Um longo caminho já foi percorrido desde que a divulgação científica era considerada como uma profanação da ciência. Atualmente, abre-se um novo campo profissional para pesquisadores com formação científica e que atuam como divulgadores. “Hoje há uma grande demanda de formação desse tipo de profissional, que chamamos de ‘pesquisadores de superfície’. Por ter uma formação mais interdisciplinar, conseguem entrar nas duas esferas e trabalhar com fenômenos complexos, navegando e construindo conhecimento novo”, explica Silvania Sousa do Nascimento, diretora de Divulgação Científica da UFMG. Ela própria é exemplo desse percurso – graduada em Física pela UFMG, é mestre em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo, doutora em ciência e tecnologia pela Universidade Paris VI e professora da Faculdade de Educação da UFMG. “Tive uma formação científica, mas não faço ciência de laboratório, faço a transformação do fazer da ciência no fazer da comunicação”, explica. Nesta entrevista ao Portal UFMG, Silvania Nascimento fala sobre os novos rumos da divulgação científica e conta sobre os projetos e ações da Diretoria de Divulgação Científica (DDC), como o Barometro, café científico mensal cujo lançamento acontece nesta quinta-feira, 31 (leia mais). Como tem sido a atuação da UFMG nessa área? Esse é um caminho inevitável? Essa vertente de trabalho ajuda a estabelecer uma proximidade com os pesquisadores que resistem à divulgação? Haveria um nome para definir esse novo perfil profissional? Quais as características dessa nova demanda? Quais as linhas de atuação da Diretoria de Divulgação Científica? O Barometro é o mais novo projeto da DDC. Em qual linha de atuação ele se enquadra?
A divulgação científica na Universidade é mais fácil hoje do que era anos atrás?
Infelizmente ainda é forte a presença de uma visão negativa do que seja a divulgação científica. Essa visão negativa pode vir do fato de que a divulgação causa dispersão, porque qualquer trabalho criativo demanda muita dedicação, muito tempo, e a ciência é um trabalho criativo. No momento em que a pessoa dispersa para poder comunicar o seu fazer, entra numa outra esfera criativa que demanda uma reelaboração, uma construção muito diferente do fazer da ciência. Como a nossa demanda enquanto pesquisadores no contexto brasileiro é muito intensa, é muito difícil conseguir ficar nos dois lugares. Por isso, em grande parte das vezes os cientistas – acho que sabiamente – preferem se manter no laboratório. Até o processo de depositar patentes gera dispersão, e em geral o pesquisador teme perder essa concentração, esse foco. Mas a divulgação faz parte de uma forma de ver a responsabilidade social do pesquisador, porque no momento em que ele divulga está prestando contas do seu fazer para a sociedade. Acredito que hoje a formação dos novos pesquisadores, nessa discussão mais ampla a respeito do compromisso social do fazer ciência, tem levado a uma mudança. O pesquisador já sabe que precisa reservar um tempo para atender os jornalistas, a mídia – mesmo que ele, pessoalmente, não vá produzir o discurso novo, que é o discurso da comunicação. Alguns fazem isso muito bem e outros, por uma série de questões, não têm essa possibilidade, mas acolhem os profissionais que podem fazer esse importante trabalho de devolução para a sociedade, não só do financiamento, mas também da própria produção do conhecimento.
Temos assistido no mundo inteiro uma profissionalização do setor, e várias universidades têm feito o que fez a UFMG, isto é, criar um setor específico. Existem hoje pesquisadores formados nessa interface – eu, por exemplo, tive uma formação científica, mas não faço ciência de laboratório, faço ciência da transformação do fazer da ciência no fazer da comunicação. A comunicação científica vem da esfera da teoria da comunicação. O jornalista e o literato fazem aquilo que chamamos de paradigma do terceiro homem, isto é, existe o profissional que faz a ciência e vem o outro e “deforma” (era assim que o cientista falava), ao contar tudo de modo diferente. Era a chamada ciência profana, porque profanava o templo da ciência e levava para o espaço profano, que é o mundo. Hoje, já há pesquisadores que não são da esfera da teoria da comunicação – não são comunicadores – e que têm um papel diferente daqueles que fazem a opção por fazer pesquisa na área de produção desse conhecimento. E há uma grande demanda de formação desses profissionais que chamamos de ‘pesquisadores de superfície’ que, por terem uma formação mais interdisciplinar, conseguem entrar nas duas esferas e trabalhar com fenômenos complexos, navegando e construindo conhecimento novo.
Sim, não só nas instituições mas também nessa nova área, que é a divulgação científica enquanto área científica também. Existe hoje um caminho científico de formação, que pode ser interdisciplinar, tanto com pessoas que tenham uma formação inicial na ciência – como campo mais amplo, não só a ciência experimental – mas também na área de cultura, na literatura. Já existem tecnologias específicas, formas de trabalhar ‘na superfície’.
O pesquisador que resiste à divulgação é necessário. Precisamos cultivar e respeitar esse espaço, mas saber nos aproximar dele, construir instrumentos que o coloquem em situação confortável, de confiança. É importante que ele saiba que estamos trabalhando profissionalmente com a matéria-prima que ele produz, que é tão preciosa e que não queremos profanar. Ou seja, é necessário que ele compreenda o papel desses profissionais que estão aparecendo no novo perfil da ciência da comunicação no século 21.
Não, são pessoas de qualquer área. No Brasil há um movimento que se refere a esses profissionais como mediadores, mas é uma palavra muito híbrida, porque todo mundo que está na superfície está mediando alguma coisa. São também chamados de divulgadores científicos. Quanto ao perfil, algumas vezes são cientistas, às vezes são mais da área de comunicação – são profissionais que precisam ter uma base sólida mas que têm ‘tentáculos’ de um lado e de outro. É um perfil híbrido, muito próprio da demanda profissional do século 21.
A sociedade exige cada vez mais acesso à informação. E há uma ampla camada que quer ter esse acesso como base para produção de conhecimento, para fazer escolhas e tomar decisões conscientes. É isso o que queremos com a formação cidadã, é esse o papel da divulgação científica, não mais como era vista no século 19. A história da divulgação científica é tão antiga quanto a ciência, e durante muito tempo ela foi considerada uma forma de empobrecimento, de profanação do conhecimento científico. Hoje sabemos que não é isso, trata-se de mudança de uma esfera para outra, já que o pesquisador que é, por exemplo, especialista em nanotecnologia, pode ser completamente não-especialista em neurocirurgia. E ele provavelmente vai querer ter acesso a esse conhecimento para poder tomar muitas decisões, já que atualmente o exercício da cidadania exige o domínio de conhecimento científico em várias áreas. Esse é o futuro da divulgação científica: cada vez mais a sociedade cobrar formas de acesso ao conhecimento legitimado pela comunidade científica. Não necessariamente é cobrar do cientista que ele interrompa o processo de produção para exercer a função de divulgador, mas ele precisa ter consciência de que esse é um papel importante e que há pessoas que precisam cumpri-lo, porque a sociedade assim exige.
Temos uma vertente que chamamos de protagonismo juvenil, na qual trabalhamos com a formação de professores das redes públicas (municipais e estadual) e dentro do programa Conexões de saberes. Dentro dessa vertente vamos lançar, ainda neste semestre, um livro sobre formação de lideranças juvenis, que relata diversas experiências em Minas Gerais sobre as redes sociais, o protagonismo juvenil nas transformações da sociedade. Nosso foco são os jovens de Belo Horizonte e de Contagem, cidade identificada pela Unesco como tendo alto índice de violência contra os jovens. O livro trata de formação para o uso inteligente das mídias digitais, com relato de experiências de professores e pesquisadores da UFMG nessa temática. É um trabalho desenvolvido em associação entre a DDC, na Coordenadoria de Inclusão Informacional (CPInfo), a Unesco e a Secretaria de Desenvolvimento Social de Contagem.
Outro projeto é o UFMG Jovem, que tem mais de dez anos e que trabalha com o protagonismo juvenil da graduação e da educação básica dentro da UFMG, promovendo a integração da comunidade interna com a comunidade externa, pois a UFMG abre as portas para acolher a educação básica. É uma nova forma de ver as antigas feiras de ciência. Geralmente realizada na terceira semana de outubro, coincidindo com a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, o UFMG Jovem recebe os melhores trabalhos selecionados nas feiras municipais de ciência e tecnologia do estado. No ano passado, o primeiro lugar foi de uma escola de Janaúba, no Norte de Minas. Nossa inovação esse ano é que em setembro realizaremos feira regional de ciência e tecnologia do Norte de Minas e os melhores trabalhos virão para a UFMG Jovem, em outubro. É uma forma de dar acessibilidade à feira a um número maior de participantes, sobretudo aos que estão localizados a uma grande distância da Capital.
Ele está no outro eixo – o da comunicação pública da ciência, em que temos dois grandes projetos – e faz uma brincadeira com as palavras. Se juntamos as sílabas, refere-se a um instrumento de ciência; mas a ideia é usar como ‘Bar o metro’, porque na capital dos butecos, queremos nos referir a uma grande distribuição, “aos metros”, “aos quilos”.
Segue o modelo dos cafés científicos onde se tem uma aproximação dos cientistas com o público, em que se cria essa situação informal, quase de estúdio, daí a proximidade com o pesquisador, para gerar um debate mais íntimo. Pensamos em fazer como uma conversa de buteco, com um cientista e um representante da sociedade civil debatendo um mesmo tema e intercalando com música. Uma proximidade comunicativa de dois sujeitos produzindo conhecimento em esferas diferentes – uma esfera da sociedade e a outra, da ciência.
Nesse mesmo eixo, temos um projeto muito grande, da Rede Dengue, na qual trabalhamos com a análise das mídias que estão envolvidas nas campanhas da dengue. A intenção é entender como a comunicação pública específica da dengue está entrando na percepção dos diversos públicos. É um trabalho em parceria com o INCT-dengue do ICB, com o INCT-web do ICEx (leia mais) e com equipe grande da Faculdade de Educação, para análise de redes sociais, de instrumentos televisivos e de toda a campanha publicitária. Isso dá a dimensão da divulgação científica, que precisa estar sempre com um pé na esfera da produção de conhecimento e outro fora, para poder criar instrumentos de comunicação. Além desses projetos – protagonismo juvenil e divulgação científica entendida como comunicação pública – temos diversas ações, como promoção de eventos, lançamento de livros, UFMG Jovem, feira de Ciência do Norte de Minas e o Barometro, que é um projeto mensal.