Izzabella Campos/ Espaço TIM UFMG do Conhecimento |
Sobretudo na década de 70, é mais adequado falar numa “poesia estudantil” em Belo Horizonte. “Nos sentíamos mais seguros sob essa rubrica”, afirmou Marcelo Dolabela, que viveu a movimentação de estudantes e poetas nos anos da ditadura, e participou na noite de ontem de debate sobre o tema no Espaço TIM UFMG do Conhecimento. Estavam lá também os poetas Chacal e Ricardo Aleixo. O evento integrou o ciclo Marginália e experimentação, do projeto Sentimentos do Mundo. Estes foram alguns momentos do debate, que teve mediação da professora Heloisa Starling, da Fafich. Ciclo básico Segundo ele, os estudantes liam Oswald de Andrade e Humberto de Campos, e a vanguarda política. “Acreditávamos que com a revolução seríamos a ponta de lança artística”, disse Dolabela. Solidariedade no campus Sem manifesto Choque da polícia Falta do atrito “Lembro bem do jornal Luta e Prazer, mas não tinha com quem conversar sobre o que lia naquelas páginas, nem sobre poesia em geral.” Ele reconheceu sentir falta do convívio com estudantes e outros poetas na época. "A partir do atrito, do conflito com outros escritores, poderia ter feito uma poesia melhor”, disse Aleixo, que entrou em contato com esses artistas nos anos 90. Poesia à margem Mimeógrafo Ensinar revolução Cultura beat e modernismo
Na UFMG, contou Dolabela, os poetas se juntavam nos ciclos básicos das unidades, normalmente em torno de cineclubes. “A recomendação a quem fosse preso era de que dissesse ser do primeiro período. Como os calouros ainda não tinham lido muito, eram tidos como inocentes.”
Marcelo Dolabela contou também que os poetas recebiam apoio de professores. Na Faculdade de Letras da UFMG, ganharam da professora Maria Helena Rabelo, a título de bolsa, mil selos para enviarem suas publicações. O professor Antonio Sergio Coelho, or sua vez, abriu sua disciplina para estudos sobre a Tropicália, proposta dos alunos. “E o DA da Engenharia, que era rico e tinha instrumentos e equipamentos de som, deixou esse material emprestado conosco quando enveredamos pro lado da música”, contou Dolabela, que integrava o grupo Cemflores.
A poesia marginal não teve uma semana ou um manifesto, como o Modernismo e a Tropicália, recebeu o rótulo dos outros, inclusive os inimigos. E acabou incorporando o título, o que aconteceu de forma semelhante também com o Clube da Esquina e a axé music, na visão de Marcelo Dolabela.
Ainda de acordo com Dolabela, com a saída de militantes do país, a repressão se voltou contra a “turma do sexo, drogas e rock’n’roll”. Em Belo Horizonte havia as sessões malditas, com shows diversos. “Íamos para apanhar da polícia”, brincou o poeta, “e às vezes tomávamos choque nas filas.”
Ricardo Aleixo, que se revela próximo dos poetas marginais apenas pelo aspecto estético, disse que seu único movimento estudantil foi “o movimento para fora da escola”. Contou que teve a coragem de deixar os estudos para ir ao encontro da poesia, sua “única opção” depois que uma bolada no olho aniquilou o sonho de ser jogador de futebol.
“Não é problema para a poesia estar à margem, sempre foi assim. É a única posição eticamente defensável para a poesia, e devemos isso àquela que foi chamada de marginal”, continuou Aleixo.
O primeiro livro de Chacal, Muito prazer, Ricardo, feito em mimeógrafo em 1971, aconteceu por sugestão de um professor e de amigos estudantes. Seu mundo era o do esptáculo, não o do livro impresso. “E a ideia se alastrou pelo país, produzir assim era barato e não dependia de editoras”, falou o poeta, que logo recebeu o aval de Torquato Neto, Wally Salomão e Helio Oiticica, que ele chama de a “santíssima trindade” do underground.
Segundo Chacal, a poesia engajada pré-golpe de 64 queria ensinar o povo a fazer revolução. “Não ensinou, e a qualidade da poesia decaiu.” Nós, por outro lado, queríamos expressar nossa vida, o mundo pop, descartável, a loucura das drogas, a liberdade sexual e a integração racial. Talvez fôssemos mais individualistas, mas éramos centenas de milhares pelo mundo”, salientou. Ele não crê que fizesse parte de um grupo de artistas alienados. Apenas eles não estavam preocupados com “um futuro que podia não vir. Queríamos o presente”, falou Chacal.
Chacal explica que os poetas marginais se insurgiam contra o ambiente instalado pela ditadura, em que não podia haver fruição. Sobre a estética daquela arte, ele define como beat nas atitudes de contestação e experimentações perceptivas, e modernista na poética da síntese. “Não gostava das imagens excessivas e dos versos compridos do poetas beatniks“, disse Chacal.