A partir da contraposição dessas duas mercadorias, o professor de História da Arte e do Pensamento Econômico da Faculdade de Estudos Administrativos (Fead-MG) e pesquisador do Grupo de Estudos em Gênero, Sexualidade e Sexo em Educação (GSS) da Faculdade de Educação (FaE) Marcel de Almeida elaborou um artigo em que aborda o descaso e a dilapidação do patrimônio histórico em Belo Horizonte. “Uso o pastel de Belém como um exemplo extremo do institucionalizado, do rotulado, e a coxinha de catupiry como algo que deveria ser de Belo Horizonte e que está se dispersando”, explica Marcel de Almeida. A história da verdadeira criadora da coxinha – a dona de casa Theresa Cristina Pinto – chegou ao conhecimento de Marcel por meio da ex-professora da UFMG Karin von Smigay, falecida em fevereiro deste ano. Pela ausência de patente ou reconhecimento como patrimônio, o quitute ficou legado à herança oral – e é neste exemplo que Marcel resume seu argumento: “É o mesmo descaso com a arquitetura cotidiana do urbano.” Segundo ele, a preocupação maior é com o grandes monumentos, como o Minascentro ou o Mercado Central, que funcionam como elemento compensador para os “buracos” que permeiam o ambiente metropolitano. “Costumo usar a analogia do dente: você tem uma dentição perfeita, até que aparece um buraco. Mas então dizemos ‘não tem problema, os outros servem’, e esquecemos a questão estética. Existem, sim, coisas bonitas na cidade, mas existem, também, esses hiatos que não dialogam com o resto do espaço urbano”. No meio desse vão, estão construções históricas menores que, por sua baixa importância, acabam sendo deixadas de lado. O que falta, de acordo com o professor, é critério na organização da cidade. Para reduzir a poluição visual causada pela falta de concordância nos estilos - e pelo desleixo de algumas obras que deveriam ser restauradas -, seria necessário unir ao ponto de vista do arquiteto o olhar do urbanista. “Existem diferenças entre estas duas áreas. Algumas obras arquitetônicas, por exemplo, privam-se do funcional. Na cidade, é preciso ter a arquitetura submetida ao urbanismo”, afirma. A ausência de leis que assegurem a padronização das edificações também contribui para o caos apontado por Marcel. “Existe uma lei de uso e ocupação em Buenos Aires que obriga o cidadão a seguir um padrão de construção. O que acontece é que fica mais barato manter a estrutura já existente nos edifícios, que corresponde aos parâmetros exigidos, do que demolir e reconstruir com as características obrigatórias. Assim as fachadas antigas são mantidas, independente do tipo de estabelecimento”. A questão da legislação responsável pela proteção do patrimônio em Belo Horizonte, segundo Marcel, é frágil por limitar-se ao aspecto econômico, e acabam transformando-se em mero tramito comercial. “Quem pode, demole e paga a multa. É o exercício do poder sobre a propriedade privada acima do bem coletivo”. Dentro desta lógica, as leis que, além de afetarem a questão financeira, atingem o imaterial – a liberdade cerceada, a reputação ameaçada, o emocional abalado – são mais eficazes. “Quando a questão resume-se a poder ou não pagar a multa, a função de coibição não surte mais efeito”, opina.
Augusto Lacerda
O pastel de Belém, iguaria de Portugal, é um produto patenteado e tombado pelo patrimônio cultural português. Sua receita só é compartilhada com os mestres pasteleiros admitidos na Oficina dos Segredos, que assinam um termo de responsabilidade e fazem juramento em cartório para que os ingredientes não sejam divulgados em hipótese alguma. Em contrapartida, a coxinha de catupiry, comum em Belo Horizonte, é reproduzida indiscriminadamente pela cidade, sem o conhecimento sobre seu autor original.