Universidade Federal de Minas Gerais

Isabella Lucas/UFMG
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O poeta agradeceu a recepção na Fale: "uma das noites mais felizes da minha vida"

'A vanguarda de hoje precisa da instituição para existir', critica Ferreira Gullar

terça-feira, 21 de maio de 2013, às 5h55

Na quinta-feira passada, Ferreira Gullar, 82 anos, o mais importante poeta brasileiro em atividade, esteve na UFMG para falar de sua carreira, da trajetória da poesia no Brasil e de suas ideias sobre arte, poesia e literatura. O encontro se deu como parte da programação da 4ª Semana da Letras, realizada pelo Diretório Acadêmico Carlos Drummond de Andrade.

Na ocasião, o autor de Em alguma parte alguma (2012), Poema sujo (1976) e A luta corporal (1954) encontrou o maior auditório da Faculdade de Letras lotado – pessoas se aglomeravam até nas escadas –, enquanto número ainda maior de ouvintes se juntou no saguão externo, onde foi instalado um telão.

Gullar saudou a recepção. “É um prazer ser objeto de tamanho entusiasmo e tantos aplausos. Espero que toda essa profusão seja a expressão de que a poesia tem ainda algum sentido na nossa sociedade", disse ele, entusiasmado com o tratamento caloroso que recebeu de grande parte da plateia.

Depois de mais de duas horas – e de afirmações como "estranha essa vanguarda que precisa da instituição para existir" –, ele fez questão de registrar: "Essa foi uma das noites mais felizes da minha vida”. Confira alguns dos principais trechos da conferência de Ferreira Gullar.

O início na poesia
Eu aprendi a fazer poesia com tudo metrificado, rimado. Sonetos. Nasci em Macondo, cidade em que tudo acontece cem anos depois. No início, escrevia como se escrevia no final do século anterior. Foi quando conheci a poesia moderna. Abri um livro e tinha um poema de Drummond que falava em “lua diurética” (Casamento do céu e do inferno). Tratei de buscar entender o que era aquilo. Percebi que a poesia que a gente fazia era a poesia de um mundo idealizado. E a poesia moderna era uma poesia que nascia do mundo banal. Na primeira, o mundo está poetizado a priori. Já a poesia moderna partia da vida real, da vida banal, cotidiana. Buscava uma transformação do mundo real em poesia. O mundo em que a gente de fato vive. A poesia brasileira moderna começa na semana de 22 e um pouco antes, e depois vem a geração de 30, com Drummond e outros. É uma poesia de verso livre; ninguém mais faz soneto nem fica preocupado com rima. Mas, em 1945, volta o soneto. É um retorno às formas clássicas da poesia. Não exatamente à forma de antes do modernismo... Mas é um retorno. E eu sempre fora do compasso, tentando me acertar.

Rompimento com a linguagem e concretismo
Entre essas idas e vindas, eu precisei fazer uma descoberta própria, minha, dentro daquele universo poético. Eu fiz a minha leitura do que era tudo aquilo. Essa é a razão de A luta corporal, que termina propondo uma desintegração da linguagem. Enquanto a poesia volta ao soneto, eu desintegro a própria sintaxe. O oposto. Mas eu não fiz isso para ser vanguardista. Nunca tive essa pretensão. É que eu descobri a importância da palavra, que a poesia era feita com essa matéria. Descobri que o que me levava a fazer poesia era a descoberta da novidade que eu via na vida real. A descoberta do momento poético. E percebi que a linguagem que eu tinha para me expressar era anterior a esse momento poético. A linguagem é sempre velha para expressar uma coisa nova. Aí pensei: a linguagem é anterior ao poema, mas, para poder expressar a poesia, que é nova, ela tem de se criar junto ao poema. Na época eu não percebi o quanto isso era inviável, ou seja, a linguagem nascer junto ao poema. Acabei conseguindo... Uma linguagem que ninguém entendia. Porque a linguagem é necessariamente um fenômeno social. De certo modo, todo poeta busca isso, busca que a linguagem nasça com o poema. A verdade é que, quando a poesia é plena, consegue, de algum modo, a união da coisa nova com a linguagem velha. Mas fiz essa poesia que violentava a linguagem, e que resultou em A luta corporal. Augusto de Campos, Décio Pignatari, a turma da poesia concreta disse que era o fim de uma velha poesia e o início de uma nova. Mas Augusto disse que eu tinha apenas destruído a poesia antiga. Faltava criar a nova. Nessa época, o único sentido que minha vida tinha já era escrever poesia. Eles falavam em novo verso, e eu pensava além: pensava em nova sintaxe. Em destruir o discurso poético e a sintaxe verbal. De tudo isso, nasceu a poesia concreta. Mas não fui eu quem a inventou. Foram eles. Eu apenas criei as condições para se criar uma outra poesia. Tornei necessário criar uma outra sintaxe. Com o tempo, no entanto, foram surgindo diferenças entre nós. Os manifestos que não resultavam em obras, ficavam apenas nos manifestos; a intenção que tinham de fazer poesia a partir de equações matemáticas; brigamos por causa disso. Eles eram como os políticos, que manifestam coisas que nunca vão acontecer. Certa vez, queriam publicar um manifesto da poesia de base. Não deixei que fosse publicado. De fato, nunca publicaram uma poesia de base sequer. Para inventar, você tem de ser capaz de inventar. Ninguém decide ser Pelé e vai ser Pelé simplesmente porque decidiu. Como disse Noel: samba não se aprende no colégio. Vanguarda é uma tristeza. E eu parti em direção a uma arte neoconcreta.

O novo rumo da vanguarda brasileira a partir do neoconcretismo e as experimentações de artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica...
A arte neoconcreta se caracterizou pela participação do espectador na obra. E tudo surgiu a partir do livro-poema, em que eu dividia o poema em páginas, obrigando o leitor a ler cada palavra, sem pular etapas. Era um poema impossível de ser publicado em jornal. Como era manuseável, o livro era ele próprio o livro e a obra, simultaneamente. Manusear o livro era “fazer” a obra. E isso a Lygia Clark fez com Bichos [série de esculturas de 1960]. Criou um tipo de escultura manuseável que permitia ao espectador participar da obra, ajudá-la a se expressar. Mas, depois de Bichos e dos projetos iniciais do Hélio Oiticica, eles foram avançando numa direção que significou a destruição da obra. A Lygia diz a certa altura que a partir de então a obra não é mais o objeto, que a obra é o ato de fazer; que a ação é a obra. Em dado momento, ela cria um tubo de seda no qual o espectador entra. Então a obra é o ato de entrar no tubo de seda, as sensações que você experimenta ao entrar no tubo de seda. A função do artista seria, agora, provocar no espectador essas sensações. E essas experiências, de algum modo, são precursoras do que depois seria chamado arte contemporânea.

...O tiro da arte contemporânea saiu pela culatra
Mas o meu julgamento a respeito dessas questões é bastante diferente do que muita gente afirma. Hoje, acredita-se que botar casais nus no MoMA (The Museum of Modern Art) é fazer arte; eu acho que não é. Acredita-se que botar três urubus em uma gaiola e mandar para a Bienal de São Paulo é fazer arte; eu acho que não é. E eu sei que bacana é dizer que é arte, porque assim todo mundo é de vanguarda, avançado – e hoje quem não é de vanguarda é reacionário. Então é preciso gostar de qualquer coisa, mas eu não gosto. Eu gostaria de perguntar: esses casais nus, no seu próprio quarto, são obra de arte? Não. Eles só são arte quando estão no MoMA. Então é o museu que transforma a obra em arte? Ou seja, se não estiver no MoMA, não é arte? Porque se estiver na rua não é arte; vai preso. O caso do urubu. Urubu é urubu. Mas, no museu, vira arte. A questão é que a vanguarda se caracteriza por ser anti-institucional. O que está instituído está consolidado, reconhecido: não é vanguarda. Vanguarda é rebeldia contra o instituído. Nesse sentido, essa vanguarda de hoje é estranha: precisa da instituição para existir. Isso é um equívoco, uma bobagem, não é obra de arte.

O que caracteriza a arte
A arte tem 20 mil anos. Nasceu nas cavernas, e já lá era bonita, expressiva, criativa. Porque isso é próprio do ser humano. Então não é meia dúzia de pessoas, a partir do urinol do Marcel Duchamp, que vai acabar com 20 mil anos de arte. Pois uma coisa que caracteriza a obra de arte é a exigência da feitura. A arte não é gratuita. Um poema do Drummond começa pelo acaso; mas termina com tudo sendo necessário. No fim, não se pode tirar uma palavra sequer. Pensemos nos casais nus do MoMA. Podem ser quantos casais? Cinco, seis, sete, oito, a quantidade muda alguma coisa? Não. Podem ser pretos, amarelos, azuis; também não muda. Então que arte é essa? É só uma boa ideia? Então não é arte; é só a “Caninha 51”. A verdade é que existem os detentores do conhecimento que querem mandar nas pessoas. Como se a verdade fosse uma coisa acima de todo mundo, acima das pessoas. Eles são os “donos da verdade”. De modo que é preciso ter a coragem de dizer: isso é besteira. É preciso ter coragem de dizer não para essas pessoas.

Tempos de poesia política...
Em dado momento da minha vida, eu não estava querendo fazer literatura; eu queria fazer a revolução. Virei outra pessoa. Com outras convicções. Buscava uma mudança da sociedade. Reforma agrária, socialismo. Terminei preso e exilado. Belo caminho. Vivíamos em um país muito injusto. No campo, então, as condições eram lamentáveis. Camponeses, agricultores, lavradores não tinham direito a coisa alguma. Então eu virei um poeta político. Mas, com o tempo, com o golpe, acabei percebendo que aqueles meus poemas não iriam fazer a revolução. E, se fosse para fazer maus poemas para fazer a revolução, tudo bem. Mas fazer maus poemas e ainda não fazer a revolução, aí seria demais. Então comecei a buscar qualidade literária para essa poesia engajada. É uma coisa que as pessoas em geral têm dificuldade em entender. Acham que basta ter boa intenção para fazer boa literatura. Mas não basta. Teatro político tem de ser, antes de tudo, bom teatro. Poesia política tem de ser, antes de tudo, boa poesia. Do contrário, basta o cara que faz o discurso. Isso é uma coisa que eu aprendi na minha militância política.

...E de exílio
Eu estava exilado na Argentina. Havia a Operação Condor, que dava sumiço nos brasileiros exilados junto com a polícia secreta da ditadura. A “democrática” embaixada brasileira havia anulado todo o meu passaporte. Um dia, sumia um amigo. No dia seguinte, outro fugia. Pensei: “vai chegar a minha vez”. Decidi escrever a última poesia da minha vida enquanto houvesse tempo. Imaginei um poema que dissesse tudo o que faltava ser dito por mim. Decidi que ia vomitar minha vida na página, sem ordem alguma, para depois, do magma que iria se criar com esse vômito, extrair o poema. Mas a linguagem não tem garganta, não dá para meter o dedo para vomitar. Não conseguia escrever; mas decidi que iria escrever de qualquer maneira. Comecei: “Turvo turvo a turva mão do sopro...” Pensei: isso não tem sentido. Era como se fosse de fato um vômito. Era um começo que não era o começo. Daí nasceu o Poema sujo. Esse poema foi trazido para o Brasil por Vinícius de Morais, gravado em minha voz. Em seguida foi editado, e teve grande recepção. Acredito que pude voltar ao Brasil muito em função disso. O poema permitiu que eu voltasse. Anulou, de certa forma, a possibilidade dos “milicos” darem sumiço a mim como deram aos outros.

Conselho para os novos poetas
Eu citei o que disse Noel Rosa: samba não se aprende no colégio. Ninguém vira poeta porque quer. Mas é bom que se escreva poesia, mesmo que não seja muito boa. É melhor do que fazer outras coisas. Então eu acho que quem quer escrever poesia deve escrever. O fundamental da poesia, no entanto, é que você de fato se entregue a ela. Que ela não seja um simples passatempo; uma brincadeira pura e simples. A poesia não é nada séria, de barba, bigode e colarinho – mas é uma experiência específica, uma experiência especial. Assim como samba não se aprende no colégio, o que vai fazer a poesia ser de qualidade é o talento da pessoa que a escreve. E isso aí ninguém pode ensinar.

Sobre Clarice Lispector (de quem Gullar era amigo e a quem dedicou o poema Na vertigem do dia, escrito dentro de um táxi, no caminho para o aeroporto, ao saber de sua morte)
A Clarice é de fato uma das maiores figuras da literatura brasileira. Ela tem uma característica muito própria. Os livros dela têm uma forma, uma estrutura que não é convencional. São romances que não são propriamente romances, mas que, ao mesmo tempo, o são – de uma outra maneira. Clarice era uma figura fora de série: sobretudo uma pessoa de enorme sensibilidade e de grande profundidade em sua reflexão. Não é à toa que o nome dela e a riqueza da sua literatura são reconhecidos no mundo inteiro.

(Ewerton Martins Ribeiro)

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