Universidade Federal de Minas Gerais

Sara Grumbaum
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Brunello: desafio é argumentar, em vez de ceder à pressão de grupos majoritários

Julgamento sobre aborto de anencéfalos sinaliza ineficiência do Legislativo, analisa professor Brunello Stancioli

quarta-feira, 11 de abril de 2012, às 8h17

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará hoje a questão do aborto em casos de anencefalia. A Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental nº 54, impetrada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde para garantir à gestante de anencéfalo o direito de interromper a gravidez, está na pauta de votação do dia, após mais de sete anos de espera. Em entrevista ao portal UFMG, o professor da Faculdade de Direito Brunello Stancioli analisa o tema, abordando questões como o "cinismo do Legislativo", a precariedade do sistema jurídico e a argumentação necessária ao processo de tomada de decisões em uma democracia.

Muitos países já permitem o aborto em casos de anencefalia, ou vêm caminhando nessa direção – entre eles Argentina, Uruguai e Colômbia. Até mesmo a teocracia do Irã alterou a lei em 2004, garantindo à mulher esse direito. Por que no Brasil, país que, segundo a Organização Mundial de Saúde, tem a quarta maior incidência de anencefalia no mundo, com um caso para cada 500 gestações, demoramos tanto para deliberar sobre o assunto?

Um dos motivos principais é a inércia intencional da esfera legislativa brasileira para tratar de questões tidas como "sensíveis" à opinião pública, especialmente quando se tem um forte posicionamento religioso, num país de maioria cristã, em favor de determinada solução. Verifica-se, da parte dos parlamentares, uma falta de interesse em debater tópicos que dividem a opinião pública e, assim, possam gerar perda de votos – embora pareça irônico, já que a arena política seria o local por excelência para discussões e tomadas de posições. Isso porque posicionar-se sobre esses temas exige explicitar princípios e defender ideias que podem ser controversos, e, para a maioria dos políticos, é melhor que eles, ou a falta deles, permaneçam ocultos. É um processo bastante cínico, e que, infelizmente, impede que o debate de questões como o aborto, a legalização de drogas, a eutanásia e a legalização de uniões homoafetivas ganhe espaço nas casas legislativas. O que acaba acontecendo é que o Judiciário, que não pode simplesmente dizer "não vou decidir" diante de um caso concreto, acaba sendo obrigado a encontrar soluções quase sempre casuísticas e provisórias para problemas que demandariam planejamento mais amplo na elaboração de políticas públicas e peças legislativas.

O tema envolve igreja, cientistas, comunidades de defesa dos direitos humanos e sociais, entre outros grupos. Como uma democracia deve regulamentar questões como essa, que implica tantos interesses distintos, de forma a garantir que todos os grupos sejam ouvidos?

O problema maior não é "garantir que todos os grupos sejam ouvidos", pois isso só não basta. Nos tribunais superiores, em casos de grande repercussão especialmente (como esse), é possível que participem diversas entidades da sociedade civil no procedimento judicial na condição de amicus curiae ("amigo da corte"), no sentido de pessoas ou entidades contribuírem para o esclarecimento de questões potencialmente complexas e ajudarem na formação da convicção dos ministros. Outro instrumento do qual o Supremo Tribunal Federal pode se utilizar para permitir que um número maior de envolvidos possa ser ouvido é a convocação de audiências públicas sobre a matéria de um dado processo, como aconteceu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510-0, sobre a constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisa no Brasil. Em uma democracia plural, o grande desafio é conseguir decidir questões controversas através de processos argumentativos, e não apenas por meio de imposições ou pressões de grupos majoritários. Seria interessante que, mais do que simplesmente opinar, houvesse algum tipo de argumentação entre os interessados, para que se pudesse verificar se os fundamentos das posições são legítimos, quais argumentos são melhores, e se há possibilidade de consensos razoáveis. Por exemplo, a Igreja Católica deve ter o direito de dizer que o aborto de anencéfalos deve permanecer proibido porque o feto anencéfalo é vida humana, que é sagrada, mas, em termos de uma argumentação pública, como a que deve embasar uma decisão judicial, a sacralidade da vida, como obra divina, não é legítima, na medida em que leva em conta a questão de fé – crenças religiosas particulares, não baseadas em fatos ou evidências empíricas. Desse modo, como conciliar essa opinião e um argumento que diz, por exemplo, que sem o encéfalo não há vida mental, e que são os processos mentais que dão aos seres a possibilidade de ter interesses, direitos e preferências que poderiam ser protegidos? Os dois argumentos são inconciliáveis, não há consenso ou convencimento possível de uma ou outra parte. Por isso, creio, o objetivo do debate democrático deve buscar a qualificação de argumentos como factuais ou não, e a tomada de decisões informadas não por concepções morais particulares, mas por valores éticos e jurídicos.

O aborto em casos de anencefalia é considerado crime no Brasil. Para interromper esse tipo de gravidez, a mulher deve recorrer a uma liminar judicial. O que a aprovação legal desse procedimento significaria para o país, no atual momento histórico?

A liminar é sempre um paliativo. Tratar esse e outros problemas prementes de bioética como questões meramente teórico-especulativas é insatisfatório. Só evidencia a precariedade do sistema jurídico e seu total descolamento da realidade. O problema deve ser considerado dentro de um conjunto de circunstâncias fáticas, levando em conta saúde pública, pluralismo e direitos individuais. A manifestação do STF, se em favor da legalização do aborto de anencéfalos, deve simplificar o processo. Porém, podem surgir vários outros problemas, como a objeção de consciência de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos) que se recusariam a fazer o aborto. Tal ocorre na Itália, em que o aborto é permitido, mas dificílimo de ser efetivado, pois a objeção de consciência pode ser alegada, inclusive por médicos que atendem em sistemas públicos de saúde. De qualquer maneira, a decisão pode ter grande significado, como uma nova conquista dos direitos individuais da mulher findando mais uma forma de controle público sobre o seu corpo.

O debate sobre aborto suscita o problema acerca do momento em que a vida tem início. Em uma sociedade tão plural, a quem cabe definir a fronteira entre vida e morte?

Quando se afirma que a Constituição protege a vida, deve-se ler vida pessoal, ou vida da pessoa humana. Esperma e óvulo são "vivos", no sentido de terem processos bioquímicos pertinentes – e nem por isso pode-se afirmar que têm "direito à vida". Outro exemplo são as células humanas HeLa, vivas, que são utilizadas para vários experimentos científicos, mas que certamente não possuem “direito à vida”. A consideração do embrião como pessoa recebe forte influência da dogmática cristã, que destaca o momento da fecundação como o da "infusão da alma", no qual já haveria existência da pessoa, que deve ser protegida. Essa explicação, no entanto, não tem lastro científico, não podendo servir de base para decisões judiciárias em um Estado laico. A definição de pessoa, e sua tutela, deve passar por um processo de argumentação na esfera pública, que leve em conta, inclusive, argumentos científicos e materialistas. Além disso, deve-se considerar a autonomia da mulher e sua possibilidade de uso do próprio corpo. Na minha opinião, a existência pessoal e a proteção do indivíduo humano como pessoa pressupõem, no mínimo, uma base corporal capaz de suportar a consciência – um sistema nervoso central ao menos em desenvolvimento –, o que não ocorre com o anencéfalo.

Há como se fazer alguma previsão sobre o julgamento de hoje no STF?

Não há como prever. Espero que ele enfrente o problema e autorize o aborto, pautado pela postura laica e pelo respeito à liberdade individual da mulher. De todo modo, espero que o julgamento de questões como essa sirvam como sinalização para a necessidade de uma postura proativa do Legislativo.

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