Participei de outro estudo, envolvendo o país como um todo, e o Centro-Oeste se revelou também vulnerável, sobretudo em virtude da alta produção pecuária. Mas esse tema tem dimensões pouco conhecidas. A Embrapa tem estudos bastante completos sobre oito cultivos entre os mais importantes. Mas será fundamental conhecer melhor os impactos da mudança climática sobre os cinturões verdes das metrópoles, que fornecem frutas, legumes e verduras para as populações urbanas.
Os cenários mais pessimistas nos estudos sobre as mudanças climáticas apontam os países menos desenvolvidos das regiões tropicais e equatoriais com os mais vulneráveis. E os países desenvolvidos, como na maioria das situações desfavoráveis, deverão ter mais condições de se adaptar. Com relação ao Brasil, temos uma grande vantagem, que é o grande conhecimento desenvolvido pela Embrapa nos últimos tempos sobre sementes. O país terá provavelmente muito boas condições de desenvolver cultivos resistentes, assim como, por exemplo, fez com a soja, adaptada ao solo do cerrado com grande sucesso.
Assim como, fazendo uma analogia, acontece em geral com os países, as famílias mais ricas terão mais condições de se ajustar a um cenário de aumento de preços dos alimentos, pelo fato de seus gastos com alimentação são proporcionalmente menores do que os das famílias mais pobres. As famílias da área rural, por sua vez, terão relativamente mais dificuldades porque gastam mais com alimentos. Ao contrário do que se imagina, a situação não é tão simples nessas regiões porque a oferta é pouco variada. Já as famílias urbanas, sobretudo as de melhor situação financeira, se beneficiam também de poder comer fora com mais frequência, encontrar mais opções, com preços mais em conta, em virtude da concorrência.
O movimento migratório das regiões de semiárido para as metropolitanas no próprio Nordeste do Brasil e também para as metrópoles do Sudeste realmente caiu, e a esperada redução de empregos no campo como efeito das mudanças no clima favoreceria um retrocesso. Por outro lado, os grandes centros urbanos já não oferecem tantas oportunidades, por isso nesse aspecto há uma incógnita.
A frequência e a intensidade das chuvas tendem a aumentar, o que naturalmente também afeta a disponibilidade de alimentos. Pode haver também períodos mais prolongados de seca. Exemplos simples foram as chuvas recentes na região serrana do Rio e a seca que tivemos no início deste ano, na área metropolitana de Belo Horizonte. Aqui foi muito fácil perceber os preços mais altos de frutas e hortaliças. É um reflexo muito rápido.
Aumentos muito grandes das temperaturas médias no planeta são bem menos prováveis, e tudo que se afirma nesse sentido segue o caminho da especulação, carece de base científica. Os modelos econômicos usuais funcionam para pequenas alterações, não dão conta do que chamamos de quebras estruturais ou fenômenos catastróficos, como terremotos em grande escala (como o do Japão, recentemente).
Deve-se pensar em políticas de garantia de renda e poder aquisitivo. As pessoas precisam ter dinheiro para comprar comida. Isso é, sem dúvida, melhor que estoques reguladores, que tentam garantir oferta de produtos em situação de limitação. Até porque não se estocam vegetais. E os governos têm muita dificuldade de gerir políticas desse tipo de forma correta. Já vimos que 100% das políticas ligadas a estoques e controle de preços dão errado.
Em se tratando de políticas públicas mais amplas, é fundamental se investir em pesquisas que busquem chegar a culturas mais resistentes às mudanças climáticas. A Embrapa já mostrou grande capacidade nessa área e necessita de ainda mais recursos. Nesse aspecto, como já disse, é preciso priorizar a garantia de produção de alimentos no entorno das metrópoles. Não sei de qualquer projeto nesse sentido. Na medida do possível, esses cinturões verdes devem ter à disposição técnicas de cultivo resistentes à seca e às chuvas fortes.
Há um vácuo que se refere aos estudos sobre a Amazônia. Existem poucos dados detalhados sobre a economia na região, incluindo aspectos como ocupação e uso do solo. E não se podem utilizar parâmetros de outras regiões, porque na Amazônia as condições climáticas e de alimentação são muito diferentes. Tem-se pouco conhecimento sobre a distribuição das atividades econômicas. Sinto falta também de mais pesquisa sobre a disponibilidade de água. Essa é uma questão para a saúde e para a segurança alimentar. Não há estudos sobre impactos de restrições da disponibilidade de água sobre as economias regionais.
Há um efeito que se apresenta como desdobramento dos preços mais altos da alimentação. As pessoas podem reduzir o consumo de comida, mas não ficam sem comer. Logo, será preciso reduzir despesas em outras áreas, como lazer e educação, serviços de informação, como o acesso à internet. E é preocupante pensar que parte da população pode se ver obrigada a reduzir gastos em educação.