Universidade Federal de Minas Gerais

Luana Macieira/UFMG
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Amanda Reinaldo: redução de danos e reinserção social como estratégias de reabilitação

'O crack não é mais apenas uma droga de rua', afirma especialista da UFMG em dependência química

terça-feira, 12 de março de 2013, às 5h52

O crack é usado hoje por pessoas de todas as classes sociais e faixas etárias, atingindo, por exemplo, executivos que o consomem em casa, nos finais de semana, de forma relativamente controlada.

“O perfil do usuário atual é mais amplo”, comenta a professora Amanda Reinaldo, especialista em dependência química e professora do Departamento de Enfermagem Aplicada da UFMG.

Ela é a coordenadora do Ciclo de estudos em crack e outras drogas, que começa hoje na Escola de Enfermagem, e reunirá, em sete encontros periódicos que se estendem até julho, especialistas e profissionais de saúde que lidam com temas como o estigma sobre o usuário de drogas, a rede de saúde e de atendimento e a importância da participação da família na recuperação do dependente químico.

Em entrevista ao Portal UFMG, a professora Amanda Reinaldo analisa o comportamento não exclusivista do dependente de crack, que também consome outras drogas, o forte estigma social que o persegue e sugere estratégias para o tratamento dos viciados – e elas não passam, em sua avaliação, pela internação compulsória, adotada desde o início do ano em São Paulo.

“O ideal seria que as políticas públicas para essa área seguissem o princípio da redução de danos, que foca seus esforços na relação que o usuário tem com a droga”, propõe.

O ciclo de estudos que começa hoje tem o crack em lugar de destaque nos debates e até mesmo no nome do evento. Por que essa droga tem ganhado tanto espaço na agenda do governo e da sociedade?
O crack é a bola da vez. Se pensarmos epidemiologicamente, outras drogas como o álcool provocam mais impactos sociais e financeiros que o crack. Mas o crack choca a sociedade e chama a atenção, porque seus usuários estão na rua, eles saem de suas casas e vão para as cracolândias, perambulam pela cidade e isso incomoda a sociedade. O uso do crack levanta outras questões sociais como prostituição e a degradação humana. Já o usuário de álcool em geral tem sua família e sua casa e não incomoda tanto a sociedade, a não ser nos casos de acidentes de trânsito. O crack incomoda muito mais, socialmente falando.

O crack então é uma droga menos aceita socialmente?
Sim, por conta da degradação e outras questões sociais que ele gera. O crack está associado à violência e a comportamentos de risco. Como exemplo, lembro que têm aumentado os casos de crianças portadoras do HIV; as mães usuárias e contaminadas pelo vírus não fazem pré-natal, o que poderia impedir a criança de contrair o vírus.

A violência e outros problemas que aparecem associados ao uso do crack são os responsáveis pela exclusão social dos usuários dessa droga?
Não acho que usuário do crack seja excluído socialmente. Ele é temido socialmente, a partir do momento em que causa um incômodo, as pessoas não querem vê-lo perambulando pelas cidades. Ele está na cidade, anda e convive com as outras pessoas, mas incomoda. Ele não está excluído na periferia, circula pelos espaços. Em geral, as pessoas têm mais medo do usuário de crack do que de um alcoolista ao volante.

Por que o crack tem matado tantos usuários?
Não podemos falar que o crack é a droga mais devastadora para o organismo. O uso de qualquer droga deve ser visto como uma doença e não um desvio de caráter, e o crack não mata por si só, está associado a doenças secundárias, tais como tuberculose, aids, pneumonia, câncer de boca. O usuário morre devido às comorbidades associadas ao uso da droga. Alguns indícios trazidos por determinadas pesquisas mostram que os usuários de crack estão começando a autorregular o seu uso da droga.

Como isso acontece?
Há estudos em andamento que mostram que o crack está entrando em uma fase de uso mais “estabilizado”, por assim dizer. Quando a droga surgiu, houve um boom no seu uso, sendo que o ápice foi percebido pela população com o surgimento das cracolândias. Mas hoje já existem sinais apontando que as pessoas que usam crack, assim como os usuários de cocaína e álcool, estão começando a moderar o consumo. Há usuários de fim de semana que controlam o uso para trabalhar e ter uma vida normal.

Qual é o perfil desse novo usuário?
É muito difícil traçarmos esse perfil, porque ele é muito amplo. Há desde o executivo que faz uso aos fins de semana em casa, de forma regular, porém mais controlado, até as donas de casa e os aposentados. O crack não é mais uma droga da rua, seu perfil mudou e ele agora atinge todas as classes sociais. Além disso, os consumidores de crack são "poliusuários".

Isso significa que não uma há exclusividade no consumo...
É muito difícil vermos usuários de uma droga só. As pessoas experimentam de tudo, mas fazem uso maior daquela droga à qual se adaptam melhor, que gostam mais do efeito. Aquele caminho clássico indicando que a pessoa começava no cigarro, migrava para a maconha e depois para drogas consideradas “mais fortes” não é mais comum. O grande “barato” do crack é o efeito instantâneo, mais rápido. Mas o usuário de crack também consome maconha, álcool e cocaína.

Como o usuário de crack deveria ser tratado?
O usuário de drogas é uma pessoa doente e que precisa de tratamento. O ideal seria que as políticas públicas para essa área seguissem a mesma linha do álcool, por exemplo. É a política de redução de danos, que foca seus esforços na relação que o usuário tem com a droga. O objetivo final é sempre a abstinência, que a pessoa pare de vez de usar o crack. Mas se hoje a pessoa fuma 20 pedras por semana e consegue passar a fumar 10 ou 5, isso já é bom. Juntamente com essa redução de danos, deve haver ações como reinserção no mercado de trabalho e na família, para que a pessoa consiga parar de usar a droga e voltar a ter vida normal. O usuário de crack precisa ser amparado de todas as formas e reintegrado à sociedade.

A recuperação de usuários de crack é mais difícil que a de dependentes de outras drogas?
É uma recuperação bem árdua, tanto pela dependência física, quanto pela psíquica. O usuário de crack pensa que precisa da pedra para sobreviver. Ele não acha que a droga em si é ruim, porque, se assim fosse, ninguém usaria. O usuário se sente mais forte e corajoso, e isso dificulta o tratamento. O ex-usuário precisa desenvolver um autocontrole e tentar não se expor às situações de risco.

As internações compulsórias são uma solução para o problema do crack nas grandes cidades?
Na área da saúde há grupos contrários e favoráveis a essa medida. Os grupos a favor alegam que o dependente perde a capacidade de decidir o que é bom e o que é ruim, e, por isso, o Estado tem a obrigação de decidir por ele. Os grupos contrários encaram essa internação como violação de direitos e de autonomia. A internação compulsória não vai resolver o problema do crack, mas é preciso dar uma resposta à sociedade.

Como tem sido o resultado dessa medida nos locais onde foi adotada?
Até onde temos conhecimento, a maioria dos internados compulsórios retorna ao uso, porque não há o desejo do tratamento. Quantas vezes a internação compulsória já foi feita e não deu certo? Foi feita com os portadores de hanseníase, com os doentes mentais e com os tuberculosos. Todas essas pessoas incomodaram a sociedade e foram retiradas das ruas pelo Estado. Com os anos, nenhuma dessas internações deu resultado, porque você isola a pessoa e cria uma sociedade à parte, sem solucionar o problema. Ao tirar as pessoas da rua e interná-las à força, o crack não deixa de existir. E em algum momento elas vão sair da internação, pois ninguém pode ficar enclausurado para sempre. Logo vai aparecer outra droga e qual será o próximo passo? Vamos criar serviços de internação para cada nova droga? Esse é um assunto muito delicado e que desperta posições conflitantes. Alguns usuários questionam a internação compulsória e, ao sair, voltam a usar droga. Já outros agradecem pela internação depois que se recuperam.

Como o Estado participa dessas internações?
Nos locais em que ocorrem, elas são resultado de parceria do governo com a justiça. Nossa preocupação é que o Estado pode não dar conta de manter as internações compulsórias, porque isso é muito caro. A quem interessa a internação compulsória se o Estado não tem condição de internar todo mundo? As clínicas privadas vão se interessar e aí a pessoa deixa de ser um usuário de drogas, sabidamente doente, e se transforma em uma cifra. Quanto mais usuários, mais serviços privados e mais dinheiro o processo vai envolver. Já existe a intenção e esforço político para a causa, mas esse esforço tem que ser canalizado de forma inteligente.

Como a universidade tem participado dos debates sobre dependência química e uso do crack e outras drogas?
A UFMG difunde o conhecimento e cria políticas de multiplicadores desse conhecimento. A universidade ajuda a destruir mitos e a mostrar que este é um problema de saúde pública. Além disso, ela forma profissionais nas áreas da saúde que estão se preparando para enfrentar o problema. Muitos profissionais estão indo para o mercado de trabalho sem saber lidar com essa questão. Além disso, a UFMG tem feito avanços na pesquisa para gerar conhecimentos que ajudam a compreender melhor a dependência química.

(Luana Macieira)

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