O nível de escolaridade dos professores e a contratação por meio de concurso público são os fatores que mais pesam no nível de aprendizado dos alunos de uma escola pública. É o que conclui estudo da pesquisadora Raquel Rangel de Meireles, doutoranda em Demografia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), desenvolvido com base em dados longitudinais sobre estudantes do quinto ao nono ano do ensino fundamental que tinham aulas de português e matemática com diferentes perfis de professores. A pesquisa foi realizada por meio de questionários respondidos pelos professores e análise dos resultados das provas dos alunos de escolas da rede pública que participam do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), iniciativa voltada para o aperfeiçoamento da gestão escolar. Com base em seis rodadas de coleta de dados em 175 escolas de educação básica de Rondônia, Pará, Pernambuco, Sergipe, Mato Grosso do Sul e Goiás foram analisados os desempenhos de 1.251 alunos de português e 1.430 de matemática. A análise cobriu 581 professores de português e 582 de matemática. “Nosso objetivo era avaliar se professores com maior nível de qualificação afetam positivamente os ganhos de aprendizado dos alunos das escolas participantes do programa. A partir do resultado das provas dos alunos em cada uma das séries e do nível de qualificação do professor ao qual o aluno foi exposto em cada uma delas, é possível inferir o impacto de uma medida da qualidade do professor sobre o aprendizado escolar”, explica Raquel. O resultado do trabalho foi publicado no final do ano passado no artigo Does teacher qualification influence student achievement gains? The case of Plano de Desenvolvimento da Escola in Brazil , apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Águas de Lindoia (SP), em novembro passado. Nesta entrevista, a pesquisadora explica por que a qualificação dos professores tem papel fundamental no aprendizado dos estudantes. Como surgiu a ideia de uma pesquisa que medisse a influência do nível de escolaridade do professor na qualidade de ensino? Quais os principais fatores que interferem no aprendizado de um estudante? O que diferencia um bom professor de um professor ruim? Somente a qualificação? Depois das análises dos questionários e relatórios com as notas dos alunos, quais foram as conclusões do grupo de pesquisa? Como foi medida a qualificação dos professores analisados? Por que essas variáveis pesam mais? Como estudos como o seu podem ajudar no desenvolvimento de políticas públicas que melhorem o nível dos professores do ensino fundamental? (Luana Macieira) (A íntegra do artigo, também assinado pelo professor Martin Carnoy, da Universidade de Stanford, EUA, está disponível aqui)
Vários estudos sempre tentaram medir o que faz um bom professor. Há a necessidade dessa investigação para que os gestores de ensino saibam onde investir o dinheiro público. Com esse tipo de pesquisa, é possível apontar para o gestor da escola em quais áreas ele terá maior retorno em termos do aprendizado do aluno: em curso superior para professores, em formação, em infraestrutura etc.
Todo mundo está interessado em saber o que leva o aluno a aprender e quais fatores amplificam seu aprendizado sobre o conteúdo ensinado em sala de aula. Sabemos que a participação dos pais e um ambiente familiar favorável influenciam bastante. Além disso, ter uma boa escola com biblioteca, diretores ativos e bem preparados e salas de aula com tecnologia também ajuda. Mas o elemento que mais se destaca é mesmo o professor. Ele é quem mais influencia na aprendizagem do aluno.
Há vários fatores. O bom professor de crianças precisa ter nível superior? Mestrado? Doutorado? Ter esses títulos vai melhorar sua didática? Sua experiência é mais importante que seus títulos? Está claro que um professor com doutorado é mais preparado para dar aulas em uma universidade, por exemplo. Mas esse título é essencial para um professor que lida com crianças? Não existe um consenso do que de fato torne um professor melhor que o outro, pois há outros fatores que interferem, como a estrutura familiar, por exemplo. É o conjunto de todos esses fatores que facilita ou dificulta o aprendizado.
Dei início ao artigo nos Estados Unidos, quando terminava meu mestrado na Universidade de Stanford. Observando a literatura americana, verifiquei que, nos países desenvolvidos, as evidências apontam para o fato de que um professor ter ou não ensino superior ou uma maior qualificação não importa muito. O que importa é ele ter a técnica, a didática, o conhecimento da disciplina. Mas para um país em desenvolvimento como o Brasil, eu acreditava que o título contaria muito, porque nossa carreira de licenciatura não é atrativa para amenizar o efeito do diploma. Então se há um professor que está na carreira e tem um diferencial de formação, ele provavelmente será melhor que o outro porque correu atrás desse diferencial. Aqui, a paixão e a vontade de investir na sua formação já mostram quem realmente quer ser um bom professor.
Utilizamos um questionário com várias variáveis para medir o índice de qualidade do professor. Avaliamos seu nível máximo de instrução (se tinha curso superior, pós-graduação, mestrado e doutorado), o tipo de instituição que frequentou, se fez formação continuada e se foi aprovado em concurso público. Usamos a metodologia para testar quais variáveis são importantes. Constatamos que 68% deles tinham nível superior e 57% eram concursados. Já sabíamos que todas as variáveis tornavam um professor melhor, mas, para nossa amostra, as que apresentaram maior poder explicativo do ponto de vista estatístico foram o nível de escolaridade e se o professor era concursado ou não.
A conclusão do ensino superior é certamente um indicador de qualidade para as escolas que trabalhamos porque sinaliza que aquele professor tem um maior nível de conhecimento do que um professor que tem apenas o ensino médio, por exemplo. No caso do concurso público, o professor que passa pela seleção também tem provavelmente mais domínio sobre conteúdos do que um professor temporário, que não passou na seleção.
Precisamos conhecer bem as características dos professores para avaliar quais são suas melhores qualidades e o que deve ser melhorado. Estudos como o que desenvolvi indicam que é preciso investir em treinamento e em concursos públicos, que se mostraram pontos-chaves na melhoria da qualidade do ensino. Nos países mais desenvolvidos, os professores são mais qualificados e melhor remunerados. Além disso, os alunos também costumam ter menor nível de carência e necessidades socioeconômicas. Nosso problema educacional é multifacetado, mas o investimento na qualificação do professor deve ser um dos primeiros passos para alcançarmos um melhor nível de qualidade e equidade na educação.