Em palestra ministrada na semana passada na Faculdade de Educação (FAE) da UFMG, Silvia Cristina Yannoulas, professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB), apresentou as conclusões de projeto desenvolvido pelo grupo Trabalho, Educação, Discriminação (TEDis) da UnB. Uma parte do trabalho foi realizada na FAE, durante o estágio de pós-doutorado da professora no Grupo de Estudos Sobre Política Educacional e Trabalho Docente (Gestrado). O objetivo do estudo era esmiuçar a relação entre pobreza e educação, a partir da observação em sete escolas localizadas em regiões com grande parcela de alunos cujas famílias ganham até dois salários-mínimos, no Distrito Federal e em Goiás. Às professoras das escolas participantes do projeto foram distribuídos diários para que elas anotassem suas observações sobre como a classe social dos alunos interferia no processo educativo. Em entrevista ao Portal UFMG, Silvia Cristina Yannoulas defende que a reflexão sobre a relação entre pobreza e escola se dê em outras bases. “O desafio de universalizar a educação básica tem relação direta com a necessidade de derrubar um conjunto de estereótipos que apontam os alunos pobres como aqueles que têm mais dificuldade de aprendizado”, afirma. A senhora afirma que os estereótipos relacionados à pobreza e educação são obstáculos para a melhoria do ensino fundamental. Que estereótipos são esses? Por que a pobreza é apontada como a maior culpada pelo mau desempenho dos alunos? Como quebrar essa visão? Como a questão do mérito escolar se relaciona à pobreza? É verdade que alunos pobres tiram, de fato, notas menores na escola? Os programas de transferência condicionada de renda são importantes para reduzir o impacto da pobreza no ambiente escolar? (Luana Macieira)
O maior estereótipo é aquele que já foi estabelecido pelo senso comum e corroborado por várias pesquisas que realizamos. Ele cria uma associação negativa entre a pobreza do estudante e seu desempenho escolar individual, apontando a primeira como a grande vilã e a maior culpada pelo fracasso da escola e das políticas educacionais e sociais. Para medir esse fracasso, utiliza-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esse índice mede a qualidade da escola, tendo como base o desempenho do estudante e as taxas de aprovações dos alunos.
Esse senso comum parte da sociedade como um todo e aparece, também, nas professoras das escolas que pesquisamos. Há professoras que acham que os alunos mais pobres vão sempre tirar notas menores e há gestores de escolas que desconhecem o funcionamento dos programas do governo suplementares à educação, que poderiam ajudar aqueles alunos, como os de assistência estudantil, de transporte escolar e uniformes - os de livro didático e merenda escolar são mais conhecidos. Há certo desconhecimento sobre o que poderia ser feito para melhorar a situação desses alunos mais pobres na escola e também fora dela.
Em primeiro lugar, seria interessante que houvesse uma qualificação específica do corpo docente. As professoras, de certa forma, reiteram estes estereótipos. Não estou dizendo que as professoras deveriam se formar como assistentes sociais, mas é importante que elas aprendam a compreender a situação social de pobreza em que muitos alunos estão inseridos. Na nossa pesquisa, percebemos que as professoras não tiveram contato com a questão social durante a formação profissional, de modo a ajudá-las a compreender a desigualdade social como um problema coletivo que interfere no aprendizado, e não como um problema individual daquele aluno. O senso comum que relaciona pobreza e educação precisa ser revisto.
Este é outro senso comum que precisamos derrubar, pois não podemos misturar mérito acadêmico e situação de pobreza. Os diários de pesquisa revelam que alguns gestores e professoras defendem a necessidade de exigir desempenho escolar elevado para os alunos beneficiados com programas de governo, como o Bolsa Família, por exemplo. Algumas professoras relataram que o recebimento de uma bolsa do governo deixava as famílias “acomodadas” e que, por isso, esses alunos precisariam ser avaliados também pelas notas. Isso é uma incompreensão total do significado e da origem da situação de pobreza. A criança que recebe o benefício do Programa Bolsa Família tem esse direito à proteção social. A bolsa não deve depender do seu mérito escolar, a criança tem direito à bolsa por ser cidadã. Por isso a importância que as professoras reflitam sobre a problemática da pobreza ainda no seu curso de graduação.
Com certeza. É difícil pensar uma única maneira de resolver o problema da pobreza ou de contornar o preconceito contra o aluno pobre. O Brasil tem uma Constituição Federal que determinou vários avanços sociais, mas os estabeleceu em período de grandes restrições econômicas, que fazem com que nossa sociedade permaneça uma das mais desiguais do mundo. Enquanto essa situação persistir, será difícil perceber que a pobreza merece ser respondida política e coletivamente. Programas como o Bolsa Família podem não trazer soluções, mas são necessários para atender necessidades imediatas. Algumas professoras relataram que os alunos pobres não iam à escola por falta de transporte. Outros não se sentiam motivados porque as famílias não tinham dinheiro para comprar lápis, caderno e outros materiais escolares de uso individual. O dinheiro de um beneficio do Programa Bolsa Família, por exemplo, pode ajudar nessas situações familiares graves, e certamente o seu valor mensal não é tão alto que leve as famílias a se acomodarem.