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O compositor e multi-instrumentista Egberto Gismonti se apresenta hoje, às 19h30, no gramado da Reitoria dentro do ciclo de conferências Sentimentos do Mundo. Nascido em família de músicos, em Carmo, no Rio de Janeiro, Gismonti estudou piano desde criança no Conservatório de sua cidade. Seu primeiro LP, Egberto Gismonti, foi lançado em 1969. Egberto já trabalhou com trilhas sonoras de filmes e teve sua música gravada por artistas como Sarah Vaughan e Wayne Shorter. Atualmente, tem trabalhado como compositor solista em orquestras. Segundo o músico, ter crescido no meio artístico foi fundamental para sua formação. “No meu caso, decidir que o dom existia foi fácil porque tive uma família apoiando e desejando que isso acontecesse. Não foi difícil para a família influenciar, já que a maioria dos meus tios e minha mãe sempre foram diretamente ligados à música”, disse ele em entrevista ao Portal da UFMG publicada abaixo. É inevitável não pensar em “vocação” quando se conhece sua trajetória. Para você, que toca desde a infância, a música é mais como um dom ou é resultado de um aprendizado? Qual a importância da formação acadêmica para um compositor? Você já passou uma temporada com os índios do Xingu. Como foi o envolvimento entre eles e a música? A melhor resposta refaz sua pergunta para Como foi o meu envolvimento com os índios e sua música? Foi definitivo sob muitos aspectos. Lembro que minha primeira viagem ao Xingu se deu a partir de convite da cineasta Tania Quaresma, que disse a muitos músicos brasileiros: "Escolha a região do Brasil que melhor o representa, vamos e filmamos". Isso me pareceu um sonho que se confirmou e, ao final, levamos o Balé Stagium para dançar uma peça minha para os índios que, em contrapartida, dançaram para todos nós a sua dança, a sua música. Terminado o período estipulado, eu resolvi ficar mais algumas semanas naquele universo totalmente desconhecido e estável, equilibrado, de reverência à natureza, à amizade, à hierarquia, um sonho de sociedade. Isso aconteceu no final dos anos 70, princípio dos 80. Infelizmente muitas mudanças aconteceram desde então. Aqui na Universidade temos um projeto de Formação Intercultural Indígena. Você acredita que o Brasil é propenso a este tipo de troca cultural ou ainda há resistência? Muita resistência. E ela impede que tenhamos os olhos, o coração e a mente abertos para o aprendizado que nos possibilitaria uma grande evolução na direção da liberdade e da igualdade de convivência. Afinal, ainda não aceitamos de forma plena sequer a nossa miscigenação. Tenho a impressão de que ainda não estamos preparados para a singularidade que representamos como povo. Mesmo tendo visitado a Europa com certa constância, sua música permanece genuinamente brasileira. Preservar as raízes é importante para a carreira de um músico? Em que sentido? Diante do acesso atual a tantas e diferentes mídias, manter viva, através de pesquisas e acervos, a memória da música brasileira é suficiente para que ela não se perca no imaginário das gerações futuras? Hoje o rádio e a TV não têm mais a mesma força que possuíam no século passado. O artista acaba se comunicando de outras formas e com outros meios. Como você tem se utilizado das novas mídias para divulgar seu trabalho? Alguma novidade recente em seu estilo ou trajetória musical?
Na realidade, qualquer expressão artística depende ou está ligada diretamente ao "dão", como disseram Mário de Andrade e Manoel de Barros referindo-se à doação – recebida e prestada. Por isso, divido sua questão em duas respostas. Em primeiro lugar, acredito que todas as pessoas possuem um dom. Algumas acreditam que ele pode se tornar singular e dar esperança aos que tiverem contato com ele. No meu caso, decidir que o dom existia foi fácil, porque tive uma família (Gismonti) apoiando e desejando que isso acontecesse. Não era e não foi difícil para a família influenciar, já que a maioria dos meus tios(as) e minha mãe sempre foram diretamente ligados à música. O tio Edgar foi o principal deles, já que a música decidiu ser sua amiga, seguindo o mesmo caminho de meu avô Antônio. Os irmãos eram muito musicais, afinados e cantavam em igrejas, ladainhas ou interpretavam as valsas do meu avô ou as músicas do tio Edgar. Quanto a aprendizado, devoção, estudo, estes são combustíveis essenciais para que a música se mantenha próxima ao pretendido. Isso também não foi difícil, devido à influência de toda a família. Lembro que os filhos dos Gismonti da minha geração são, em sua maioria, afinados e loucos por música. A semente ou DNA do meu avô se mostra e se revela forte e duradoura.
Falo em nome do que faço: trafego em um grande número de áreas musicais (popular, tradicional, folclórica e culta, a chamada erudita ou clássica). Nesse caso, considerando a música que faço, o ensino acadêmico foi e continua fundamental. Considero meu trabalho o resultado da vida musical que sempre tive. Aliás, recentemente passei a ter um exemplo prático disso quando passei a ter uma canção, Bodas de prata, gravada por muitos artistas de áreas diferentes: Sarah Vaughan, Wayne Shorter, Jan Garbareck, Jane Duboc, Mauro Senise, Yo Yo Ma e outros. De certa forma, fico feliz por fechar um ciclo prático com as gravações de artistas de diversos estilos utilizando uma mesma música.
Parei de pensar sobre preservação, acredito que depois de 40 anos de profissão. Exercitando a procura do Brasil, fiquei impregnado pela beleza da contradição que representamos e somos. Temos a possibilidade de exercer o contraditório todos os dias. Como exemplo, cito a nossa literatura, a nossa língua que continua sendo alimentada pelos cantadores nordestinos, e faz com que tenhamos alguns milhares de verbetes criados pelos repentistas, improvisadores, o que significa que na prática misturamos o culto com o inculto. Seríamos mais felizes se pudéssemos, livremente, exercer a alegria desta contradição que nos representa tão fortemente.
Não sei, é difícil responder sem uma bola de cristal. Prefiro acreditar que o imenso número de mídias possibilitará uma força especial à sobrevivência das nossas músicas, de valores diferentes, frases e harmonias, funções e sentimentos, todos ricos e representantes de nossa formação misturada, embolada, miscigenada.
Essa é uma pergunta de resposta longuíssima. Resumo dizendo que pessoalmente não faço uso de mídias eletrônicas para divulgar minha música – ela é usada por muitos músicos e cantores, diretores de cinema e de TV, teatro, dança, e, mais recentemente, gravada por artistas nos quatro cantos que frequento pelo mundo afora. Ofereço um exemplo só no Brasil: nos últimos três anos a Jane Duboc dedicou seu disco à minha música; Délia Fischer fez o mesmo; assim como André Mehmari, Hamilton de Holanda, Sergio e Odair [Assad]. Quanto às músicas isoladas, são gravadas permanentemente por artistas que vou conhecendo ou outros com quem vou renovando amizade ou admiração. Pessoalmente, procuro o anonimato ciente de que as plateias que encontro em todos os lados, formadas por pais com filhos e netos, representam a melhor semente da existência do que faço.
Sempre há uma mudança. Recentemente, tenho trabalhado como compositor e solista, com oito ou nove orquestras anualmente. Desde o ano passado estou dirigindo uma orquestra de jovens músicos. Já nos apresentamos em João Pessoa, Recife, Fortaleza, Olinda, Salvador, Minas, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Agora, estamos nos preparando para as turnês na Europa e na Argentina, em novembro e dezembro.