Luiza Bongir |
Faltam a crianças e jovens sem-terra – a maioria em situação de pobreza e desnutrição, alguns de famílias desestruturadas, sobretudo em função da ausência do pai, que trabalha em lugares distantes – capacidade de aprendizagem e até interesse pelo que a escola tem a oferecer. Parece fazer sentido, mas não passa de estereótipo. Os alunos sem-terra aprendem, são disciplinados e se interessam pela escola, e a maioria deseja permanecer no campo. Mas é necessário que os professores percebam esta realidade. A ideia sintetiza os resultados de pesquisa desenvolvida pela professora Maria Isabel Antunes-Rocha, da Faculdade de Educação (FAE) da UFMG. Com vasta experiência na investigação das representações de professores a respeito de alunos, Maria Isabel teve a atenção despertada por relatos de conflitos entre professores e alunos nas comunidades em luta pela terra. “As dificuldades chegavam a casos de agressão verbal e física. Minhas observações mostraram que, diferentemente das expectativas dos professores, os alunos não têm problemas de aprendizagem. Mais que isso, eles demandam conhecimento, e os pais exigem uma educação que ajude seus filhos a permanecer no campo”, explica Maria Isabel, que acaba de lançar, pela Editora UFMG, o livro Da cor de terra: representações sociais de professores sobre os alunos no contexto da luta pela terra. De acordo com a pesquisadora, os professores com mais dificuldades para alterar suas formas de pensar e agir com os alunos sem-terra são aqueles com menos acesso a leituras e sem história de participação em grupos sociais, como igrejas e associações de moradores. O estereótipo é alimentado mais facilmente também por professores com origens ligadas às elites locais. “Quando o professor enxerga as crianças e jovens como invasores, é mais difícil que se estabeleça uma relação pedagógica”, diz Maria Isabel. Sentimento e prática “As narrativas mostram que os estudantes sabem que têm direito à educação e respeitam o professor. Todo mestre deveria sonhar com isso”, salienta a pesquisadora. “Mas o conflito é gerado pela dificuldade, por parte dos professores, de compreender o aluno como sujeito de direitos e não como ‘invasor de terras’. Os professores não são maus ou incompetentes, mas produto de uma cultura que reafirma a terra como propriedade de poucos.” Uma das criadoras da Licenciatura em Educação no Campo, curso em que a UFMG foi pioneira e que existe hoje em 30 universidades brasileiras, Maria Isabel defende que o ofício de ensinar não é universal, pode e deve ser contextualizado. “Em nosso curso, o professor aprende a refletir sobre sua visão em relação a aspectos como classes sociais e possibilidades de vida no campo.” O dia a dia das escolas de assentamentos revela, de acordo com Maria Isabel, que os povos organizados na luta pela terra não desejam apenas usar a terra para trabalhar, mas esperam que ela seja também espaço para produção da vida. “Eles reivindicam políticas públicas que afirmem sua condição de sujeitos de direitos, e exigem uma escola comprometida com a vida sustentável”, conclui. Livro: Da cor de terra: representações sociais de professores sobre os alunos no contexto da luta pela terra (Itamar Rigueira Jr.)
A pesquisa foi realizada em seis regiões de Minas Gerais. Foram selecionados assentamentos novos e antigos, ligados a diferentes movimentos sociais. Maria Isabel Antunes-Rocha entrevistou professores, pais e dirigentes municipais, frequentou salas de aula e reuniões de docentes. Segundo ela, o objetivo central foi analisar como os professores pensam e sentem sobre seus alunos, e como isso é articulado à prática escolar.
Autora: Maria Isabel Antunes-Rocha
Editora UFMG
177 páginas / R$ 52 (preço sugerido)
Boletim da UFMG, edição 1781